Poemas | Mosco e Bíon

Ilustração Bianca Franco
bianca


JANELAS PARA UM CERTO CAMPO

Tradução: Alessandro Rolim de Moura

Fragmento VIII Gow (citado por Estobeu
numa seção intitulada “Sobre a tranquilidade”)

As minhas cançõezinhas,
Aquelas que até agora a Musa traz,
Já me farão, se belas, glorioso.
Se nenhuma convinha,
Vou me cansar fazendo muitas mais?
Se o Cronida ou o Fado caprichoso
Um tempo para o gozo
Outorgara e, ao trabalho, uma outra vida,
Quem sabe se pudesse, após a lida,
Ter do bom e do nobre tão somente.
Mas se o deus só consente
Que ao mundo venha o homem uma vez,
Mesquinha e bem menor que o suficiente,

Até quando, coitado,
Te esforçarás em obras e fadigas,
Sempre almejando mais ganho opulento?
Foi por ti olvidado
Que nasceu para a morte nossa vida
E a Moira nos sorteia pouco tempo?

Bíon (fim do século II – início do século I a.C.)


Fragmento II Gow (citado por Estobeu numa seção intitulada “Sobre Afrodite”)

Pã amava Eco, sua vizinha, e Eco amava
um Sátiro saltitante, e o Sátiro era louco por
Lide.
Tanto quanto Eco a Pã, a Eco o Sátiro abrasava
e Lide ao Satirozinho: Eros ardia alternado.
Pois quanto um deles odiava o amador,
tanto igualmente amando era detestado,
e sofria o que causava.
Esses casos conto como lições para os sem amor:
queiram bem aos que amam,
para que, se amarem, sejam amados.

Mosco (meados do século II a.C.)

Nota do tradutor: Os poetas gregos Mosco e Bíon são representantes da tradição bucólica no período que separa os dois maiores nomes antigos dessa espécie de poesia (Teócrito, séc. III, e Virgílio, séc. I a.C.). Os fragmentos que trago aqui são citados por Estobeu, um compilador do final da Antiguidade, e exemplificam dois temas importantes no universo bucólico: a ênfase no amor não correspondido e a resistência ao mundo do trabalho (ainda que as personagens típicas do gênero sejam trabalhadores rurais, mais especificamente pastores, nessa representação poética suas experiências são, na maior parte das vezes, desvinculadas da dureza que, poderíamos supor, deveria caracterizar as atividades diárias do cuidado com rebanhos). É possível que Estobeu tenha omitido algum contexto dramático ou narrativo mais concreto em que as passagens apareciam, pois sua compilação tem o claro propósito de reunir excertos por seu valor de ensinamento moral. O texto de Mosco, procurei traduzir deliberadamente em tom próximo do prosaico, apesar de o grego estar em hexâmetros, numa evocação da Quadrilha drummondiana. Adaptei os versos de Bíon (originalmente no mesmo metro usado por Mosco) imitando uma forma estrófica encontrada nas Éclogas de Camões. Como se trata de um fragmento, sugiro a incompletude do poema empregando o que seria uma estrofe inteira mais o pedaço de uma outra estrofe do mesmo tipo. A edição utilizada é a de Gow.

Alessandro Rolim Moura é doutor em Letras Clássicas pela Universidade de Oxford e mestre em Letras (Letras Clássicas) pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente é professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Vive em Curitiba (PR).