ROMANCE | André Sant'Anna 31/01/2024 - 11:49

Amor

 

Aqueles planetas. Aquelas estrelas todas e o universo e os cientistas explicando as galáxias e as palavras dos cientistas e aqueles livros todos explicando os cientistas e o Einstein lendo aqueles livros e o Einstein explicando aquela teoria toda. Os negros e os ingleses e as bocetas.

Os cientistas. Aquelas palavras todas. Essas palavras todas. Todas aquelas palavras daquelas mulheres e aqueles caras, lá, pensando nas bocetas e aquele golaço do Pelé e a estátua do Bellini e todas aquelas copas do mundo e o povo, lá, gritando “Brasil, Brasil” e o Zico perdendo aquele pênalti e o povo, lá, fedendo e o povo, lá, reclamando. Aquelas palavras todas.

Criancinhas esguichando sangue e o joelho do Zico esguichando sangue e o sol, lá, secando o joelho do Zico e a mulher do Zico, lá na Barra da Tijuca, vigiando o feijão que a empregada do Zico faz e o filho do Zico, lá naquela escola, escrevendo aquelas palavras todas e aqueles cineastas fazendo filmes e aqueles pintores pintando quadros e explicando aquelas palavras todas e aquele compositor americano e o Maradona, lá no Taití, com aquela loura, e o Maradona, lá no México, marcando aqueles golaços e o Freud fumando aquele charuto, explicando todas aquelas coisas e aquela mulher, com a boceta, deitada naquele divã da casa do Freud e aquelas palavras daqueles caras, lá no oriente.

Os paus daqueles monges integrados ao todo e aqueles monges, lá, não pensando em sexo e aquele garotinho, lá na Suécia, olhando aquelas bocetas nas revistas e toda essa angústia.

Aquelas mulheres e todas aquelas bocetas daquelas mulheres. Aquelas mulheres e aquele cara explicando aquelas palavras e todas essas histórias.

Aqueles livros todos secando sob o sol e aquelas mulheres com aquelas bocetas e os homens perseguindo as bocetas daquelas mulheres e aqueles homens e mulheres pensando em sexo e explicando aquelas palavras daqueles livros e o piloto de carros esguichando champanhe no príncipe e a filha do príncipe, lá, pensando em sexo e a filha do príncipe, lá, dirigindo o carro da Grace Kelly e a Grace Kelly, morta, devorada pelos vermes e o sol secando o sangue da Grace Kelly e o príncipe devorando cadáveres de animais no jantar e aquele filme no qual a Grace Kelly estava tão linda lá na televisão e a televisão e aquelas imagens todas da televisão e o mundo inteiro com aqueles continentes e aqueles oceanos e aquelas notícias, no jornal, com aqueles prefeitos e aquele prefeito, falando, falando e explicando aquelas palavras e vendo aquele filme da Grace Kelly lá na televisão e a televisão cheia de prefeitos e ingleses e negros e toda essa história e toda aquela angústia e os corações enviando sangue para os cérebros e aqueles cérebros cheios de miolos e aquelas crianças nascendo sem cérebros e o cérebro do Einstein e o cérebro do Presidente dos Estados Unidos e o pau do Presidente dos Estados Unidos e o pau murcho do Aiatolá do Irã e aquelas criancinhas sem cérebro e todos aqueles australianos, lá na Austrália.

Japoneses fabricando computadores e televisões transmitindo o programa daquele cara explicando aquelas palavras do livro e aquele cantor falando aquelas palavras todas e o outro cantor falando sobre o programa divertido do cara explicando aquelas palavras do livro e todos aqueles caras se suicidando e todas essas máquinas e todas essas palavras e os números todos no cérebro do Einstein e esses caras se suicidando e toda essa felicidade das criancinhas brincando e todos aqueles caras vendendo chicletes para aqueles caras dos carros parados nos sinais e aquelas luzes todas piscando nas cidades e o mundo inteiro cheio de caras explicando essas palavras todas e o mundo todo falando e explicando e todos.

Essa angústia toda das criancinhas pegando fogo e liberando carbonos e aquelas células se decompondo e todos aqueles elétrons ao redor dos prótons, girando o tempo todo naquela angústia dos átomos girando o tempo todo ao redor desse sol cheio de carbonos secando o sangue do povo o tempo inteiro e aquelas explosões de combustível e o sol, lá, secando o piloto, em chamas, deitado no caixão com aqueles parentes, ao redor, falando as palavras do Cristo ensanguentado.

Negros, ingleses, portugueses, judeus, alemães, irlandeses, poloneses, russos, japoneses e esses caras todos.

Pequineses, pastores, dobermans, chiuauas.

As aves. Os peixes e os vermes e micróbios devorando aqueles cadáveres naqueles cemitérios com aquelas cruzes.

Todas aquelas imagens do Cristo e da mãe do Cristo e dos amigos do Cristo esguichando sangue e aqueles romanos, de toga e capacete, cortando, em fatias, os amigos do Cristo e os amigos do Cristo gritando de dor.

Mulheres sentindo dor e bebês saindo pelas bocetas das mulheres e aqueles médicos puxando os bebês com aqueles aparelhos de puxar bebês e pesando os bebês e aquelas enfermeiras (todas vestidas de branco). O tempo todo.

 

André Sant’Anna é músico, escritor, dramaturgo, roteirista de cinema, televisão e publicidade. Publicou os livros Sexo, Amizade, O Paraíso é Bem Bacana, Inverdades, O Brasil é Bom e Discurso Sobre a Metástase, entre outros. Amor, editado de forma independente há 25 anos e fora de circulação há muito tempo, é o primeiro título da editora curitibana Madame Psicose.