Cândido indica

Observatório do casos
Ronaldo Cagiano, Patuá, 2016
Em sua produção mais praticada, a prosa, Ronaldo Cagiano recria um tempo passado em Cataguases, cidade mineira onde nasceu. O autor apresenta o mundo como território inimigo — e o mesmo imaginário aparece nos poemas de Observatório do caos. A morte é onipresente neste livro. Em “Dias de finados”, o poeta escreve: “Ontem foi dia dos mortos,/ eles que vivem em nós”. O assunto reaparece em “Tempus fugit”: “A morte vem de longe,/ boca aberta/ dentes afiados/ berrando sua/ fúria canina”. Já em “Memento mori”, a voz poética assinala: “A vida/ ávida ave/ voou”. O balanço da trajetória humana é, enfim, apresentado em “Fratura existencial” melancolicamente: “Na contabilidade das perdas/ o que me cabe nessa fatura de vida/ senão a fratura existencial?”.

FUP
Jim Dodge, Nova Fronteira, 1984
Em duas páginas: duas mortes e um bebê órfão — Jonathan Adler Makhurst II, que dali uns anos teria 1,92m, 135kg e o apelido de Miúdo. O órfão é criado pelo beberrão e desbocado vovô Jake, senhor de 99 anos viciado em apostas altas e jogos de cartas, que recebera de um índio moribundo a receita do Velho Sussurro da Morte, um uísque que promete a imortalidade. O cotidiano da família se altera quando Miúdo encontra a pequena pata Fup, ou um “pato fodido”, segundo vovô Jake, e a traz para viver na casa que neto e avô compartilham ao norte do rio Russian, no litoral californiano. A partir desse núcleo dramático reduzido, o norte-americano Jim Dodge, autor deste que é considerado “um best-seller do undergound”, cria uma narrativa econômica, de 94 páginas, com clareza, sensibilidade e humor. 

1
2
3
4


Viva a música!
Andrés Caicedo, Rádio Londres, 2015
A “loira, loiríssima” María del Carmen Huerta é quem narra essa crônica alucinada, embalada por todo quanto é tipo de droga e músicas latinas. O olhar da narradora-protagonista de 16 anos capta o cotidiano autodestrutivo de jovens de classe média, numa história ambientada na cidade Santiago de Cáli, na Colômbia. E não há bons motivos para existirem de outra maneira, afinal, como sugere María, “ninguém quer saber de crianças envelhecidas”. É com lirismo e agilidade que o colombiano Andrés Caicedo narra essa empreitada frenética, ele próprio tendo vivido uma existência fugaz e intensa: suicidou-se aos 25 anos, no mesmo dia em que recebeu um exemplar deste Viva a música!

Sem plumas
Woody Allen, L&PM, 2008
Este livro de 1975, publicado antes de o cineasta e escritor norte-americano Woody Allen estourar com o sucesso do filme Noivo neurótico, noiva nervosa (1977), traz 18 escritos que já apontavam obsessões do autor, as mesmas que seriam recorrentes em sua filmografia e demais obras literárias — desesperança, suicídio, ateísmo, neurose. Entre peças de teatro, ensaios e contos, ele vai do banal ao nonsense, usando seu característico humor depreciativo e politicamente incorreto para explorar vários temas de forma inventiva — religião, relacionamentos, literatura, entre outras questões.