CRÔNICA | Coppola é a favor da escala 6x1 18/12/2024 - 11:49

por Carlitos Marinho

 

A notícia cai como uma bomba: Francis Ford Coppola volta para Curitiba mais de 20 anos depois e vai dar uma masterclass no Teatro Guaíra; ingressos esgotados em meia hora. A pressa e a ansiedade dos estudantes do curso de Cinema da Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) formaram uma longa fila que começou na rua Conselheiro Laurindo, passou pela rua Amintas de Barros e terminou na rua Tibagi.

Lista esgotada? Que nada. A maioria dos que entraram nem estavam na lista. Como dizer não para u­ma multidão de jovens estudantes com o olhar mendi­cante igual ao gato de botas do Shrek? Talvez não tão suplicantes assim, quem sabe radiantes, como vários mi­nions prontos para entrar num parque de diversões en­quanto aguardam ansiosamente o seu Gru. Fica aí a possível comparação com qualquer outro personagem que estudantes de cinema prontamente desdenhariam.

Após horas na fila, os portões abriram às 10h30 e a plateia lotou os assentos em dez minutos. No entanto, para aflição do público já em polvorosa, o evento que estava marcado para iniciar às 11h, atrasou para 11h30. Isso porque Coppola quis ver as estações tubo, momento que foi registrado pelo fotógrafo Anderson Tozato.

 

Coppola
Foto: Anderson Tozato

 

 

Coppola
Foto: Anderson Tozato

 

 

 

“Os seguranças dele não queriam me deixar tirar foto. Eu respondi que a rua era pública”, disse Kraw Pe­nas, lendário fotógrafo do circuito curitibano, que também tentava capturar o semblante impaciente do cine­asta. Enquanto Coppola passeava pela cinzenta rua Jar­dim Leonor Twardowski e sentia o característico odor de urina do Centro, a dupla Luiz Gustavo Vilela Teixeira, assessor da PrFilm Comission, e a Denize Araújo, coordenadora do curso de Cinema da Universidade Tuiuti, enrolavam o público com maestria.

Como uma biruta, o vento soprou e Coppola decidiu atravessar a rua e ir para o Teatro Guaíra, afinal, 1200 pessoas roíam as unhas do pé enquanto o aguardavam. Se ele chegasse um pouco mais cedo, provavelmente teria trombado com Letícia Sabatella, que pe­rambulava como um morcego pela coxia, com sua car­tola, óculos escuros e um longo sobretudo preto.

Pés e bengala no chão, o diretor caminhou para o palco depressa, sem conversar com ninguém, com muita elegância e uma indiferença felina. A figura mística então deu as caras, a multidão se levantou e o aplaudiu com duração digna de sessão em Cannes.

 

Coppola
Foto: Anderson Tozato

 

 

MASTERCLASS, ou simplesmente “aula”*para ti que não fala inglês…


O seu figurino não era para menos, o terno era azul claro, meias nas cores verde e azul, gravata estampada com o mapa de Napa Valley, condado da Califórnia, onde Coppola tem uma vinícula. “Ainda é ‘bom dia’ ou ‘bom dia’ já passou?”, disse o diretor no início de sua fala, que foi logo interrompida por uma desastrosa tentativa insistente de homenageá-lo com alguns penduricalhos. Ele respondeu com um: “Eu não quero nenhuma homenagem. Vim para ter uma conversa de estudante para estudante. Neste mundo, não precisamos fazer aquilo que nos mandam”. Seguiu com aplausos.

Numa contação de história direta e reta, a partir de um artigo de Orson Welles (1915-1985), o cineasta explicou que o cinema e o teatro têm dois componentes em comum: a escrita e a interpretação. De acordo com o artigo, o indivíduo pode aprender tudo o que precisa para fazer um filme em um fim de semana, exceto interpretar ou escrever. Segundo o diretor, quando ele era jovem e aspirante à roteirista e dramaturgo, odiava tudo o que escrevia.

Para escrever ou interpretar bem, de acordo com Coppola, a escala 6x1 é necessária. Melhor que isso, só a 7x0. Para ele, o ideal é escrever de seis a sete dias por semana. É bom ter um horário específico também. Pode ser pela manhã enquanto ninguém está acordado. Ou tarde da noite. Pode ser enquanto toma um café, ou mesmo uma cachaça — na voz do cineasta. 

Coppola disse que gosta de escrever bem cedo, quando não tem ninguém para machucar seus sentimentos. Se os sentimentos dele estiverem machucados, nada consegue fazer. O segredo, segundo ele, é que quando se escreve, o sangue secreta uma enzima que faz você odiar o que produziu. Portanto, se você definir como meta escrever seis páginas por dia, escreva-as, coloque-as de lado e não as releia. Isso vai fazer com que você se sinta bem em ter completado as seis etapas do dia. 

No outro dia, faça mais seis, e outras seis, vá acumulando até chegar a conclusão preliminar com umas 100 páginas. Para o cineasta, a razão de você não ler o que escreve é porque se você lesse, fatalmente odiaria, e começaria a reescrever. Portanto, nunca chegaria às próximas 12 páginas. Então, depois de escrever as 100 primeiras páginas, leia como um todo e descubra que a história irá começar, quem sabe, na página 20. Com isso, pode descobrir que aquelas primeiras seis páginas podem ser descartadas e, assim, começar de onde achar que é o início.

O mesmo vale para os personagens. Se em algum momento você quiser mudar o gênero do personagem principal ou secundário, não é necessário voltar ao início para mudar em todos os trechos em que ele ou ela aparecem. Pode ser até que o personagem não vire u­ma outra pessoa, mas um pássaro em uma gaiola, por exemplo. Seja o que você quiser mudar, não volte ao início, sempre vá em frente, explicou Coppola.

Em síntese, faça um rascunho sem voltar para trás. Quando tiver a ideia completa, será mais fácil saber onde alterar. Coppola disse que, é necessário fazer várias versões deste todo, pois ele não é bom em acertar de primeira. Segundo o cineasta, se a cada vez que você reescrever o roteiro e melhorá-lo em 1%, então, ao reescrever 100 vezes, ele ficará 100% melhor — é como o Coppola faz. 

A segunda dica ele aprendeu com o diretor sérvio Dušan Makavejev (1932 – 2019): decida qual é a melhor coisa que escreveu, aquilo que mais gosta. Qual a segunda melhor? E a terceira? Então, pegue a melhor e coloque no final do roteiro. A segunda, coloque no início. A última no meio. De acordo com Coppola, você quer que o melhor esteja no final porque é o que as pessoas vão comentar. Se for o melhor momento do filme, você terá sorte.

 

Coppola
Foto: Anderson Tozato

 

Contudo, isto são apenas dicas, e não regras. Para Coppola, o cinema e a crítica estão repletos de regras. Ele faz a comparação com a culinária, em que os filmes estão padronizados assim como comida de fast food. Para ele, não se assumem mais riscos. São negócios. Ninguém quer assumir riscos porque as empresas não querem investir e perder dinheiro. Não se pode fazer arte sem risco, assim como não se pode fazer filhos sem sexo, disse. 

No momento final da aula, foi aberto espaço para perguntas do público, que suavam frio, loucos para terem a oportunidade de serem escutados e vistos por aquela figura transcendental. Para conseguirem tal feito, por brincadeira ou por uma autoestima invejável, alguns estudantes ergueram cartazes pedindo coisas como “Coppola financia o meu filme”, ou, “Coppola venha visitar o meu set”, como se estivessem em um pitching do “Shark Tank” ou numa palestra coach do Pablo Marçal. Estes não foram atendidos.

Após a masterclass, Francis Ford Coppola andou pela rua XV de Novembro e seguiu para um almoço no Palácio Iguaçu com o governador do Paraná, Ratinho Júnior. Depois, passou pelo Farol do Saber, Instituto Jaime Lerner e Cine Passeio, como vários jornais noticiaram. Outra coisa que sabemos é que Coppola foi per­tur­­bado com vários outros penduricalhos e,  provavel­mente, também faltou à sua escala 7x0. A tarefa foi tão extenuante que ele foi embora no seu jatinho no mesmo dia. Dizem que a gente nunca deve voltar no mesmo lugar onde já foi feliz. Sorte a nossa que fomos feli­zes pela primeira vez. Para ele, melhor escrever mais outras seis páginas.

 

Carlitos Marinho (1997) nasceu em Mariluz, no Paraná. É jornalista na Secretaria de Estado da Cultura do Paraná e pesquisa Gestão Cultural no Programa de Pós-Graduação da Unespar.