Capa | A experiência Grafipar

Ben-Hur Demeneck


Num único mês, a editora Grafipar levou às bancas brasileiras 48 edições inéditas e um volume total estimado em 1,5 milhão de exemplares. Chegavam à sede da editora curitibana 1,5 mil cartas de leitores por semana. Fora os números, a casa editorial estimulou a formação de uma inédita “vila de quadrinistas” e balançou a censura com publicações eróticas durante os anos 1970 e 1980.


Todas as edições da Grafipar que ocuparam as bancas brasileiras foram ampliações de seções originais da revista Peteca. “Eu considerava a Peteca um produto eróticoeducativo, porque, mais que oferecer material para a masturbação, ela também fazia uma orientação sexual para adolescentes”, explica o criador da editora, Faruk El Khatib, enfatizando que é preciso imaginar o que isso significava em 1976, sob a ditadura Geisel


Gian Danton, autor de Grafipar: A editora que saiu do eixo (2012), acompanhou as publicações da editora por quase 10 anos quando morava em Belém do Pará. Ele diz que as histórias eróticas tinham certa poética, o que as diferenciava do “açougue” que eram as publicações semelhantes. Mais que o roteiro, predominava o domínio da linguagem dos quadrinhos.


“Rettamozo e Rogério Dias, que não eram exatamente quadrinistas, foram bastante  importantes no começo da Grafipar”, contextualiza Danton sobre a força editorial das HQs. Entre os muitos colaboradores, trabalharam para a editora nomes como Alice Ruiz, Paulo Leminski, Mozart Couto e Nelson Padrela. Luiz Rettamozo comete uma inconfidência ao lembrar de um famoso colaborador, Pinus Eliot. “Ele não existia. Era só o Rogério Dias publicando sob pseudônimo.”


Em termos estéticos, o quadrinista Cláudio Seto confirmaria sua posição de precursor do mangá. “Ele produzia em linguagem de mangá, mas com toque nacional”, classifica o autor Gian Danton. Além de antecipar a tendência, fez a sua antropofagia, abrasileirando-a. “Diferentemente das publicações de mangás, que se popularizaram nos anos 1990, com brasileiros imitando descaradamente as obras japonesas”, compara Danton. 


A liderança e arte de Cláudio Seto são lembrados por todos os entrevistados. Para Danton, Seto era mais que artista, era uma pessoa “muito correta”. Segundo Faruk Al Khatib, “Seto era um paizão, alguém que sabia das dificuldades do mundo artístico. Uma pessoa que dava oportunidade para todos”. A história de Seto é contada no documentário O samurai de Curitiba, dirigido por Rober Machado e José Padilha, em 2011. 


É importante dizer que os quadrinhos não foram a primeira opção da Grafipar. Em meio às publicações de Faruk, o crescente interesse dos leitores por HQs deu base econômica para a enxurrada de títulos. É quando surge a “Vila dos Quadrinistas”, no bairro São Brás. Tratava-se de um núcleo editorial na era pré-internet, formado por artistas que se mudaram para Curitiba especialmente para fazer narrativas gráficas.


“Muita gente reconhece o valor da Grafipar, só não fala em público dessa importância”, ironiza Faruk El Khatib. Ele percebe que a academia ainda torce o nariz para falar de como a editora Grafipar abriu horizontes para a liberdade de expressão.