Perfil do leitor | Biel Carpenter

Uma paixão portuguesa

Colaborador do músico Marcelo Camelo, o artista plástico fala sobre a influência da literatura em seu trabalho, especialmente da escritora lusitana Maria Gabriela Llansol


Omar Godoy


biel

Foto: Mariana Zarpellon

A palavra escrita tem um peso considerável em Felicidade inóspita, primeiro livro do artista plástico Biel Carpenter — paulista de Campinas radicado em Curitiba desde a infância. Lançado em 2014 por sua própria editora, batizada de Moça, o volume reúne desenhos, gravuras, aquarelas e bordados centrados na figura feminina. Mas também traz um ensaio do professor da Escola de Música e Belas Artes do Paraná (Embap) Jack Holmer e textos do músico Marcelo Camelo, de quem Biel é colaborador assíduo.

“A literatura influencia muito o meu trabalho, principalmente a poesia”, diz o artista de 31 anos, conhecido por conceber o encarte dos últimos lançamentos da carreira solo de Camelo e desenhar posteres para bandas e cantores internacionais como Wilco, Father John Misty e Michael Kiwanuka. Sua escritora preferida é a portuguesa Maria Gabriela Llansol (1931-2008), autora de 29 livros e dona de um estilo indefinível, que mescla poesia, ensaio, ficção, memórias e diário. Mais do que isso: para Biel, Llansol é uma espécie de inspiração permanente.

“Posso dizer que é a única autora de quem li tudo o que foi publicado. E estou sempre relendo, procurando material sobre ela. Importei os livros que não saíram no Brasil. Muitos nomes de obras minhas vieram de textos dela”, revela. O artista explica que se identifica principalmente com os temas explorados pela portuguesa: o cotidiano, o tédio, a solidão. “Meu trabalho, como o dela, é quase como um diário. A Gabriela dizia que a escrita fazia companhia para ela. Eu desenho pelo mesmo motivo.”
O cupido dessa paixão literária foi o já citado Camelo, que sentiu uma “afinidade” entre os dois e enviou para o amigo, em 2011, um envelope com textos de Llansol xerocados. Biel gostou imediatamente do material e iniciou uma corrida pelos livros da escritora, que começavam a ser editados no Brasil naquela época. Um de seus planos para o futuro é visitar a casa em que Maria Gabriela morou até o fim da vida, na cidade de Sintra. O lugar hoje funciona como um espaço cultural dedicado ao estudo, divulgação e catalogação da vasta obra deixada por ela.

Fixação llansoliana à parte, o artista plástico conta que não tem lido muita ficção nos últimos tempos (“Para acompanhar uma história, ando preferindo o cinema”). Suas leituras estão mais centradas na poesia produzida pelos próprios amigos — como o compositor local João Francisco Paes, com quem Biel mantém uma banda, a Eletroveracruz — e em ensaios de pensadores como Susan Sontag e Michel de Montaigne. “Minha mulher [a fotógrafa Mariana Zarpellon] está cursando Antropologia na universidade e eu acabei me interessando bastante pela área”, afirma, mostrando “o lado dela” na estante de livros da casa.

No lado dele, há títulos de Jack Kerouac, Miguel de Cervantes, Truman Capote, Paul Auster, Henry Miller. Também chama a atenção uma pilha de romances clássicos brasileiros. Entre eles O Ateneu (Raul Pompéia), A morte e a morte de Quincas Berro D’Água (Jorge Amado), Iracema (José de Alencar), O mulato (Aloísio Azevedo). “São todos livros indicados pela escola, que eu guardo até hoje. Mas eu lia com gosto, ao contrário da maioria dos meus colegas”, diz Biel, que também foi fã do filósofo Friedrich Nietzsche na adolescência. “É meio um clichê dessa fase da vida, não? Li muita coisa do Nietzsche e de filosofia em geral, que um primo mais velho de São Paulo me apresentava. Além de gostar de ler, ele escrevia muito bem, apesar de nunca ter publicado nada.”

Segundo Biel, vários outros tios e primos são envolvidos com literatura e têm boas bibliotecas em casa — o que certamente contribuiu para o seu interesse pelo universo gráfico. “Meus pais, por exemplo, tinham várias enciclopédias, daquelas ilustradas. Eu passava horas vendo as figuras, antes de começar a gostar de quadrinhos e desenhar as minhas próprias histórias”, lembra o artista, que mais tarde se formaria em Gravura pela Embap.

Há, inclusive, um escritor consagrado na família: Ignácio de Loyola Brandão, primo de uma de suas avós. É dele o prefácio do único livro publicado pelo pai de Biel, que há anos se converteu à religião e hoje é pastor evangélico. “Saiu na década de 1980, chama-se A tarde injusta. Tem poemas ótimos, mas ele não gosta mais do que escreveu”, lamenta. A reportagem do Cândido encontrou apenas um exemplar da obra, assinada por Frederico Edson Barros, à venda na internet, no site de um sebo.