Perfil do Leitor: Sansão José Loureiro

Sansão e a força dos livros


Sansão José Loureiro leu seu primeiro livro aos sete anos e, desde então, lá se vão mais de sete décadas dedicadas à leitura. Apaixonado por literatura, biografias e História, há mais de trinta anos este professor aposentado é o maior doador de livros da Biblioteca Pública do Paraná

Felipe Kryminice


perfil

Foi com um livrinho chamado Pitoco e Patulé, distribuído como brinde do fortificante Biotônico Fontoura nos idos dos anos 1940, que o professor aposentado Sansão José Loureiro começou sua relação com a literatura, uma história que já dura mais de 70 anos. A autoria e paradeiro da obra que iniciou Sansão no universo literário se perdeu com o tempo, mas o gosto pela literatura ainda persiste no outrora garoto, hoje com 78 anos e ainda um leitor voraz.

Formado em Direito em 1959, Sansão atuou como professor universitário por 27 anos na área de Direito Constitucional, em diversas instituições de ensino superior de Curitiba, incluindo a Universidade Federal do Paraná, onde se formou e recebeu, em 2009, o título de professor emérito.

Mas, paralelamente ao magistério e à carreira de jurista, Sansão iniciou uma rotina de leitura de causar inveja a leitores profissionais. Conhecido pela sua generosidade, já doou mais de 2 mil volumes de obras jurídicas para bibliotecas de cursos de Direito e outros 6 mil exemplares de obras literárias para a Biblioteca Pública do Paraná. O que o tornou uma espécie de oráculo entre os leitores da BPP. Leitor de clássicos e da literatura contemporânea, seus livros, sempre em perfeito estado de conservação e edições atualizadas, são aguardados com expectativas pelos seus seguidores. Sua assinatura na contracapa dos livros funciona como uma espécie de selo de qualidade literária.

“Meu pai não tinha estudado muito, mas sempre continuou com a vontade de aprender. Então, mesmo tendo pouco estudo, foi um grande incentivador da leitura. Em Uberlândia, onde nasci, meu pai comprava livros de vendedores de rua. E assim foi formando a nossa Biblioteca. E lá tinha de tudo: Monteiro Lobato, histórias da carochinha, etc.”, diz Sansão.

A relação com a Biblioteca Pública do Paraná também é antiga. Assim que se formou em direito, em 1959, Sansão prestou concurso para juiz. E foi com a ajuda dos livros da BPP que foi aprovado. “Eu emprestava muitos livros da biblioteca nessa época, principalmente de Direito. A doação é uma forma de retribuir essa ajuda.”

A primeira biblioteca
Viciado em livros, mas sem dinheiro para comprá-los, a aprovação no concurso para juiz lhe rendeu um duplo presente. Além de garantir um emprego, ganhou um incentivo financeiro do pai para formar sua primeira biblioteca. “Quando eu fiz o concurso para a magistratura, meu pai me deu 50 milhões de cruzeiros, não sei quanto vale isso hoje. Mas aí eu comprei tudo o que queria. Porque antes passava na livraria e não podia comprar. Às vezes ficava tardes inteiras na livraria só folheando os livros, sem comprar nada. Eu não tinha nenhum livro até então, mas a partir daquele dia comecei a minha própria biblioteca.”

perfil do leitor
O gosto pelo estudo acompanhou Sansão por toda a vida. Além do curso de direito, também se formou em Ciências Econômicas e deixou inacabado um curso de Filosofia. Estudo que o levou a cargos como o de diretor do curso de Direito na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e de juiz de Direito e juiz auditor da Justiça Militar.

Mas, paralelamente aos processos e teses acadêmicas, Sansão mantinha sempre um romance ou biografia debaixo do braço. As biografias, diz ele, sempre o ajudaram a entender não apenas a vida de grandes personalidades e o momento histórico em que viveram, mas sobretudo em questão práticas do cotidiano. “Por meio da biografia você acaba aprendendo muita coisa, não somente restrito à história em si. Como tenho formação de economista, essas coisas me interessam, gosto de saber como era a economia de outros tempos, como os chefes de Estado resolveram determinados problemas. A história vem te dizendo. É aquele negócio que o Nietzsche dizia: quanto mais se muda, mais é a mesma coisa. No fluxo e refluxo do livro, você vai chegar à conclusão de que o que mudou? A paisagem, o cenário, a decoração e a maneira de vestir. O homem em si continua o mesmo. O que tem de errado, continua igual.”

Escritores preferidos
Entre os prosadores, Eça de Queiroz é considerado “o máximo” pelo professor, que leu toda a obra do escritor português ainda na adolescência. “Papai dizia que o português bem escrito era o de Portugal. Então fazíamos uma espécie de campeonato, sabíamos de cor um monte de coisas dos livros dele.” Seguindo a recomendação do patriarca, Sansão foi fundo na tradição literária de nossos colonizadores, mandando ver doses cavalares de Camões, Padre Antonio Vieira e Camilo Castelo Branco.

Outra paixão arrebatadora de Sansão foram os hispano-americanos dos anos 1970, a turma de Gabo, Vargas Llosa.e Onetti, que agitaram a cena literária latino-americana com obras poderosas como Cem anos de solidão e Junta cadáveres. “Um amigo chamado Claudio Lacerda, que estava sempre viajava para os países de língua espanhola, me trazia muitos livros. Então li todos os grandes quando eles estavam lançando seus livros. Borges, Onetti, Roa Bastos”, diz Sansão, que além da língua mãe, lê em espanhol, francês e inglês.

Mas claro que a literatura brasileira não foi negligenciada pelo leitor Sansão, que leu com devoção todo os grandes escribas brasileiros, com especial entusiasmo por Graciliano Ramos. “Com o Graciliano cheguei a ousadia de fazer um argumento para Vidas secas. Mas o Nelson Pereira do Santos me furou. Com Memórias do Cárcere foi a mesma coisa.” O roteiro de Vidas secas não saiu, mas Sansão acabou cometendo um outro roteiro, inspirado em uma figura lendária que perambulava pela famosa Boca Maldita, no centro de Curitiba. Esmaga ou opinião universitária se baseava nas histórias de Alvino Guimarães da Cruz, conhecido como Esmaga, que segundo Sansão, “vivia filando uns trocados dos conhecidos e estava sempre disposto a destilar sua filosofia. O Esmaga era um espetáculo.”

Entre 1957 e 1958, o professor Sansão passou uma temporada nos Estados Unidos. Estudava em Greenwich Village, o bairro boêmio e artístico de Nova York que Holden Caulfield, o personagem de O apanhador no campo de centeio, de J. D. Salinger, perambula após ser expulso da escola. “Tive um contato com a literatura americana que estava sendo feita à época. De John Steinbeck a Philip Roth”. Era o prenúncio de uma vida de leitura que prometia — e se confirmou — ser brilhante.