OUTRAS PALAVRAS | Mulheres e tradução 07/05/2025 - 13:02

O Cândido publica o especial Outras Palavras, uma série de entrevistas realizadas pela equipe do jornal com as escritoras e artistas participantes das mesas temáticas do evento "Ocupação Mulheres Arquivadas" — ação em parceria com o Projeto Mulheres Arquivadas e a Biblioteca Pública do Paraná — realizada no mês de março.

Nesta edição, a entrevista é com as tradutoras Ana Appel, Emanuela Siqueira e Helena Maia, que participaram da mesa "Mulheres e tradução".

 

Ana Appel


Ana Appel é mestranda em Estudos Literários e graduada em História. 

O que é a tradução para você?
Eu aprendi que tradução é transformar um texto estrangeiro em uma outra forma de vida e fazê-lo habitar o presente, na cultura e na língua de destino. 

Qual o maior desafio em traduzir diferentes línguas?
Depende muito do texto a ser traduzido, mas, pessoalmente, um dos desafios mais recorrentes é encontrar o tom adequado: cômico, melancólico, ácido, formal, informal e assim por diante. 

Tem algum estilo de texto/livro favorito para traduzir?
Não tenho preferência, mas acredito que deva ser muito difícil traduzir algo que eu não gostaria que fosse traduzido. 

Como é o seu processo de tradução?
É bastante circular. Faço a leitura do texto de partida e pesquisas sobre o autor e outras obras que conversam com o que estou traduzindo, principalmente se houver outras traduções da obra; no processo, quando possível, uso bons dicionários que detalham com exemplos e explicam expressões idiomáticas. Vou e volto na tradução, repensando escolhas. Revisar e trocar ideias com outros tradutores também é uma parte importante do trabalho. 

Qual o ponto de partida para traduzir fielmente expressões, ditados, o linguajar construído em um contexto específico sem prejudicar o teor original do texto?
Acho que assumir a intraduzibilidade é a primeira coisa honesta a se fazer quando falamos da tradução de qualquer gênero; digo "assumir", num sentido de "aceitar". E aceitar isso é também colocar o tradutor como um agente nessa tradução que não é imparcial; é aceitar que cada texto (original ou traduzido) é singular, com potencial para múltiplas leituras. A tradução, então, passa a ser vista com um outro olhar, certo? Acho que isso nos faz valorizar diversas traduções da mesma obra, que lidam com várias perspectivas e, a partir disso, a tradução pode se regular mais pelo que o tradutor almeja provocar com a tradução na cultura de chegada do que pela leitura fiel do original.

 

Emanuela Siqueira


Emanuela Siqueira é mestre e doutora em Estudos Literários e tradutora há nove anos. Traduziu, entre outras, as obras de Charles Bukowski (1920-1994).

O que é a tradução para você?
Venho de uma família semialfabetizada, meus pais aprenderam a ler adultos. Então, para mim, traduzir é tornar a literatura acessível, já que as pessoas não têm a obrigação de saber uma outra língua. 

Qual o maior desafio em traduzir diferentes línguas?
A língua carrega cultura, a história de um povo. O espanhol não é só o espanhol que se fala hoje, o inglês não é só o inglês que se fala nos Estados Unidos ou na Inglaterra. Então, o maior desafio é a gente compreender aquela língua, aquela cultura, e saber como vai fun­cionar na nossa, acompanhar a literatura contemporâ­nea brasileira [prestar atenção no ônibus] ver como é que estamos falando.

Tem algum estilo de texto/livro favorito para traduzir?
O que eu mais gosto mesmo de traduzir é diálogo, pelo poder de usar uma expressão específica que a gente só usa na fala. Gírias, por exemplo. Tem várias vezes que eu falo que não sei que gíria vou usar, porque é algo muito específico de uma cultura. Mas eu também gosto muito de traduzir não ficção e ensaios.

Como é o seu processo de tradução?
Eu uso a técnica “Pomodoro” para trabalhar, eu foco 45 minutos no trabalho e tenho 15 [minutos] de descanso. É ótimo porque dá para lavar roupa, sentar no chão e olhar para o teto [risos].

Qual o ponto de partida para traduzir fielmente expressões, ditados, o linguajar construído em um contexto específico sem prejudicar o teor original do texto? 
Durante muito tempo, e até hoje, as pessoas acreditam na fidelidade na tradução. E, isso é impossível, raramente têm palavras que são idênticas. Na verdade, os dicionários fazem o quê? Eles colocam algumas aproximações, mas não existe. Quando você vai entender a raiz da palavra, você fala “nossa, quantas possibilidades”. Então, existe a transcriação, que nos dá um pouco de liberdade de trazer isso para a nossa cultura. Coisa que hoje no mercado editorial a gente raramente pode fazer.

 

Helena Maia

 

Helena Maia faz mestrado em Estudos Literários e sua área de interesse principal é a poesia, além da tradução.

O que é a tradução para você?
Acho que ela pode ser muitas coisas, mas o que me interessa na tradução é produzir um texto que funcione na língua de chegada dele. Esse texto é o produto de uma relação tanto do tradutor com o texto original, quanto de uma relação entre as línguas, entre culturas e universos literários. 

Qual o maior desafio em traduzir diferentes línguas?
Ter a confiança para falar “essa aqui é a minha leitura e é por isso que está aqui assim”. Porque uma tradução é sempre uma leitura. Às vezes, falta confiança por diversos motivos para dizer “essa é a minha escolha”.

Tem algum estilo de texto/livro favorito para traduzir?
Como eu comecei na tradução há pouco tempo, não sei se eu tenho favorito ainda, talvez eventualmente eu tenha.

Como é o seu processo de tradução?
Eu não me organizo [risos]. Sou totalmente desorganizada em tudo que eu faço. Começo com uma “entrada” forte no texto, leio e releio várias vezes, leio fontes secundárias, leio sobre o autor. E é um processo de ida e vinda, a tradução convoca a prática, uma coisa vai estar alimentando a outra.

Qual o ponto de partida para traduzir fielmente expressões, ditados, o linguajar construído em um contexto específico sem prejudicar o teor original do texto? 
É uma questão difícil, porque sempre entra na questão de quanta liberdade você tem com o material. Entra na questão do próprio papel do tradutor, que traduz um texto em outra língua e não tem como ser o mesmo (idêntico). Então, de certo modo, a gente está sempre transcriando um pouco. A transcriação convoca a gente a pensar sobre o que a tradução “comum” já faz, coloca em evidência procedimentos que já estão em toda tradução.