ESPECIAL | Revistas teen: sejam autênticas como ela 16/08/2024 - 17:01

por Lucas de Lima 

 

“Vocês terão que dirigir este show, portanto, quanto mais cedo começarem a pensar nisso, melhor”, dizia o editorial da primeira edição da revista Seventeen, publicada em setembro de 1944. O texto anunciava uma fase de mudanças na vida das jovens leitoras, majoritariamente brancas e de classe média, que viviam o otimismo do pós-guerra. Mas quem iria guiar todo esse entusiasmo? O editorial seguia com a resposta: “Num mundo que está mudando tão rápido e profundamente como o nosso, esperamos ser uma central de informações para as suas ideias”. Nas páginas iniciais, a revista norte-americana apresentava um novo formato, que seria replicado por outras publicações nos próximos 80 anos, inclusive no Brasil, e sugeria moldes para um novo público consumidor: as adolescentes.

Há um consenso entre as redações de jornalismo e marketing de que definir o público-alvo é um dos primeiros e mais importantes passos ao criar um novo produto. Porém, quando a revista Seventeen foi lançada, o próprio conceito de “adolescente” ainda era incerto. Os teenagers¹, palavra que vem das sílabas finais dos números entre 13 e 19 em inglês, eram pauta desde o final do século XIX. Eles ganharam mais atenção nos anos seguintes, mas eram quase sempre vistos como indivíduos rebeldes. Como escreve — em tom de deboche — o jornalista britânico Jon Savage em A criação da juventude (2007), “Os tradicionalistas da Europa sabiam o que fazer com todo esse excesso de energia pubescente. O que estes selvagens precisavam era de educação escolar baseada em esportes e em seguida o alistamento em organizações pré-militares para cadetes”.

Foi com o livro Scouting for Boys (1908), do general britânico Robert Baden-Powell, que a disciplina dos jovens por meio de atividades militares tomou forma no escotismo. Esse método educacional foi adotado por famílias de elite em diversos países, incluindo os Estados Unidos. A raiz militar do movimento levou muitos de seus membros a serem convocados para os campos de batalha nas duas Grandes Guerras, entre 1914 e 1945. Os que voltaram das trincheiras geraram uma nova leva juvenil. Eram agora a Geração Silenciosa (1928-1945) e os Baby Boomers (1946-1964), vivendo um breve otimismo após tanto horror. Era também um público-alvo para uma nova revista.

“O consumo é um dos pontos fortes de qualquer veículo de comunicação. Se você deseja lançar uma revista ou um site sobre um tema específico, os anunciantes estarão interessados em promover questões e produtos relacionados a esse universo”, explica Abonico Smith, jornalista cultural com quase 40 anos de experiência e um dos idealizadores do Caderno G da Gazeta do Povo e do Fun, suplemento cultural para jovens. Durante a transição entre a Segunda Guerra Mundial e o pós-guerra, a revista Seventeen se alinhou à geração de jovens considerada a mais rica da história americana. Particularmente, se voltou para as garotas, com idades entre 14 e 17 anos, que estavam empregadas em tempo integral, enquanto a maioria dos rapazes permanecia fora da vida pública.

1 O contexto histórico das juventudes no início do século XX descritos aqui, é um recorte focado nas classes sociais mais privilegiadas dos Estados Unidos, que posteriormente constituíram o público leitor da Seventeen. O texto não abrange a totalidade das experiências juvenis, que, em diferentes regiões, eram diversas e marcadas por profundas desigualdades.

A desconfiança sobre os mais novos ainda era uma constante, alimentada pela mídia sobre uma suposta delinquência que rodeava os jovens. “É normal do distanciamento etário. Quando adulto, você passa a ter outros interesses e outras prioridades na vida. Ao estudar a adolescência na música e no cinema, você percebe que muitas vezes há uma visão distorcida sobre os jovens”, diz Abonico. As juventudes percebiam a desconfiança e engajavam disputas por liberdade, com apoio do governo que incentivava a retórica da “Liberdade e Democracia”, reproduzida nas guerras. Gastar dinheiro nas Teen Canteens (estabelecimento popular nos anos 50, voltado para o público jovem) não era o suficiente. Foi quando Helen Valentine assinou o editorial da Seventeen que abre esta reportagem.

 

 

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Capa da edição de agosto de 1949, especial volta às aulas Imagem: Hearst Corporation

 

 

 

 

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O segundo capítulo do panfleto publicitário “Life with Teena”, com uma ilustração da personagem Imagem: Estelle Ellis Collection / Smithsonian Institution, Archives Center - NMAH

 

Exclua os adultos, dirija-se aos jovens

O nascimento da revista pioneira no segmento de periódicos para adolescentes começou quando Walter Annenberg, proprietário da Triangle Publications, uma das maiores empresas de mídia dos Estados Unidos no século XX, ofereceu a Helen Valentine, diretora de promoção da revista Mademoiselle, que também pertencia à empresa, o cargo de editora-chefe na Stardom, uma revista dedicada a críticas de filmes. Helen, porém, contrapropôs que assumiria o cargo na revista se pudesse transformá-la em uma publicação de moda para meninas do ensino médio. Stardom foi então renomeada para Seventeen. Mas, como conta Kelley Massoni, pes‐quisadora da revista que publicou o livro Fashioning Teenagers: A Cultural History of Seventeen Magazine (2012), o sucesso só viria mesmo com a contratação de Estelle Ellis, a primeira diretora promocional.

Como mencionado anteriormente, segundo Abonico Smith, os anunciantes são fundamentais para o sucesso de qualquer mídia: “O consumo é, sem dúvida, um dos pontos fortes, pois é quem financia, juntamente com as assinaturas, toda e qualquer publicação. Ninguém faz nada por diletantismo”. E com a Seventeen não foi diferente. Ellis, que na época tinha 25 anos, ficou responsável por entender os desejos desse novo público consumidor — os recém nascidos em conceito, teenagers — e convencer as empresas a apostarem no mercado adolescente. Mais tarde, como relata Massoni, Ellis disse em entrevista: “As pessoas não se apaixonam por estatísticas”, justificando a criação de Teena, a persona das meninas adolescentes consumistas dos anos 50.

Teena nasceu com 16 anos, 1,62m de altura e pesando 53kg. Era uma garota branca, de aparência saudável, que refletia tanto os valores dos jovens quanto os valores progressistas de Valentine, a editora-chefe, e os conservadores de Annenberg, proprietário da revista. Frequentava o ensino médio e sonhava em ir para a faculdade, casar-se e, depois, cuidar do lar. Todas essas características foram compiladas no panfleto publicitário “Life with Teena”, que reforçava para as empresas a suposta influência da revista Seventeen sobre as adolescentes. Começaram então a aparecer os primeiros anunciantes, ainda sem muitos critérios de seleção.

“O público consumidor das revistas, em maioria, era feminino, branco e de uma classe média alta. Eram mulheres que estavam começando a entrar no mercado de trabalho”, conta Andréa Martinelli, que é editora-chefe da revista Capricho. Quando a Seventeen passou a veicular propagandas nas páginas de moda voltadas para essas leitoras, reforçou o que João Freire Filho, doutor em Literatura Brasileira e pesquisador de consumo midiático e construção identitária, descreve como “definições culturais da feminilidade”, que refere-se à maneira como essas mulheres eram representadas: envolvidas tanto pela beleza e a moda, um papel da redação, quanto pelo que comprar para fazer parte dela, papel dos diferentes anunciantes. Na Seventeen, isso era mutável e dependia da situação financeira do periódico.

Em 1944, quando a revista ainda lutava para conquistar seus primeiros anunciantes, Estelle Ellis não era tão criteriosa quanto ao tipo de publicidade que ocupava as páginas. Em uma das primeiras edições, a Revlon, marca de cosméticos americana, apresentou seu novo esmalte “Pink Garter”. O anúncio trazia uma modelo branca, de cabelos loiros presos no alto da cabeça, com vestido decote, unhas rosadas e cavalgando em um cavalo de carrossel.

“Agora seus lábios estão tentadoramente rosa, contrastando com seu bronzeado de fim de verão”, dizia a chamada publicitária. Um ano depois, a Revlon voltou a anunciar na revista Seventeen, desta vez apresentando uma garota com um vestido que cobria o pescoço e se estendia além dos joelhos, com o cabelo preso e um chapéu. A chamada dizia: “Dramático para momentos comuns. Essas cores de esmalte e batom são fantasticamente lindas, na mulher certa e na hora certa.” Com maior estabilidade financeira, a revista começou a censurar algumas propagandas antigas de conotação sexual, adotando uma imagem mais “conservadora”, alinhada aos tons de Teena, a adolescente saudável.

 

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Anúncios da marca de cosméticos Revlon: à esquerda, na edição de 1944 ; à direita, na edição de 1945

 

 

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Anúncios da marca de cosméticos Revlon: à esquerda, na edição de 1944 ; à direita, na edição de 1945

 

 

“Se analisarmos um anúncio publicitário com uma modelo do ‘tipo ideal’ da década de 1950, ela seria considerada obesa pelos padrões atuais. Um exemplo disso é Marilyn Monroe, que hoje seria reconhecida como uma modelo plus size”, afirma Nicole Kollross, doutora em Comunicação e Linguagens e autora da tese “A construção do padrão corporal feminino e sua representação nos anúncios da revista Capricho”. Para Kollross, a mudança nos padrões de beleza ao longo dos anos reflete a influência do sistema capitalista e da indústria cultural. “Naquela época, anunciantes de leite condensado justificavam o produto pelo elevado número de calorias. No contexto do pós-guerra, com a escassez de alimentos, isso era relevante para as consumidoras”, exemplifica a especialista, destacando a relação entre beleza e o regime de exceção. Segundo ela, os anúncios de produtos conseguem agregar valor a uma visão específica da feminilidade.

 

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Capa da edição de maio de 1985, com um estilo mais alinhado ao das revistas para adolescentes atualmente Imagem: Hearst Corporation / Pinterest

 

 

No Brasil, outras páginas

Um dos aspectos mais marcantes das revistas adolescentes eram as capas, uma característica comum a todas as publicações impressas. Quando a revista Capricho foi lançada em 1952, cada capa apresentava uma fotopintura que retratava uma das cenas da fotonovela publicada na edição. Esse era o único conteúdo até então, que já se destacava de concorrentes como a revista Grande Hotel (Editora Vecchi), pois publicava a história do início ao fim, enquanto as outras dividiam uma única narrativa em diferentes edições. Quatro anos após seu lançamento, ela conquistou a maior tiragem de uma revista da América Latina, com mais de 500 mil exemplares, segundo dados de 2006 fornecidos pelo Departamento de Atendimento ao Leitor da Capricho. Como conta Martinelli, a atual editora-chefe: “Naquela época, a Capricho não era para mulheres jovens e sim adultas. Isso foi mudando ao longo do tempo”. Até ela adotar o slogan “A revista da gatinha”, em 1982, bem mais próxima da pioneira Seventeen, com conteúdos de moda, beleza, estética, saúde, comportamento sexual e vida amorosa. As capas também adotaram um estilo próximo da concorrente norte-americana.

 

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Capa da edição nº 113 da Capricho, a “Revista Mensal da Mulher Moderna” Imagem: Editora Abril

 

“Existe uma ideia amplamente equivocada no universo da comunicação, especialmente na publicidade, de que ao usar um homem ou uma mulher branca como personagem, a mensagem alcança a todos, e de que, entretanto, quando se coloca um perfil mais diverso, a mensagem é recebida só por determinado grupo. Se olharmos para as capas de revista, vemos esse espelhamento também”, explica Andréa. Na Seventeen, por exemplo, uma mulher negra, Joyce Walker-Joseph, só apareceu na capa em 1972, quase trinta anos após o lançamento da revista. Considerando as abordagens de João Freire Filho sobre as “definições culturais da feminilidade” que as revistas impõem por meio do consumo, a falta de diversidade nas capas reflete o desinteresse das marcas em criar produtos para esses determinados grupos. “Há muitas variáveis. Por exemplo, algumas revistas têm uma tendência mais tradicionalista, enquanto outras seguem uma linha neoliberal, em que a construção da subjetividade do ser humano depende do quanto ele consome ou deixa de consumir”, complementa Kollross.

Nos anos 2000, a internet abriu novas portas para a revista Capricho, que continuou refletindo as mudanças culturais da época. As capas agora destacavam a figura da “it girl”, as jovens que, mesmo sem intenção, ditavam tendências e despertavam o interesse do público por seus comportamentos. Geralmente, essas figuras eram personalidades conhecidas da cultura pop e do mundo do entretenimento, como a cantora Sandy, Avril Lavigne, Kristen Stewart, Justin Bieber, a banda Restart, entre muitos outros. Chamadas como “O que passa na cabeça deles?”, “Qual o look certo para conquistar?” e “Superdicas para murchar a barriguinha” deram continuidade ao formato adotado desde os anos 80 — ou até antes, com a Seventeen e outras revistas similares. Com o avanço da internet e o crescimento das pautas identitárias, algumas dessas abordagens começaram a ser questionadas. “É engraçado notar essa trajetória. Nos anos 80 e 90, a Capricho foi muito mais progressista do que nos anos 2000. Nós acabamos espelhando muito o que estava acontecendo na internet”, relata a editora-chefe da revista.

Se antes as revistas promoviam a imagem de uma adolescente branca, heterossexual, virgem, pura e de classe média, tanto para as jovens quanto para os anunciantes, hoje elas buscam se afastar dessa visão. Em abril de 2024, a Capricho trouxe na capa da edição web a drag queen Pabllo Vittar, com a chamada: “Pabllo Vittar é a it girl do futuro que queremos”. Uma abordagem bem mais próxima das pautas identitárias atuais. Segundo Martinelli, “A Capricho quer refletir uma pessoa real, sem transformar ninguém em algo específico. A ideia é trazer o que está acontecendo na prática, e não construir uma imagem única”. Essa visão também resgata elementos das edições dos anos 90, como quando Luana Piovani estampou uma das capas segurando uma camisinha e alertando os adolescentes sobre os riscos de contrair Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs). “Naquela época, uma menina de 17 anos dizendo que tinha uma vida sexual ativa e que queria se proteger foi um posicionamento revolucionário”, relembra a jornalista. E ela ainda conclui: “Hoje, qualquer pessoa pode ser a garota Capricho”.