Poemas | Jovino machado

tire as sapatilhas
minha alma
é abismo aberto
peito pulsando
não pode se poupar do belo
sem o calcanhar aquiles seria impossível

tire os empecilhos
seus seios acesos
são os únicos faróis
com força e poder
para iluminar
as sombras do tédio

tire os penduricalhos
não alimente
as andorinhas do seu telhado
não corte as asas
das gaivotas do seu penhasco

tire todas as amarras
liberte Ulisses da caravela
a sereia espera por você
poesia só ganha o mar
ignorando a calma do cais

tire o batom
com um beijo quente
levante a taça
com a mão esquerda
a do coração

tire a poeira
de sua biblioteca
eu sei que você tem mais livros
do que sapatos
o discurso da ação
é falado com o corpo

tire os óculos
o amor precisa
de sua cegueira
o navio só naufraga navegando
o leão ruge no coliseu

TRAMPULINHO

delicadamente
ela pisa
no meu peito

seus lírios brancos
beijam
meus mamilos

seu calcanhar
cor-de-rosa
desliza na língua

antes do salto

FUTURAMENTE RUIVA

não faça piada do meu poema
não faça pouco dos meus desejos
não faça galhofa da minha gargalhada
minha vida é um verso tosco e torto
quando estou distante de sua beleza
que pode ser negra e pálida sob a lua
ou futuramente ruiva
como as mulheres dos cabarés de Dublin
que Joyce amava em 1904
espero dançar com você
na próxima temporada
espero que o strip-tease da sua verdade
não seja o seu dom de iludir

NARCISO

debaixo da saia vermelha
se esconde seu chute burro

seu charme é a antessala do vômito

não existe inocência em seu ego

você é uma cinderela de príncipes gripados

narciso não anda em bando
narciso prefere fechar a cara
narciso prefere beber sozinho

é que narciso acha feio
o que nunca vai ser poesia



Jovino Machado nasceu em Formiga ( MG ) e vive em Belo Horizonte. É autor, entre outros, dos livros Cantigas de amor & maldizer ( 2013 ) e Sobras completas ( 2015 ).