CRÍTICA DE ARTE | Sintonia Particular: Miguel Bakun e a Visualidade Moderna 05/05/2025 - 10:02
Miguel Bakun (1909-1963) nasceu em Mallet, no Paraná, de descendência ucraniana. Entra para a Marinha na adolescência, onde conhece o marinheiro e posteriormente artista José Pancetti. Em 1931, vai para Curitiba e dedica-se às artes visuais como autodidata. Vive intensamente o ambiente artístico da cidade, expondo em galerias, museus e salões de arte.
Considerado um dos pioneiros da arte moderna no Paraná, sua obra possui uma percepção muito sensível da natureza, tendo como principais temas as matas, pinheiros, árvores em floração, lagos e afins, regiões suburbanas e as vistas da cidade.
Em março, foi lançado o livro Miguel Bakun: O Olhar de uma Coleção, com quase 200 páginas sobre a vida e obra do artista, e textos de Adolfo Montejo Navas, Eliane Prolik, Ronaldo Brito e Walter Gonçalves, que oferecem uma leitura atualizada sobre a trajetória do artista. A publicação deu origem à exposição homônima no Museu Oscar Niemeyer (MON), com curadoria da artista Eliane Prolik, que reúne aproximadamente 60 obras, muitas inéditas.
Nesta edição, o Cândido publica um ensaio crítico assinado pelo pesquisador, curador e crítico de arte Bruno Marcelino, que propõe uma análise entre a pintura e a fotografia de Bakun, estabelecendo uma linha de raciocínio que diz que "a invenção da fotografia é inseparável da história da pintura e a invenção de cada um destes aspectos ditos fotográficos pode ser atribuí‐ da a pesquisas pictóricas".
Sintonia Particular: Miguel Bakun e a Visualidade Moderna
Por Bruno Marcelino
A recente exposição Miguel Bakun: o Olhar de uma Coleção, no Museu Oscar Niemeyer (MON), apresenta um recorte da produção do pintor, partindo da abrangente e diversa coleção de Walter Gonçalves. A curadoria de Eliane Prolik deixa saliente a envergadura poética do artista, espalmada por distintas fases, gêneros, pinturas, desenhos e fotografia. Fotografia no singular, porque a exposição contém uma única imagem fotográfica cuja autoria é atribuída a Bakun. A ampliação mostra um navio atracado no porto de Paranaguá e é apresentada ao lado da pintura Cais do porto de Paranaguá, atualmente no acervo do MON. A possível relação entre a fotografia e as pinturas de Bakun já havia sido apontada anteriormente pela curadora e artista, no seu texto para o catálogo da exposição Natureza do Destino.
Bakun conserva uma câmera fotográfica até o final da sua vida e trabalha como fotógrafo ambulante em Curitiba, na década de 1930. Esse trabalho inicial é breve e não conhecemos muitas imagens fotográficas de sua autoria, mas ainda assim, alguns atributos confluem em sua obra e nos permitem entreter a relação entre a pintura de Bakun e a fotografia. No contexto de sua época, a fotografia não tinha estatuto de arte, mas foi uma linguagem que, junto com o cinema, produziu uma nova cultura visual moderna, de onde por exemplo, a pintura europeia impressionista absorveu diversas propriedades relacionadas a um olhar técnico, fragmentado, planar e bidimensional, em parte derivado da arguta imagem fotográfica.
As pinturas de Bakun também apresentam aspectos fotográficos. Para começar, as suas telas são organizadas mediante tensionamento inteligente do centro pelas bordas. Em um caso específico, o artista figura um pinheiro ligeiramente deslocado para esquerda associado a cerca horizontal que cruza a superfície do quadro, como reafirmação do limite, obstáculo da visão e redução da profundidade da imagem. Já em uma pequena pintura Sem título – comparável a um detalhe ampliado da fotografia de Arthur Wischral – a econômica paleta de Bakun se reduz a uma lógica tonal, à variação dentro de uma estreita faixa cromática, entre ocres e cinzas esverdeados, restando apenas o micro contraste de quentes e frios, claros e escuros. Em outra pintura, Na clareira, o ponto de vista é oblíquo, direcionado ao chão, enquanto alguns dos seus desenhos mostram um recorte de uma paisagem que parece fracionada. Às vezes suas pinturas e desenhos são indefinidos em algumas áreas, ou de modo geral, e o plano se converte em uma membrana elusiva.
Todavia, a invenção da fotografia é inseparável da história da pintura e a invenção de cada um destes aspectos ditos fotográficos pode ser atribuída a pesquisas pictóricas. A fotografia apenas instituiu um contrato entre tais características e um substrato técnico específico. Não obstante, como sustentou Annateresa Fabris, a fotografia é crucial na modernidade não exatamente pelas novidades que introduz na estrutura da imagem, mas como emblema de um contexto um social e artístico onde os valores se deslocam para o mundo comum, para o fragmento não ordenado, e onde os aspectos contingentes da percepção se tornam fonte de originalidade e "autenticidade artística e moral". Em suma, a fotografia cristaliza noções modernas de mundo e de sujeito.
Se a pintura de Miguel Bakun é comparável à fotografia, deve ser porque ambas são manifestações modernas da visualidade. A comparação não explica ou reduz o trabalho de Bakun: situa a sua obra como um dos mais particulares e sintonizados testemunhos da modernidade brasileira.
Bruno Marcelino é artista, curador e pesquisador. Doutorando e Mestre em Artes pela UNESP (2021) e Bacharel em Artes pela UFPR (2008). Foi curador da mostra “Carne Viva", além de ter escrito textos críticos sobre a produção de Mario Rubinski, Fernando Burjato, Fernanda Gomes, entre outros.