Crônica - Uma coalhada com Dalton Trevisan

Ignácio de Loyola Brandão

Não vou falar da obra, deve estar assim de gente falando, interpretando, analisando, jogando luzes. Tenho em casa, em Araraquara, um pequeno tesouro. São aqueles livrinhos que Dalton Trevisan publicava por conta própria com seus contos. Pareciam cordéis. Não sei como chegavam às minhas mãos. Mas chegavam aqui em São Paulo. Lia e guardava, em matéria de papel sou colecionador compulsivo. Guardo tudo, sem saber o que vou fazer depois. Hoje sei o valor daqueles livrinhos. Teve época em que até quis produzir alguns.

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Mas quero contar uma divida que terei para sempre com Fernando Sabino. Certa vez, íamos os dois falar em Ponta Grossa. Ele veio do Rio para Curitiba, eu de São Paulo. Sabino chegou na frente e ficou no hotel. Alguém me apanhou no aeroporto e disse: “Vamos ao hotel, Sabino está lá, ele entra e seguimos”. Porém, Fernando mandou dizer que era para eu descer e ir tomar uma coisa no bar, havia um amigo dele que queria muito me conhecer. Desci.

Então, ele me apresentou aquele homem magro e de óculos, que me estendeu a mão: “Prazer, Dalton Trevisan!” Puxa, aquele era o Dalton, mítico! Simples, tranquilo, nunca imaginei conhece-lo assim. Dalton ficou um pouco mais, levantou-se, se foi. Acho que conversamos cinco minutos.

Fernando Sabino: “Ele estava louco para te conhecer, fiquei segurando, e você não chegava”. Fiquei feliz. Puxa, o Dalton queria me conhecer? Sabia que eu existia? Trouxe aquela memoria por anos. Recentemente, em Sete Lagoas (MG), quando contei esta história, Humberto Werneck, jornalista, biógrafo, cronista, deu um sorrisinho: “Pois soube que o Sabino segurou o Dalton dizendo que você daria a vida para apertar a mão dele.”

Não importa, conheci o Dalton. Depois disso, às vezes, quando no começo dos anos 1990 vinha a Curitiba pesquisar para a biografia de Avelino Vieira, que a Maria Cristina Andrade Vieira me encomendou sobre o pai dela (e quanta falta sinto da Cristina), várias vezes entrei na confeitaria Schaffer (é assim que se escreve?) e dei com Trevisan à mesa. Uma vez tomamos uma coalhada com mel juntos.


Ignácio de Loyola Brandão é jornalista e escritor. Autor dos romances Zero (1975) e Não verás país nenhum (1981). Seu mais recente livro é Acordei em Woodstock (2011).