Conto | Lucas Litrento 30/07/2021 - 12:53

Almir Games


Lucas Litrento
 

Cinco minutos pra começar a primeira partida e nada do JP, como é que ele fura com a gente logo hoje, na vera? Né isso, pô. Deve tá vindo. Sei não, nunca demora... Binho, tu não mora na rua dele? Vi não, pô. Logo hoje, no dia do campeonato. Moro, mas me liguei não, vim correndo. Bora aquecer, bora aquecer, dá pra esperar não. Cuida nesse treino. Me dá um copo d’água aí, chefe. Chega aí, Cleitin. É, olha a grama verdinha. Só pra aquecer músculo, viu?

Eu não sei onde essa história começa.

Uma fila de cones.                   Iluminados pelo sol porque ainda é cedo pra refletores. Entra em campo o time dividido: os de colete branco e os de colete laranja. Quase ninguém vê. Tem som de pássaros ao fundo. Desse jeito parece maior, mas também sabem que é coisa do sono, passa com o suor. Tem uma neblina tipo assim meio indefinida. Não é bem neblina mas é, tá lá pixelada. O estádio é enorme, fica em Barcelona. A imagem processa tudo que é quadrado em curva suave. No monitor ao lado, fogem da polícia.

Dez minutos de treino? A polícia chegou no Papagaio e ele “Se fo-deu”. Esse treino é muito chato e ainda não chegou a minha vez, na verdade eu nem vou treinar então olho o jogo do Papagaio. Muito amarelo, faz sol que nem aqui e as bikes que nem as daqui, maguinhas, e os pivete sem camisa que nem nóis. Ô, papagaio tu não quer apostar não que eu corro assim que nem esse teu CJ aí? Se eu sair é só descer a esquina devagar pros ratinho do Divino não correr atrás, aí depois… Pé na tábua, chego no terminal sem parar. Deixa quieto, você nunca dá moral. Não dá pra ouvir muita coisa, todo mundo fala ao mesmo tempo e isso aqui parece a fila da merenda, do interclasses. O Almir continua escrevendo no seu caderno da Hot Wheels, será que nessa história a gente tem essa coragem de peitar a polícia, de fazer gol no Maraca, de ser goleiro e montar dinossauro? Será que a gente consegue correr assim numa manhã toda? Se ele colocar no papel vai ser bom, a gente lê e não esquece. Agora o CJ tá voltando a viver... oxe é o JP do lado dele?

Tão falando do JP mas ele ainda não chegou. O espaço aqui é pequeno, ficam bem juntos e quase todo dia é assim, casa comum. Um dos principais jogadores, JP. Sua falta foi sentida desde às 9h (do aquecimento). Não é o primeiro que atrasa, que atrasa de vez, mas quem sabe?

JP não é mais jogador do Barcelona, tá dando rolê com CJ, de bike. Não importa a quantidade de viaturas atrás, eles sempre acordam no mesmo pátio e todo mundo sabe que eles tão lá, a meio segundo do próximo corre.

Ô Almir, vem cá, véi! Todo mundo fica agitado, o Almir termina rápido de escrever e vem, coloca até os óculos. Sim, é ele mesmo. Todo mundo grita, chama, mas ele não vira, olha pra frente e a frente são os carros que ele vai roubar e as ruas que ele vai correr da polícia. É o que ele faz. Até que dá uma olhada, acho que sim, ele olha pra gente e do nada tá no treino, usando colete laranja. E começa a fugir dos zagueiros enormes do Barcelona, os segundos, terceiros zagueiros, ele corta todo mundo e marca no ângulo. JP comemora no meio do treino, tá até mais alto, olha pra gente de novo.

 

Lucas Litrento é poeta, contista, produtor cultural e jornalista. Natural de Maceió (AL), venceu os prêmios literários Malê e Delfos. Publicou os livros Os Meninos Iam Preto Porque Iam (poemas, 2019) e TXOW (contos, 2020).