OUTRAS PALAVRAS | Mulheres nas artes visuais: novos trajetos 07/04/2025 - 14:24
O Cândido publica, a partir desta edição, entrevistas realizadas pela equipe do jornal com as escritoras e artistas participantes das mesas temáticas do evento "Ocupação Mulheres Arquivadas" — ação em parceria do Projeto Mulheres Arquivadas e a Biblioteca Pública do Paraná — no mês de março.
A conversa "Mulheres nas artes visuais: novos trajetos" teve a presença das artistas visuais Ana Camargo, Iara Maica, Laura Ridolfi, Luísa Covolan e Tatiane Amaral, que debateram sobre ser uma artista mulher e os processos criativos de cada uma.
Ana Camargo é produtora cultural, artista têxtil, artesã e também fotógrafa. Trabalha com diferentes tipos de materiais e suporte para sua arte, que tem grande ligação com o luto e a angústia.
Quais palavras você usaria para descrever sua arte?
O meu trabalho é muito autobiográfico. Então tudo que eu produzo, que eu crio, parte de algum processo particular que eu vivo. Minha pesquisa hoje se dá em cima do luto e eu utilizo o suporte têxtil para materializar essa provocação.
Como você lida com bloqueios criativos?
É algo que faz parte do processo, é importante que ele aconteça, porque muitas vezes vêm de uma necessidade de pausa e também de mudança de caminhos. Atualmente, eu tento respirar e entender que é realmente uma oportunidade para eu me conhecer em um outro lugar e também aprender a aproveitar a pausa para descansar e respirar mesmo.
Qual a sua parte favorita do seu processo criativo?
Eu gosto muito de quando eu revisito os meus cadernos. Meu processo criativo acontece não só no suporte em que trago vida aos desenhos, mas pelo que escrevo no meu caderno que dá origem aos desenhos. Quando eu faço isso consigo olhar de outra forma sobre aquele momento que eu vivi e alcançar um pouco de paz.
Qual o principal desafio sendo artista mulher na cena curitibana?
Além da questão da perspectiva de gênero, que eu acho algo muito claro para quando você se entende como mulher dentro da sociedade, aqui você vai encarar mais dificuldades por ser uma capital extremamente conservadora. Há uma dificuldade em aceitar outras provocações para além da arte tradicional, mesmo que esse cenário esteja mudando. Outra grande dificuldade é a falta de remuneração desses artistas. Artista produzindo não falta, o que falta hoje é você conseguir viver financeiramente enquanto diverge dessa arte um pouco mais conservadora. Mas eu acho que o fortalecimento de coletivos, grupos de pesquisa e artistas tem deixado um pouco mais leve o caminho até esses objetivos.
Cite uma artista que seja uma referência no seu trabalho e explique o por quê.
A Claudia Lara, que faz uma pesquisa também autobiográfica a partir do texto. Eu tenho trocas riquíssimas com ela; aprendo, aprendi e tenho aprendido cada dia mais com ela.
Iara Maica é uma artista que trabalha principalmente com a pintura da figura humana e o corpo, voltada para o “ser mulher”. Gosta de utilizar diferentes suportes para criar um contraste com a pintura.
Quais palavras você usaria para descrever sua arte?
Eu gosto muito de contraste e, talvez, eu esteja usando a palavra errada, mas eu gosto muito de anarquia, porque a gente entende a produção da figuração como uma arte tradicional e acadêmica. Mas isso é completamente equivocado, principalmente numa era da pós-modernidade, onde está todo mundo focado em si, no próprio corpo, na própria comparação com outras pessoas.
Como você lida com bloqueios criativos?
O bloqueio criativo está ali para te provocar de uma outra maneira. Eu costumo ler muitas coisas, pedalar bastante, ir para o mato. Então eu procuro oxigenar minha cabeça para eu procurar outros prismas de entendimento, trabalhar em outras coisas e desapegar do que estava fazendo.
Qual a sua parte favorita do seu processo criativo?
Eu gosto de encontrar novas superfícies, é a parte que eu mais gosto. Tenho trabalhado com vidro, com materiais de demolição há um tempo. Então, portas, janelas, portas de guarda roupa, dar um novo significado a coisas que talvez sejam irrelevantes para uma pessoa.
Qual o principal desafio sendo artista mulher na cena curitibana?
O primeiro desafio é a resiliência, a paciência de estar vendo as mesmas coisas, as mesmas pessoas, os mesmos lugares, falando a mesma coisa. Eu acho que é um desafio de existir como artista mulher. Encontrar boas referências de mulheres para você se inspirar, porque a gente sempre se inspira nos grandes mestres como Caravaggio, Michelangelo, homens europeus, brancos, objetificando mulheres. Outro desafio também é ser levada a sério e encontrar narrativas que sejam atrativas para o outro sexo. A gente é muito vista como “arte de mulherzinha” e muitas artes que as mulheres fazem são mais voltadas à linguagem da mulher. É de onde a gente está falando, com quem a gente fala e o que a gente é, não tem como falar como um homem. Mas eu acho que é ser levada a sério e desenvolver pautas que geram empatia com outras esferas, não só a esfera do olhar da mulher.
Cite uma artista que seja uma referência no seu trabalho e explique o por quê.
Gosto muito da Érica Storer, que é daqui de Curitiba. Acho o trabalho dela fenomenal, ainda mais que sou muito interessada em política. Gosto muito do discurso, da narrativa, do trabalho dela que fala sobre pós-modernidade, capitalismo, carnificina e neoliberalismo. Acho um trabalho muito potente, principalmente pelo discurso que fala com mais pessoas, não só com uma fatia interessada em arte.
Laura Ridolfi é artista visual e trabalha com pintura. Em suas obras ela mescla a geometria com a construção de figuras a partir de fotografias e de memórias, uma união entre abstrato e figuração.
Quais palavras você usaria para descrever sua arte?
É um trabalho muito colorido, carregado de formas, mesmo que existam trabalhos que são bem mais geométricos, mais retangulares, quadrados, mas mesmo os trabalhos que são figurativos, carregados de formas e de geometrias. Talvez teria mais uma palavra que seria memória.
Como você lida com bloqueios criativos?
Bom, primeiro tem que aceitar. Tem dia que eu acho que não vai ter muito o que fazer e aí eu opto por fazer outra coisa. Vou ler, assistir um filme, sair de casa ou conversar com alguém. Acho que sair desse ambiente de trabalho para tirar um pouco da pressão e também recorrer a trabalhos antigos. Olho muitos cadernos com as coisas que eu já fiz para tentar resgatar alguma coisa.
Qual a sua parte favorita do seu processo criativo?
Acho que quando eu estou criando um trabalho novo e tem aquela surpresa, que eu estou muito animada para ver onde que isso vai dar. Eu tenho uma ideia na minha cabeça e aí todo esse processo, essa ansiedade de querer executar e ver o trabalho sendo construído.
Qual o principal desafio sendo artista mulher na cena curitibana?
Mesmo sendo uma artista mulher na cena curitibana, eu me vejo com bastante privilégios. Então eu acho que eu tenho conseguido conquistar um espaço, mas ainda sinto que existe essa insegurança de saber quais espaços podemos de fato pertencer. A gente fica esperando um convite e às vezes esse convite não vem. Então você tem que ir atrás, se fazer conhecido e nesse processo defender o próprio trabalho.
Cite uma artista que seja uma referência no seu trabalho e explique o por quê.
Gosto muito da Vivian Cacuri que, apesar de não ter uma referência direta com o meu trabalho, é uma mulher que realiza muita coisa e eu admiro muito o trabalho dela.
Luísa Covolan é artista visual com práticas na pintura, performance e no têxtil, sendo o último seu principal foco principal de trabalho. Seus temas variam muito e partem de uma exploração do material e de cor.
Quais palavras você usaria para descrever sua arte?
Textura, com certeza. As pessoas dizem que meu trabalho é “fofo" e sempre achei isso uma coisa um pouco reducionista, mas hoje eu vejo como um trabalho que é bastante acolhedor. Então, acho que textura, colorido e delicado.
Como você lida com bloqueios criativos?
Eu entendo que existem picos, momentos que você deita para dormir e vem muitas ideias na cabeça. Mas quando isso não acontece, ir para a natureza, sair de casa, se permitir esse direito poético de ser artista e poder romantizar o mundo um pouco e fazer pausas, na medida do possível. Realmente desacelerar e sair da ideia de uma escala de produção, de que tem que estar criando e fazendo na hora que vem o bloqueio.
Qual a sua parte favorita do seu processo criativo?
A parte favorita é a hora que a coisa flui. Eu sinto que o processo criativo é uma conversa com o trabalho, então você parte de uma ideia que geralmente é uma imagem que vem de um lugar interno, porque você pode ver o mundo lá fora, mas a imagem se forma na sua cabeça. Mas na hora em que você vai para a realização, o trabalho dá respostas e essa imagem que eu visualizei não é o que nasce fisicamente. Esse diálogo é a minha parte favorita.
Qual o principal desafio sendo artista mulher na cena curitibana?
Entender isso como uma profissão, colocar num lugar estruturado de trabalho. Eu acho que esse desafio de conseguir se posicionar internamente e externamente, ser firme com algumas algumas questões que, enquanto artista, você faz questão para o trabalho. Em Curitiba, eu vejo que agora está melhorando, ampliando esses espaços expositivos, para que os artistas saiam das telas para ocupar espaços físicos.
Cite uma artista que seja uma referência no seu trabalho e explique o por quê.
Ultimamente estou bem interessada numa artista que se chama Melissa Cody. Ela é uma indígena norte-americana que tem um trabalho de tapeçaria que me atrai muito.
Tatiane Amaral é artista visual. Seus trabalhos artísticos são feitos por meio da performance, fotoperformance, intervenção urbana e memória, concomitantes com as pesquisas que desenvolve sobre a prática e os espaços.
Quais palavras você usaria para descrever sua arte?
Façanha, corpo vivo em ato, experimentação, coletividade e encontros.
Como você lida com bloqueios criativos?
Recorro sistema Modo Operativo AND (M.O_AND) desenvolvido pela antropóloga Fernanda Eugênio, que é um jogo não competitivo, operando como um sistema de improvisação e “composição-com”, um estudo prático das políticas de convivência e da capacidade de auto-observação e tomada de decisão.
Qual a sua parte favorita do seu processo criativo?
A experimentação, sem dúvidas. Pensar no processo, criar um plano de ação, escrever sobre os processos é tão instigante quanto a ativação do trabalho em si.
Qual o principal desafio sendo artista mulher na cena curitibana?
O maior desafio que eu encontro hoje em dia é a escassez de trabalhos remunerados que me permitam viver da performance na cidade.
Cite uma artista que seja uma referência no seu trabalho e explique o por quê.
Lygia Clark, porque ela era movida pela arte ativa e ativante, valorizava a experimentação, o processo e a interação do público.