Na biblioteca de Antonio Cescatto

Madrugada acesa

Há 40 anos, o publicitário e escritor Antonio Cescatto compra e lê mais de 1 livro ao mesmo tempo, o que resultou em um acervo de 2 mil títulos, incluindo obras de psicologia, ciência, crítica, teoria e, principalmente, literatura


Marcio Renato dos Santos
Fotos Kraw Penas
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Caótica. Assim Antonio Cescatto, 58 anos, define a sua biblioteca. O curitibano acumulou 2 mil títulos durante mais de quatro décadas, incluindo passagem por 7 casas até se estabelecer, em 2001, em um apartamento no bairro Ahú, na capital paranaense. “Perdi muita coisa nas mudanças, incluindo preciosidades literárias, mas também incorporei obras das bibliotecas de uns amigos. Isso é normal, faz parte do fluxo da vida”, diz o leitor que não pede emprestado e também não empresta livros.

O apego à coleção não está, por exemplo, relacionado ao fato de ter os livros acessíveis para uma releitura. Ele não costuma reler, apesar de que, recentemente, revisitou a obra de Julio Cortázar, “uma paixão antiga”. Prefere não emprestar nenhum título da biblioteca porque tem o hábito de fazer anotações nas páginas, a respeito do que lê, mas principalmente por registrar ideias que já resultaram em obras autorais, como o romance O mundo não é redondo (2010) e as novelas Preponderância do pequeno (2011) e Cloaca (2012).

Os livros de literatura ocupam a maior parte da biblioteca. Há prateleiras em 4 cômodos do apartamento com obras, entre outros autores, de Dante Alighieri, Elvira Vigna, Philip Roth, Oswald Andrade, Vladimir Nabokov, Cyro dos Anjos e Karl Ove Knausgaard.

Cescatto comenta que, desde menino, é leitor de prosa e também de poesia. Concluiu o curso de Medicina, mas não exerceu a profissão na qual pensou que poderia colocar em prática um conhecimento específico. A partir da década de 1980, tornou-se publicitário, inicialmente como redator e, em seguida, diretor de criação.

Volta de viagens, de trabalho ou férias, com livros na bagagem, muitos comprados em sebos. Também frequenta livrarias e faz aquisições pela internet, neste caso, de títulos em inglês, espanhol, francês e italiano — idiomas que aprendeu a ler sozinho, consultando dicionários.

Ele diz que só compra o que realmente pretende ler. “Quero usufruir agora, imediatamente, mas nem sempre consigo. E só entra na minha biblioteca o que me interessa.” Além da literatura, tem interesse em livros de psicologia, como Outros escritos, de Jacques Lacan, e também em obras científicas, por exemplo In search of memory, de Eric R. Kandel, crítica de arte — An anthropology of images, de Hans Belting, e outras áreas do conhecimento.

A leitura, para Cescatto, exige silêncio quase absoluto e isolamento. Casado com a fotógrafa Juliana Stein, pai de Nina, 11 anos, e de Pedro, 4, procura brechas para ler por pelo menos duas horas todo dia, de manhã ou, recentemente, durante as madrugadas: “Preciso estar na companhia de 5 ou 6 livros. Faz parte da minha rotina.”

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Minima moralia (1951), de Theodor W. Adorno

“Um dos livros extraordinários que li nos últimos tempos, em edição inglesa. O renomado intelectual alemão escreveu esta obra, no final da Segunda Guerra, que dialoga profundamente com os impasses do mundo contemporâneo.”

 

 

 

 

The crack-up (1936), de F. Scott Fitzgerald

“Essa edição inglesa, organizada por Edmund Wilson, traz alguns textos de Fitzgerald, em especial a peça The crack-up. Trata-se de um testemunho da derrocada do autor, ícone de uma geração, escrita pouco antes dele morrer, em 1940.”


Ferdydurke (1937), de Witold Marian Gombrowicz
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“Gombrowicz, polonês que se radicou na Argentina, escreveu este livro incrível, em que um adulto é recolocado em uma escola. A obra faz um elogio à imaturidade. Afinal, ser imaturo tem lá as suas vantagens, não é necessariamente algo ruim, como muita gente insiste em dizer.”

 

No longer human (1948), de Osamu Dazai

“Esse autor japonês, Osamu Dazai (1909-1948), teve uma vida relativamente curta e, em No longer human, ele se vale de um humor surpreendente para apresentar um anti-herói lírico: o protagonista é um garoto que passa privações em Tóquio.”

 

A guerra está em nós (1968), de Marques Rebelo

“Terceira parte da trilogia O espelho partido, A guerra está em nós é um dos raros livros que sempre estou relendo. Escrito em forma de diário, o texto mistura ficção e realidade para apresentar um painel do Brasil entre 1940 e 1945, que parece muito com o país agora.”

 

Malagueta, Perus e Bacanaço (1963), de João Antônio

“Outro livro que costumo reler. O escritor paulistano João Antônio (1937-1996) foi um artista. Ele construiu frases incríveis para mostrar um velho salão de sinuca, onde três amigos se encontram. É impressionante como o autor domina o coloquial.”

 

Seven men and two others (1950), de Max Beerbohm

“O livro, do renomado autor inglês, traz um dos contos mais perfeitos que conheço, ‘Enoch Solmes’, no qual o personagem é um escritor que pretende garantir o nome na posteridade e, para realizar o que deseja, faz um pacto com aquele que a gente não deve pronunciar o nome (diabo).”

 

Plays (edição de 1982), de Heinrich von Kleist

“Sou um leitor de textos de teatro. Tenho uma coleção com o teatro completo de Bernard Shaw. Mas este livro, Plays, é um dos meus favoritos. É uma coletânea com peças de Heinrich von Kleist, autor alemão que soube, como poucos, fazer a releitura de mitos clássicos.”

 

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