FOTOGRAFIA | Dalton através das lentes de Nego Miranda 09/06/2025 - 10:58
Qual é a Curitiba de Dalton Trevisan, ou melhor, da literatura de Dalton Trevisan? O fotógrafo Nego Miranda impôs-se o desafio de mostrá-la. Expôs esta urbe incerta que está presente na memorabilia dos personagens deste escritor que faz da própria cidade uma personagem. Uma cidade sem tempo e sem espaço, mas com o dom da ubiquidade, que tudo sabe, vê e esconde. Uma cidade que não é da fachada, mas a dos bastidores. Ao mesmo tempo íntima e distante. Difícil e dada. Despudorada senhora da casta elite exposta a Nelsinho e seu dentinho canino de ouro.
E o poeta da luz venceu o desafio. Fugiu do relato, desviou o oficialismo, driblou o cartão postal e... criou. Eis uma Curitiba imprecisa, tremida, desfocada, escura e impiedosa. Eis uma Curitiba vazia, com seres solitários, que espia por detrás da cortina, pelo buraco da fechadura. Eis uma Curitiba que sussurra palavrões em ouvidos virgens, sem tirar o palito do canto dos dentes. Eis uma Curitiba onde em cada esquina "um Raskolnikov te saúda, a mão na machadinha sob o paletó". Eis a Curitiba, aquela que não é mais.
Luiz Cláudio de Oliveira
(Gazeta do Povo, abril de 2010)
Neto de ervateiro, Nego Miranda não herdou do avô o gosto por tomar chimarrão, mas as paisagens paranaenses, que têm sua história muito ligada ao cultivo da erva-mate, estão presentes em quase todos os seus projetos documentais. Nascido em Curitiba, em 1945, na infância também morou em Londrina e Paranaguá. No início da carreira, após concluir o curso técnico de eletrônica no Centro Federal de Educação Técnica do Paraná (hoje UTFPR), estudou Filosofia na Universidade Federal do Paraná (UFPR), mas seguiu trabalhando como técnico em eletrônica. A trabalho, viajou para o Rio de Janeiro, onde frequentou um curso de cinema no Museu de Arte Moderna, em 1969.
No final dos anos 1970, retornou a Curitiba já com essa paixão pela fotografia e, de forma autodidata, começou a trabalhar no campo da publicidade com Geraldo Magela, Paulo Leminski, Solda, entre outros. Na década seguinte, funda a ZAP, estúdio de fotografia publicitária, junto com Márcio Santos, Dico Kremer e João Urban. Até o início dos anos 2000, seguiu com Urban na Fototécnica, acompanhando as inúmeras mudanças que a fotografia viveu nesta virada do século.
Paralelamente à publicidade, Nego Miranda desenvolveu trabalhos de expressão pessoal: ensaios sobre o nu, trabalhadores, o cultivo da erva-mate, a arquitetura tradicional de madeira do Paraná, o tabaco em Cuba, os Campos Gerais, os armarinhos curitibanos, paisagens diversas por onde passou, e a “Curitiba de Dalton Trevisan”. Assim como o litoral paranaense, em especial Morretes, onde morou por dez anos. Muitos desses ensaios viraram livros, a maior parte com uma grande amiga, a jornalista e ambientalista Teresa Urban.
Foi premiado no Prêmio Fundação Conrado Wessel/São Paulo em 2011; no Prêmio Porto Seguro/São Paulo, em 2010; no 2º Salão Internacional de Fotografia em Havana, 1994; no 2º Concurso Ilford/Micro de Fotografia P&B; na Bienal de Fotografia Ecológica de Porto Alegre em 1982, entre outros.
Além de livros autorais, atuou também na área editorial com a reprodução de obras de arte, fotografia documental e breves ensaios nas revistas Gráfica, Eros, Et Cetera e Helena. Ministrou minicursos de fotografia documental nas escolas Portfólio e Centro Europeu, ambas em Curitiba. Em 2018, foi homenageado na Câmara Municipal da capital pelos seus 40 anos de atuação profissional, nas áreas da fotografia publicitária, fotojornalismo e fotografia autoral.
Faleceu em 2021 em decorrência de complicações de uma precoce demência cerebral. Completaria, portanto, 80 anos em dezembro de 2025.
leticia w. magalhães
As fotografias foram cedidas pelos detentores do Acervo Nego Miranda.