Bate-papo | Julián Fuks 30/11/2020 - 15:04

Atenção ao presente

Leia a transcrição da live promovida pela BPP em comemoração à Semana Nacional do Livro e da Biblioteca

 

Para comemorar a Semana Nacional do Livro e da Biblioteca, a Biblioteca Pública do Paraná promoveu no dia 28 de outubro uma live gratuita com o escritor e crítico literário paulista Julián Fuks. Autor, entre outros títulos, do premiado romance A Resistência— vencedor do Jabuti, do Saramago e finalista do Oceanos —, ele conversou com o jornalista Yuri Al’Hanati sobre seu processo de criação, a relação com o autor moçambicano Mia Couto (seu mentor em um programa de mecenato), psicanálise e os desafios dos romancistas na atualidade, entre outros temas. Leia a seguir os melhores momentos do bate-papo, que também está disponível na íntegra no canal do YouTube BibliotecaPR.

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Julián Fuks é autor dos romances A Ocupação e A Resistência. Foto: Divulgação / Renato Parada

 

Bibliotecas
As bibliotecas são as casas dos livros onde me sinto melhor. Muito melhor do que nas livrarias, por exemplo. Frequento bibliotecas desde sempre. E, quando decidi ser escritor, passou a ser um costume mais frequente ainda. Na prática, a literatura é um diálogo entre livros. Toda vez que me proponho a escrever algo de maior fôlego, acho fundamental descobrir o que foi dito a respeito, mergulhar em páginas profusas. E é algo que se faz em uma boa biblioteca. Digo que não me sinto à vontade em livrarias, mas este é um momento de defender as livrarias: elas estão em risco, sendo engolidas por um sistema que pouco se importa com os livros. Mas sempre tive um mal-estar por perceber que as livrarias são lugares excessivamente comerciais, em que a finalidade dos livros e da literatura se distorce. Então na biblioteca sempre foi o lugar onde me senti à vontade. Geralmente as bibliotecas do colégio, das universidades, dos lugares em que estudei, eram onde eu me sentia bem. Sobretudo quando posso caminhar entre livros. Não aquele tipo de biblioteca imensa onde você não tem acesso aos livros, só aos títulos, e você tem que pedir que te tragam. Isso é exasperante. Mas a biblioteca onde você está fisicamente presente, em contato, e é possível olhar o livro vizinho. É fundamental olhar o livro vizinho. Numa biblioteca bem organizada dá para encontrar coisas incríveis simplesmente olhando os arredores daquele título inicial que você achou pertinente.

 

Mergulhos literários
Meu primeiro livro mais ordenado foi Histórias de literatura e cegueira (2007), que trata de escritores cegos. Decidi que seria um tema ao ler os livros do Borges. Depois, me dei conta que o João Cabral de Melo Neto tinha uma história de cegueira diferente da do Borges. O autor argentino foi mais prolixo, já o brasileiro não conseguiu mais escrever depois de ficar cego. Eu não queria fazer um livro que era um contraponto, que tratasse de um e de outro. Esse livro precisava ter um terceiro autor, e passei a estudar ainda sem saber quem seria o outro elemento. Então, numa obra sobre o Borges que encontrei em uma biblioteca de Buenos Aires, descobri que James Joyce tinha convivido com a cegueira em vários momentos da sua vida. Me lembro exatamente onde eu estava, como estava, no instante que descobri isso. Não era bem a descoberta de um livro, mas de um autor que de repente passou a me frequentar totalmente. Mergulhei de cabeça em Joyce para poder escrever sobre a cegueira dele também.

 

Momento certo
Acho que defini que queria ser escritor antes de conhecer um pouco melhor a literatura e o tipo de coisa que eu poderia fazer. Se tivesse que definir um autor fundamental seria Italo Calvino. Em um dado momento, o Calvino me entusiasmou. Foi um conteúdo que passei a ler para além do que me ensinavam na escola. A trilogia de O Cavaleiro Inexistente, O Visconde Partido ao Meio e O Barão nas Árvores... Aquilo me entretinha muito, me envolvia e me trazia novas ideias e pensamentos. Mais tarde, no começo da universidade, o que me pegou foi o Milan Kundera. Mas também tiveram Borges, Cortázar, Machado, Guimarães. São diferentes entusiasmos. Nos momento precisos, quando você chega a eles na hora exata, os livros podem dizer tanta coisa. Isso tem sido para mim sempre marcante — quando um autor me surpreende, me tira do meu lugar, me leva para outras reflexões. E de repente você é alguém novo, transformado pela própria leitura. Não posso afirmar inspirações perenes, porque, por exemplo, Italo Calvino e Kundera, todos eu fui abandonando um pouco. Continuo apreciando, lendo de vez em quando, mas na prática vou abandonando. Na prática, cada leitura parece ter o seu momento. Sempre me interessei por coisas que se comunicavam comigo. Li os livros da idade que eu tinha que ler. Toda a coleção Para Gostar de Ler me entusiasmava um monte. Tive contato com as crônicas brasileiras. Também era grande leitor de gibis — Turma da Mônica, enfim. Não sou o tipo de figura que, igual ao Borges, leu Dom Quixote aos nove anos.

 

Criação
Nunca fui capaz de inventar, fabular. A fabulação sempre foi um problema pra mim. Não sou um escritor de grande imaginação, de grande fantasia. Isso tudo me escapa. O Histórias de Literatura e Cegueira é o meu trabalho de conclusão de curso em jornalismo. E já em crise com o jornalismo, tentando enveredar para a literatura e querendo achar uma forma híbrida. Depois disso, o tempo inteiro, esse foi o meu desafio: como escrever sem imaginação, sem fantasia e fabulação? Nunca me senti à vontade na construção de um personagem totalmente diferente de mim. Nunca me senti à vontade atribuindo nomes aos personagens. Isso tudo me parecia problemático. No mestrado, estudei sobre a impossibilidade de narrar e a morte do romance porque sabia que eram questões que estavam acometendo muitos autores simultaneamente e eram pensamento recorrentes na teoria literária. O tempo inteiro, é esse o desafio: o que escrever quando inventar não é exatamente uma possibilidade?

 

Autoficção?
Não é que não há invenção nos meus livros. Existe ficção. Mas ela está bastante vinculada e em referência com a realidade. E pensando, também, não só no problema de criar um outro personagem alheio a mim, mas criar uma voz para esse personagem, portanto um narrador diferente de mim... Sempre foi uma dificuldade suplementar. Assim me vi colocado nessa posição: em que eu escrevia a partir de mim, a partir das minhas experiências, dos acontecimentos ao meu redor, mas desafiando o risco que existe nisso, na acusação que se faz constantemente sobre a autoficção — que é uma acusação justa. O risco do narcisismo, do umbiguismo. Para mim era necessário que isso se tornasse outra coisa, e fui vasculhando ao mesmo tempo em mim mesmo o que poderia ser relevante para o leitor e o que era relevante para mim. Assim, A Resistência passa a ser esse discurso sobre a questão da adoção do meu irmão, do exílio e perseguição que os meus pais sofreram na ditadura militar. Ou seja, toda uma série de acontecimentos que são muito fortes num nível íntimo se tornam fortes no sentido coletivo. Essa tem sido uma tentativa de movimento expansivo: começar a partir de mim, da minha voz, mas para atingir os outros e falar sobre os outros.

 

Mundo concreto
Como existe um afastamento da ficção contemporânea em relação à fantasia, parece quase necessário descobrir um substituto. E o substituto é a realidade, a experiência do mundo concreto ao nosso redor. É a isso que tento recorrer — vasculhando não só o presente, a experiência diretamente vivida, mas o passado, tanto o buscado quanto o que se tenta assimilar pela memória. Um dos problemas da ficção é a desconfiança em relação à autoridade da voz; a desconfiança em relação ao domínio absoluto dos acontecimentos. Para me aproximar do real e ser mais fiel à memória, preciso desconfiar dela continuamente. Preciso perceber que essa realidade é inacessível, que as palavras vão distorcer sempre quando tentar tocar o real. Que o real em si não se apresenta aos nossos olhos. Que não há uma verdade sobre o passado. Todas essas desconfianças, que a princípio se dão no campo da teoria, também se apresentam na prática da escrita.

 

Ato de sinceridade
A literatura se fez para mim como um ato de sinceridade. Cabe a esse escritor desconfiar continuamente daquilo que está narrando, desconfiar da capacidade da linguagem de afirmar aquilo, desconfiar da memória. E assim os livros vão se enchendo de relativizações, interrogações. A narrativa se faz menos assertiva, menos factual, e passa a ser um conjunto de indagações sobre as possibilidades de leitura dessa realidade, sobre os múltiplos significados — nenhum deles definitivamente precisos sobre aquilo que aconteceu. É nesse lugar que me proponho a narrar. Vai acontecer a ficção, justamente para acentuar certos pontos, numa especulação do tipo "E se o sentido estivesse nesta chave, nesta compreensão de uma cena?". É possível, nesse grau especulativo, começar a narrar, descrever, alcançar detalhes. O detalhamento é fundamental em todo exercício literário.

 

Psicanálise
Sou filho de psicanalistas. E aí, os personagens também se fazem psicanalistas. A própria lógica — porque estou falando muito de família sobretudo em A Resistência e um pouco em A Ocupação — da busca de sentido nessas relações se dá atravessada pela psicanálise. Mas acho que vai além. Não é só tematizar alguns conceitos, aparecer aqui e ali para interpretar uma cena. Está na base da proposta literária. Acho que isso fica bem claro no caso da A Resistência. Escrever sobre a adoção do meu irmão era enfrentar uma resistência que a minha família tinha a esse fato. A gente tinha se tornado incapaz de falar a respeito. Uma espécie de tabu familiar. E escrever o livro foi uma tentativa de romper o tabu, de dizer — com a crença, fundamentalmente psicanalítica, de que encontrar palavras transforma situações. Numa sessão de análise, a gente narra porque acredita que é possível transformar determinado episódio por meio do uso de palavras precisas. A gente consegue repensar, e essa nova forma de pensar altera nossa relação com as coisas. Escrever era uma forma de alterar minha relação com meu irmão, com meu passado, com meus pais. Era uma forma de intervenção nesse cenário familiar.

 

Palavra exata
Há uma outra dimensão, que é o caráter autoanalítico do livro. Não é só para intervir na relação com o outro, mas numa compreensão de mim para mim mesmo. Óbvio que o tempo inteiro vigiada para que não seja uma autoanálise desinteressante e desimportante para um leitor qualquer. Ou seja, não é o exercício básico da análise, no qual se fala livremente. É o contrário disso. Na literatura, pensar e medir a palavra exata passa ser o exercício fundamental. Mas, mesmo assim, há um caráter autoanalítico nos livros que se manifesta, para mim, sobretudo no tempo que levo para escrever cada um deles. São livros curtos, mas ainda assim levei mais de dois anos, tanto em A Resistência como em A Ocupação. Porque em parte era preciso que o tempo passasse para entender aquilo tudo. Para sentir as novas acepções que eu poderia dar às palavras e às coisas. Era necessário um certo envelhecimento no processo de escrita. Isso, por alguma razão, eu também associo à psicanálise.

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O autor moçambicano Mia Couto foi mentor de Fuks em um programa de mecenato. Foto: Bel Pedrosa / Divulgação

 

A Ocupação
Uma ou duas semanas depois de eu lançar A Resistência, surgiu um convite para participar de um processo seletivo de mentoria do Mia Couto, que acompanharia a escrita do meu próximo livro. E eu tinha que rapidamente entregar um projeto. Tive que, às pressas, criar um projeto e mandar para participar do processo. Acabei sendo escolhido pelo Mia Couto, então tinha que executar também esse projeto, não simplesmente jogar fora. E o engraçado é que, durante a maior parte que durou oficialmente o programa [promovido pela marca de relógios Rolex], o que fiz foi discutir continuamente a concepção do livro com o Mia Couto, discutir os problemas que ele trazia — problemas conceituais, de configurações, éticos. Como eu não me sentia confortável para me entregar à escrita enquanto não resolvesse parte daquilo tudo, só fui escrever efetivamente quando o programa terminou e tive de apresentar alguns resultados. Então, A Ocupação é um livro que demorou de 2015 a 2018 para eu começar a escrever. Isso criou problemas de temporalidade, já que os acontecimentos se dão em 2016, como a ocupação 9 de Julho. Mas era preciso acomodar para que um certo sentimento do Brasil atual também estivesse presente. O Brasil está se transformando tanto, duramente encarando a si mesmo, que era importante que isso tudo aparecesse numa narrativa com esse teor. Então cria-se uma certa temporalidade fluida dentro do próprio livro. Até quando entra uma carta do Mia Couto — que é um dos ocupantes do livro, uma das vozes alheias à minha que ali aparecessem —, ela traz uma outra temporalidade, fala do Brasil de 2019, sobre queimadas, etc. Senti que precisava acomodar essa questão do jeito mais verossímil possível, depois concluí que seria interessante ter um ruído na temporalidade do livro.

 

Mia Couto
Desde o início, eu sabendo que o Mia Couto era um escritor totalmente diferente de mim, o que pensei de partida que podia propor para ele — e ele embarcou totalmente — é que eu queria me transformar um pouco. Queria sair de mim. O Procura do Romance (2012) é um livro muito centrado na figura desse escritor, uma autoficção clássica. A Resistência tem essa aproximação com o irmão e com os pais, mas mesmo assim é uma realidade muito próxima. E A Ocupação tinha outro título antes de me convidarem para a ocupação em si, se chamava Os Olhos dos Outros, porque justamente a ideia era chegar nos outros, essa alteridade, essa fricção que acontece em cada encontro com o outro que não nos pertence, em quem a gente não se identifica plenamente. Esse ruído na relação com o outro me interessava abordar. E Mia Couto é um grande escritor dos outros. Ele é muito capaz de incorporar a voz do outro no projeto dele. E era algo que eu deseja fazer. Escrevendo sobre o outro, meu desejo era que o outro estivesse presente e que finalmente ocupasse o meu livro, que ganhasse voz também. E é o que o livro vai, pouco a pouco, tentando executar. Em um dado momento um personagem toma a palavra, assume a voz em primeira pessoa, em outro momento há textos comentados por outro personagem, enfim, a coisa vai se tornando mais alheia a mim. E era o incentivo do Mia Couto que me permitia isso, o encorajamento dele. O desejo estava em mim, mas a coragem veio dele.

 

A Ocupação 2
Foram tempos malucos de escrita desse livro porque ao mesmo tempo em que eu estava no Programa Cultural da Rolex, de repente recebi um convite para fazer uma residência artística numa ocupação dos moradores sem teto no centro de São Paulo, que consistia simplesmente em estar lá, assumir um quartinho no prédio e fazer o que bem entendesse com aquilo. E isso me colocou numa posição que se aproxima do jornalismo. Em um primeiro momento, eu gravava entrevistas, queria saber como era as vidas das pessoas ali, queria saber como elas tinham parado ali. E parte disso está muito presente no livro. Mas aos pouco me vi resistindo a essa prática jornalística da produção literária — perdendo gravador, meu caderninho, me livrando dos materiais jornalísticos — para que aquilo se tornasse outra coisa. E também essa é parte da necessidade de espera que o livro me trouxe porque precisei me afastar da ocupação para deixar aquilo se consolidar em mim. Eram tempos esquisitos em que eu transitava entre mundos completamente diferentes e algo dessa diferença eu queria que estivesse incorporada no próprio livro. Essa fricção do outro se materializou nessas duas realidades diferentes — a convocação de um programa cultural com a convocação de luta e resistência que se dá no movimento social, sobretudo de coletividade. Em um lugar, pensando em mim mesmo e na minha própria voz e nesse outro lugar da ocupação, o “eu” se rompe, se torna irrelevante. E o que interessa é a conjunção de forças.

 

Representatividade
Houve durante muito tempo no Brasil o interesse de escritores e intelectuais de se aproximar do povo e narrar o povo. Boa parte da literatura brasileira é construída com esse olhar para o outro para retratar a típica realidade brasileira. Só que isso se tornou em parte problemático do ponto de vista ficcional e do ponto de vista da posição ética do intelectual. Há um certo posicionamento colonizador nessa postura, nessa crença que a gente precisa falar pelo outro. O Brasil e o mundo está dando uma volta importante nesse olhar, está reposicionando, dizendo “Isso não me representa”. Representação efetiva é o outro ser lido, estar presente nas grandes editoras, competindo nos prêmios, participar dos festivais, etc. Mas em que posição isso coloca aquele sujeito, que estava identificado com o Brasil urbano, intelectual, classe média? Se conformar em falar só sobre si, sobre a sua realidade, isso não é suficiente, nunca será suficiente. Até porque essa voz é forte, é ouvida e presente.

 

Literatura ocupada
A disposição que eu tenho defendido é a literatura ocupada. Ocupar tem sido o ato político mais contundente do nosso tempo — ocupar as ruas, escolas, praças, etc. — e a literatura em si pode ser o âmbito de uma ocupação, mais abstrata, mais evanescente, mas ainda ali, transformada em rua, praça, em lugar de luta. Uma literatura ocupada pelo presente, pela política, ocupada pela vozes dos outros. Eu tenho trazido essas vozes para ocupar o meu livro, numa tentativa de subversão dessa lógica.

 

Pode ser tudo
A literatura pode ser tudo. Só que este é um tempo que convoca discursos políticos, em que a política parece atravessar tudo. Nossa existência inteira está marcada pelas notícias da política. Muitos de nós estamos incapazes de nos desligar disso tudo. Então é estranho uma literatura que queira e consiga se desviar disso tudo e esquecer essa realidade tão premente, tão pujante e falar de outra coisa completamente diferente. Isso é possível ainda e é interessante quando acontece. É interessante quando a literatura continua sendo capaz de nos levar para outros lugares, outros tempos, outros mundos. Acho que nunca tanto quanto nesse período de pandemia — em que a pandemia se tornou monotema — eu senti a necessidade disso. Mas, ao mesmo tempo, o presente tem nos exigido completa atenção, disposição, luta. Vejo muita pertinência na literatura que tem respondido a esse apelo. Tenho me interessado muito por escritores que têm respondido, tentado responder à brutalidade do presente, aos retrocessos, às relações complexas entre passado e presente nesse tempo de desconfiança, nesse tempo de retomada de discursos arcaicos.

 

Tempos difíceis
Tempos difíceis transformam a arte, exigem da arte outras medidas, outras posturas, outros olhares. E isso pode, sim, resultar em boa arte. Há uma preocupação também justa com o envelhecimento disso tudo. Digamos que você está tão comprometido e cravado no seu tempo, como o seu livro será lido daqui a cinco, dez, 20, 30 anos? É um tipo de preocupação que acho que o escritor não precisa ter — a preocupação com a posteridade o escritor contemporâneo, por sorte, já se desvencilhou. Mas também a história da literatura está aí para desmentir esse temor. Quantos romances não foram escritos em compromisso com o seu tempo? O romance tem sido a forma mais comprometida com as transformações do seu exato presente. Por exemplo, O Vermelho e o Negro, de Stendhal, tem como subtítulo “Crônicas de 1829”, precisamente datado, falando de um tempo específico. No entanto, a gente lê ele dois séculos depois. Ou seja, a gente não consegue julgar qual vai ser o olhar do futuro, a gente não deve tentar adivinhar esse olhar do futuro, mas também não deve acreditar que qualquer coisa comprometida com o presente está fadada ao esquecimento e ao desinteresse futuro.