Brevíssima história das publicações literárias do Paraná 21/11/2019 - 13:20

O escritor e professor Miguel Sanches Neto faz um mapeamento dos mais importantes periódicos de literatura do Paraná — do século XIX até os dias de hoje


O que marca a boa literatura paranaense é ser incaracterística, por uma presença tímida do elemento local que deu feição a outras produções regionais. O que poderia ser uma fraqueza é uma força, pois livrou os escritores do compromisso sociológico, mesmo em livros em que o Paraná ganha corpo, pois o espaço funciona como locação de textos e não como credo identitário. A tensão entre o local e o universal não foi forte no início de nossa produção, que, enquanto sistema, surge depois do Romantismo — período de nosso primeiro jornal literário: O Jasmim (1857). Tivemos apenas uma grande escritora romântica, Júlia da Costa (1844-1911), que escreveu no exílio da ilha de São Francisco do Sul, tomada pela demência nos últimos anos de vida. 

O Paraná moderno, com suas instituições e mitologias, nasce com o Simbolismo, na virada do século XIX para o XX. Corrente de natureza mística e abstracionista, o Simbolismo cria uma gramática estrangeira, fundando uma fachada urbana e metafórica que destoa de seu entorno rural. Enquanto literatura, Curitiba se quer, nestes anos, como uma vila europeia, com os dramas de alma velha, embora fôssemos uma região nova.

Realismo, Naturalismo e Pré-modernismo cedem espaço a uma geração em que o símbolo se sobrepõe às araucárias (elemento da identidade local), para me valer do título das memórias de Andrade Muricy (1895-1984) — O Símbolo à Sombra das Araucárias. Como o Simbolismo é marginal em relação aos campos de poder literário no país, ele depende da criação de um conjunto de revistas, que se constitui em nossa primeira rede de expressão. Em conexão direta com o movimento simbolista europeu, os nossos escritores fundam uma ilha de arte, com um senso cênico muito definido. Prédios que reproduziam valores culturais neoclássicos surgem na cidade, como o famoso Templo das Musas, na Vila Izabel. Este mesmo desejo europeizante está nas revistas simbolistas que promovem a circulação não apenas da produção do Paraná. Os escritores passarão a publicar em vários veículos, o que torna Curitiba o centro da efervescência simbolista. Ao menos duas são de grande importância. A revista Club Curitibano (1890-1900), que mantém uma longevidade fundamental para os autores; e a Galeria Ilustrada (1888-1889), que publica nomes daqui e de fora, em um espírito aberto para os irmãos de alma — saíram nela as Canções Sem Metro, de Raul Pompéia, ilustradas pelo próprio autor. É preciso destacar ainda as revistas O Sapo (1890), A Arte (1895), Galáxia (1897), Pallium (1898), Turris Eburnea (1900), Breviário (1900), Victrix (1902) e Stellario (1905). Pelas datas, é possível perceber que a Club Curitibano funciona como uma espécie de parêntese temporal deste ideário. Depois, as publicações se descaracterizam, trazendo outras preocupações. Uma observação que se pode fazer é que os títulos remetem ao isolamento, ao mistério, às línguas clássicas, em um apagamento do local. Mesmo quando a revista O Sapo aponta para o apelido do curitibano — por suas várzeas, Curitiba era tida como a Sapolândia —, há que se lembrar que este anfíbio faz parte do imaginário místico-simbolista, e figura como imagem do ser de dois mundos.

As revistas garantem uma produção e uma busca de público aristocrático na cidade que estava se urbanizando com a chegada da estrada de ferro e com a industrialização. Serve também para forjar uma linguagem universal, fazendo grandes autores nacionais e internacionais passarem por nossa capital, que se torna o centro de um movimento periférico de origem francesa e belga, que encontra entre os paranaenses verdadeiros embaixadores.

Agremiações mutantes, originários do grupo da Cenáculo (1895-1897), tais periódicos têm um papel preparatório de institucionalização das letras aqui. Em 1912, se dá a criação do Centro de Letras do Paraná e, pouco mais de uma década depois, em 16 de março de 1923, da Academia de Letras do Paraná. Enquanto o Brasil vivia a irreverência da Semana de Arte Moderna, com os desdobramentos antiacadêmicos, o Paraná fortalece estéticas já passadistas. Se o simbolismo nos atualizara com movimentos nacionais e europeus, o tempo agora era de sedimentação. O fluxo vivo das revistas dá lugar à rotina acadêmica. 

No plano das publicações, a continuidade deste grupo espiritualista acontece com a fundação da revista Fanal no mesmo ano em que sai o melhor livro de Emiliano Perneta, Ilusão, um museu vivo do simbolismo paranaense. Fanal (1911-1913) tem à frente, entre outros, Tasso da Silveira (1895-1968), e defende a atualização do verbo como mistério. Este poeta, que se muda para o Rio, participa da criação da revista Festa em 1927, aproveitando antigos companheiros. Assim, o programa da revista carioca Festa é um desdobramento das publicações simbolistas e uma interferência direta de escritores paranaenses, que exercem uma força antimaterialista e antinacionalista dentro do Modernismo brasileiro.

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Movimento paranista
Este Modernismo mais militante, entre nós, foi qualitativamente acanhado e vai encontrar espaço na revista Ilustração Paranaense, lançada em novembro de 1927 pelo jornalista e fotógrafo João Baptista Groff (1897-1970), e que, com uma interrupção de dois anos, circulou até fevereiro de 1933. O periódico era um reduto do movimento paranista (ideologia identitária das décadas de 1920 e 30), de valorização dos símbolos do estado. A capa, de autoria de João Turin (1878-1949), representava o homem novo paranaense com um pinheiro em meio aos pinheirais. E o intelectual mais identificado à publicação, o historiador Romário Martins (1874-1948), líder desta corrente, é o autor das bandeiras e dos brasões do estado e da capital. O Modernismo entre nós é tragado por esta onda provinciana, aparece em meio a textos dos remanescentes do Simbolismo, sem feição própria. O adjetivo no título Ilustração Paranaense se sobrepunha ao substantivo. Esta mesma concepção moverá a revista Prata da Casa (cujo nome diz tudo), em um apequenamento da produção local, e que funciona como espaço de projeção de nossos futuristas, com seus textos em que preponderam a blague, a valorização do cotidiano industrial, o Brasil segundo o Paraná. Do período, salvam-se apenas um poeta interrompido pela política, Brasil Pinheiro Machado (1907-1997), com seus poemas sobre a Ponta Grossa russo-polaca, e o contista Newton Sampaio (1913-1938), autor de Irmandade (1938), radicado no Rio. Mas é nesta quadra que se tenta formar um público para a ficção, com a iniciativa da Novela Mensal e depois da Novela Paranaense, com edições de livros focados em nossa geografia urbana, projetos em consonância com o planos do editor De Plácido e Silva (1892- 1963), fundador do jornal Gazeta do Povo, que na década de 1940 lançará a Editora Guaíra, nossa casa editorial mais sólida, com uma publicação mais de caráter social, a Revista da Guaíra, na qual escreviam Dalton Trevisan, Rubem Braga e Rachel de Queiroz, entre tantos outros. 

O Modernismo mais escandaloso e epidérmico não chega a constituir um fato literário. Assim, o cenário dos anos 1940 continua dominado pelos epígonos dos movimentos anteriores. O saneamento artístico da província ainda estava por ser feito, e caberia a um nome-chave: Dalton Trevisan. Ele começa publicando uma revista ginasial, sob a influência de Rodrigo Júnior, guru liricamente passadista — Tingui (1943). Será, no entanto, com a revista Joaquim (1946-1948) que Curitiba entrará definitivamente no mapa literário do Brasil. A publicação começa se opondo ao ambiente tacanho da cidade e se torna o grande centro jovem de contraponto ao lirismo convencional da Geração de 1945. Agora, os autores e os artistas buscam ver Curitiba como uma cidade contemporânea, irmã de Tóquio, Paris ou Nova York. Esta atualização da arte reverbera Brasil afora, fazendo surgir uma quantidade imensa de revistas jovens, que queriam retomar o espírito combativo dos anos 1920, amortecido àquela altura, por uma literatura influenciada pelo espiritualismo de extração paranaense.

Enfim modernidade
A revista Joaquim revolucionou graficamente, estampando trabalhos de grandes artistas, como Di Cavalcanti, Portinari, Heitor dos Prazeres e Poty. O Paraná era enfim modernidade. Era espírito destrutivo em uma tradição de arte comportada e localista. A primeira grande polêmica é curitibana. Dalton escreve o manifesto “Emiliano, Poeta Medíocre”, em uma negação de nosso maior nome até então. Depois, surgem novas negações: de Monteiro Lobato, de António Boto, etc. A existência da revista é curta. Valendo-se de representantes informais em cada província, ela recebia deles uma remessa de colaborações de baixa qualidade que poderia torná-la apenas mais um órgão de manutenção literária. Prefere a interrupção a abrir mão de seu estilo iconoclasta. Por isso é o momento mais alto da literatura produzida no Paraná.

Se, até meados dos anos 1950, domina a cena mundana a Revista da Guaíra, que consolida Curitiba como um centro editorial importante, algo que vinha em consolidação desde o final do século XIX, o momento de mudança acontece a partir da década de 1970, com a explosão das edições marginais, os famosos jornais nanicos, e também com a modernização do jornalismo comercial. Surge em Londrina o Panorama, de Paulo Pimentel, com jornalistas de renome nacional, entre eles o contista João Antônio. Em Curitiba, o Estado do Paraná, do mesmo proprietário, cria o suplemento cultural Almanaque, dirigido pela jornalista Adélia Maria Lopes. E o Diário do Paraná, sob a batuta revitalizadora do poeta experimental Reynaldo Jardim, lança o suplemento Anexo, com Marilú Silveira à frente. Os jornais diários recebem um investimento nos espaços culturais, em uma demonstração de que a cultura é um produto consumido pela geração sob a ditadura. A partir deste momento, a preocupação estética das revistas literárias é introduzida no jornalismo diário, em uma reforma visual, empreendida, entre nós, por Reynaldo Jardim, que chegou à cidade para ficar uns meses e morou aqui por anos, dinamizando a cena curitibana junto aos nossos produtores, tanto da literatura quanto das artes gráficas e da música. Curitiba se torna novamente uma capital cultural e prepara o seu outro grande nome, o poeta Paulo Leminski (1944-1989), centro desta trupe, seu motor mais potente, um escritor que faz a ponte entre o popular e o erudito, entre a poesia marginal e a concreta.

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É Reynaldo, junto com Marilú, quem efetiva a proposta mais emblemática da década. O Polo Cultural (1978), uma publicação totalmente artística, que tenta cooptar o poder público e o empresariado, mas que circula de forma independente. O título do empreendimento já revela a sua orientação: fortalecer Curitiba como um centro nacional de artes, dada a natureza pulsante da vida comunitária. O semanário dura 34 meses, o suficiente para destacar a cultura como fator de melhoria social, da classe universitária à trabalhadora. Publicaram em suas páginas, além de muitos outros, Paulo Leminski, Alice Ruiz, Roberto Gomes e Gilberto Gil. Os olhos da cultura nacional se voltaram novamente para o Paraná moderno, uma capital que se apresenta como intelectual, dirigida por um prefeito vinculado às artes, o arquiteto Jaime Lerner. É o momento de assunção social das etnias periféricas, como os dois poloneses aqui citados, o poeta e o prefeito. E esta mudança de origem de classe se os compararmos a Dalton Trevisan, filho de industrial bem estabelecido na cidade — foi a empresa paterna (Fábricas João Evaristo Trevisan) uma das patrocinadoras da revista Joaquim.

O momento que se segue a estas inovações editoriais de caráter empresarial (reforma dos jornais, Panorama e Polo Cultural) e as de natureza marginal (as inúmeras e efêmeras publicações nanicas) é o da oficialização de um formato híbrido. Entre a diagramação caprichada dos projetos em que se envolveu Reynaldo Jardim, que se muda de Curitiba, e o relaxo das publicações marginais, marcadas pela irreverência do ruído, nasce outra publicação emblemática — o Nicolau, que terá 55 edições na sua formação original, sob o comando do escritor Wilson Bueno (1949-2010) — de julho de 1987 a outubro de 1994. Seguindo o modelo criado por Dalton Trevisan de usar um substantivo próprio como título, o jornal da Secretaria de Estado de Cultura é uma mistura de elementos da imprensa cultural moderna do Paraná e presta homenagem às origens eslavas do estado. 

Nicolau mantém a ideia de um caderno heterogêneo, que vai dos quadrinhos à filosofia, da história à fotografia, em uma diagramação ousada, não raro polêmica. O formato tabloide também o liga diretamente à Joaquim, da qual herda ainda o projeto de fazer o mundo contemporâneo passar por suas páginas. É o momento de consolidação da geração dos anos 1970, com Leminski à frente, e também de resgate histórico da poeta-elo (veio do espiritualismo e chegou à modernidade), de origem ucraniana, Helena Kolody (1912-2004), que se torna a patronesse da publicação. Todos participam destas páginas, em uma festa da cultura paranaense. É um momento de grande entusiasmo criativo, capitaneado pelo poder público.

O movimento seguinte será de modernização do jornal mais longevo e tradicional do Paraná, a Gazeta do Povo. Sob a coordenação de Ana Amélia Filizola, surge uma página de cultura que, a partir de março de 1992, vai ser chamada de Cultura G, e profissionaliza a cobertura das manifestações artísticas e intelectuais. Dalton Trevisan publica textos inéditos neste novo espaço, Valêncio Xavier (1933-2008), da geração dos anos 1970, é contratado como colaborador e José Carlos Fernandes se torna o jornalista mais identificado à publicação, que em julho de 1994 passa a se chamar Caderno G, chegando a ser a maior editoria da Gazeta, com 50 páginas semanais. 

É neste espírito de independência que nasce, em abril de 2000, o jornal literário Rascunho, comandado por Rogério Pereira, colocando em cena uma juventude que nega os excessos de experimentações literárias e gráficas das gerações anteriores. Jornal inicialmente em tamanho standard, com pouca ilustração, com textões, e que não perdoa os grandes nomes da literatura nacional, o Rascunho causou furor nos primeiros anos de existência, logo assumindo uma linha editorial mais suave, de divulgação digestiva de livros e não mais de crítica impiedosa. O jornal convoca novos autores, e seu foco é a produção literária em época de diminuição dos espaços literários nos grandes jornais e mesmo de fim de jornais impressos, como foi o caso da Gazeta do Povo.

No campo da resistência é preciso citar a revista londrinense Coyote, fundada em 2002 e dirigida pelos escritores e jornalistas Rodrigo Garcia Lopes, Marcos Losnak e Ademir Assunção. É uma publicação marcada pela influência das vanguardas internacionais, que publica uma literatura de invenção, herdeira das artes gráficas modernas. No mesmo diapasão, e mais sofisticada, é a Et Cetera, criada nos anos 2000 por Fábio Campana, jornalista e escritor que vem da experiência inovadora do Correio de Notícias.

O editor do Rascunho fundou, em paralelo, o jornal Cândido, da Biblioteca Pública do Paraná, quando esteve à sua frente, seguindo a linhagem dos nomes próprios, numa releitura da Joaquim e do Nicolau, agora em uma linguagem mais comportada, valorizando a cultura paranaense. A mesma biblioteca publica ainda a revista Helena (homenagem à poeta Helena Kolody), em que a abertura para a diversidade temática é maior. As duas publicações, no entanto, bebem nesta extensa tradição gráfica do Paraná, que nos deu uma revista voltada apenas para esta área, a Gráfica (1993), do artista Miran — trimestralmente até 1995 e semestralmente até 2002, com números avulsos depois. O mesmo cuidado editorial distinguiu a revista de narrativas Arte & Letra: Estórias, criada em 2008, por Irinêo B. Netto e Thiago Tizzot.

O Paraná como polo editorial guarda um sistema de jornais e revistas, o que projetou nossa literatura no centro do campo do poder literário, sem que jamais tenhamos tido um sistema de editoras. Assim, nossa produção se fez mais brasileira do que paranaense, em uma existência incaracterística enquanto identidade tanto de estilo quanto de temática. E talvez este seja o nosso grande trunfo em uma época essencialmente cosmopolita e de produção e de consumo pelas redes sociais, que suspendeu as fronteiras.


MIGUEL SANCHES NETO é doutor pela Unicamp, com pós-doutorado na Universidade do Minho, Portugal, professor-associado e reitor da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Autor de mais de 30 livros, entre eles Chove Sobre Minha Infância, A Máquina de Madeira, A Bíblia de Che e A Bicicleta de Carga. Recebeu, entre outros, o Prêmio Cruz e Sousa (2002) e Binacional das Artes e da Cultura Brasil-Argentina (2005).

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