TRADUÇÃO | Yuliana Ortiz Ruano 30/06/2023 - 10:56

Canções do fim do mundo

 

Canto XVI

 

Sei de pais apaixonados por suas filhas.

Sei de filhas

que amam suas mães.

Sei de mães

iludidas com os filhos de outras.

Sei de mulheres

que comem seus filhos

e os vomitam nas encostas.

Sei de uma casa

cheia de arraias ferozes

como lençóis sobre as camas úmidas

e crocodilos como corsários de meninas virgens.

 

Manter os olhos para fora é difícil

não só pelas pedrinhas que fazem morada

entre suas córneas, mas porque por dentro

tudo é treva.

Sei de ossos

músculos nervos linfa

mas não consegui me ver sangrar.

 

O sangue tem todas as nossas informações;

pintar com sangue é se colocar em exposição.

A menstruação em latas de lixo

está carregada de nossa história.

 

Sei de pitonisas

que leem o futuro sugando nosso sangue

como mosquitos de carne e osso.

Eu sangro oito dias por mês para esquecer de mim,

para que a compressa,

além de levar um óvulo morto, leve minha infância,

e que ela apodreça debaixo da terra.

Sei de estradas

e da fauna equatorial,

mas não consigo ler o livro

escrito em minha corrente sanguínea.

 

Um poema

é uma gota de sangue

na garupa de um cavalo branco

que corre apavorado e lê o

                         Poema/ Gota/ Sangue

para o coração

das pedras

esquecidas no rio.

Canto XVI

 

Sé de padres enamorados de sus hijas.

Sé de hijas

que aman a sus madres.

Sé de madres

ilusionadas con los hijos de otras.

Sé de mujeres

que se comen a sus hijos

y los vomitan en las laderas.

Sé de una casa

llena de fieras mantarrayas

como sábanas sobre las camas húmedas

y cocodrilos como corsarios de niñas vírgenes.

 

Tener los ojos hacia afuera es difícil

no solo por los guijarros que hacen hogar

entre tus córneas, sino porque hacia adentro

todo es tiniebla.

Sé de huesos

músculos nervios linfa

pero no he podido verme sangrar.

 

La sangre tiene toda nuestra información;

pintar con sangre es ponerte al descubierto.

La menstruación en los botes de basura

está cargada de nuestra historia.

 

Sé de pitonisas

que leen el futuro chupando nuestra sangre

como mosquitos de carne y hueso.

Sangro ocho días al mes para olvidarme de mí,

para que la compresa,

además de llevarse un óvulo muerto, se lleve mi niñez,

y que ella se pudra bajo la tierra.

Sé de carreteras

y de fauna ecuatorial,

pero no puedo leer el libro

escrito en mi torrente sanguíneo.

 

Un poema

es una gota de sangre

sobre la grupa de un blanco equino

que corre despavorido y lee el

                         Poema/Gota/Sangre

al corazón

de las piedras olvidadas

en el río.

 

***

 

Dummy #21/04

 

Para Nicole2, Olmedo, Aaron, Ana e o garoto da câmara

 

Tantas vezes fui mãe / Inúmeros partos / Partos como deusas / Partos que me fizeram água / Dou à luz todos os dias / filhos que apanho nos bares, / filhos que encontro como astros presos na areia da praia / Crianças magras e doentes / Crianças azuis como a asfixia / Crianças que como eu vagam pelas ruas sem volta / De onde vem seu sangue ardente e para onde vai / Como dissipar a dor diária / Caminhamos todos de mãos dadas por calçadas selvagens / Take a walk on the wild side my friend / Eles pintam arco-íris no meu plexo / Eles me deram o amor necessário para dissipar o caos que me habita / Take a walk on the wild side babe / E me dão as mãos / Bebemos até incharmos como balões de hélio / Bebemos e a cidade se torna uma doce e etérea sinfonia / Cores venenosas se injetam em nossa íris / E ninguém entende nosso amor / Nos expulsam da praça por beijarmos a sete bocas / Nos expulsam dos bares por enfiar as palmas nas entranhas / nos expulsam das ruas nos expulsam / Ninguém entende um amor de mais de duas cabeças / Take a walk on the wild side coisinha gostosa como a anarkocumbia de madrugada / E a gente se dá as mãos / A calçada selvagem estremece nós estremecemos com ela / Take a walk on the wild side meuamor / a noite nunca mais chorará sozinha.

Dummy #21/04

 

A Nicole2, Olmedo, Aaron, Ana y el chico de la cámara

 

He sido madre tantas veces / Innumerables partos / Partos como diosas / Partos que me hicieron agua / Doy a luz todos los días / hijos que recojo en los bares, / hijos que me encuentro como astros adheridos en la arena de la playa / Niños delgados y enfermos / Niños azules como la asfixia / Niños que como yo deambulan en calles sin retorno / De dónde viene su sangre incendiada y hacia dónde va / Cómo disipar el dolor a diario / Caminamos todos de las manos por aceras salvajes / Take a walk on the wild side my friend / Ellos pintan arcoíris en mi plexo/ Ellos me han dado el amor necesario para disipar el caos que me habita / Take a walk on the wild side babe / Y me dan la mano / Bebemos hasta hincharnos como globos de helio / Bebemos y la ciudad se convierte en una sinfonía dulce y etérea / Colores venenosos se inyectan en nuestro iris / Y nadie entiende nuestro amor / Nos echan de la plaza por besarnos a siete bocas / Nos echan de los bares por meter las palmas en las vísceras / nos echan de las calles nos echan / Nadie entiende un amor de más de dos cabezas / Take a walk on the wild side pequeña cosita sexi como anarkocumbia de la madrugada / Y nos tomamos de las manos / La acera salvaje tiembla nosotras temblamos con ella / Take a walk on the wild side miamor / la noche nunca más llorará a solas.

 

***

Dois amantes separados pelo Atlântico são um cavalo de ferro em chamas:

 

Dizem que quando se corta o vértice de uma estrela de lama cósmica milhões de anjos choram / suas lágrimas caem em forma de relógios líquidos e entram em nossos poros / nos lembrando que o tempo é curto e simples / que não há maneira alguma de nos salvar do amor / Não haverá escapatória para nossos corpos / mórulas violetas nadando no ventre do mar / Imagino nosso encontro como um holocausto / onde os habitantes microscópicos que transportamos diariamente / festejam e comem nossas peles até desaparecermos / Celebro esta dor como celebrarei a união das nossas terras numa só / aqui e agora / não pode ser verdade se não mergulhar comigo no ventre de água que nos viu nascer como um só / Digo-te que sim / que o mar é única mãe nossa / coração salino capaz de nos acolher a todas / Voltar ao mar e deixar que nos banhe de novo é abrir a porta ao caos do amor / que é a calmaria necessária a todas que doemos.

Dois amantes separados pelo Atlântico são um cavalo de ferro em chamas / Dois amantes separados pelo Atlântico são um cavalo de ferro em chamas / Dois amantes separados pelo Atlântico são um cavalo de ferro em chamas / Dois amantes separados pelo Atlântico são um ferro cavalo em chamas / Dois amantes separados pelo Atlântico são um cavalo de ferro em chamas / Dois amantes separados pelo Atlântico são um cavalo de ferro em chamas / Dois amantes separados pelo Atlântico são um cavalo de ferro em chamas.

 

 

 

Eu

única amante separada do teu corpo

sou um cavalo de ferro em chamas.

Dos amantes separados por el Atlántico son un caballo de hierro en llamas:

 

Se dice que cuando cortas el vértice de una estrella de barro cósmico millones de ángeles lloran / su llanto desciende en forma de relojes líquidos y se nos mete por entre los poros / recordándonos que el tiempo es corto y sencillo / que no hay manera alguna de salvarnos del amor / No habrá escapatoria para nuestros cuerpos/ mórulas violetas nadando en el vientre del mar / Imagino nuestro encuentro como un holocausto / donde los habitantes microscópicos que transportamos a diario/ celebran y comen nuestras pieles hasta desaparecernos/ Celebro este dolor como celebraré la unión de nuestras tierras en una sola / aquí y ahora / no puede ser cierto si no te sumerges conmigo al vientre de agua que nos vio nacer en uno solo / Te digo que sí / que el mar es la única madre nuestra / corazón salino capaz de acogernos a todas / Volver al mar y dejar que nos bañe otra vez es abrirle la puerta al caos del amor / que es la calma necesaria para todas las que dolemos.

Dos amantes separados por el Atlántico son un caballo de hierro en llamas / Dos amantes separados por el Atlántico son un caballo de hierro en llamas / Dos amantes separados por el Atlántico son un caballo de hierro en llamas / Dos amantes separados por el Atlántico son un caballo de hierro en llamas / Dos amantes separados por el Atlántico son un caballo de hierro en llamas / Dos amantes separados por el Atlántico son un caballo de hierro en llamas / Dos amantes separados por el Atlántico son un caballo de hierro en llamas.

 

 

 

Yo

única amante separada de tu cuerpo

soy un caballo de hierro en llamas.

 

 

 

 

Yuliana Ortiz Ruano nasceu em Esmeraldas, Equador, em 1992. Licenciada em Literatura com ênfase em Artes e Escrita, publicou Canciones Desde el Fin del Mundo (Libero Editorial, Madrid, 2021) e Cuaderno del Imposible Retorno a Pangea (Ediciones Libros del Cardo, Valparaíso, 2021 / Recodo Press, Quito, 2021 / Amauta & Yaguar, Buenos Aires, 2022). Foi selecionada no Translator Choice II do Festival de Poesia Latinoamericana Latinale, organizado pelo Instituto Cervantes de Berlim. Fiebre de Carnaval (La Navaja Suiza, 2022), sua primeira novela, ganhou o prêmio IESS Primo Romanzo Latinoamericano, na Itália, em 2023.

A tradutora nina rizzi também é escritora, pesquisadora e professora. Autora de livros como tambores pra n’zinga (Multifoco, 2012), sereia no copo d’água (Edições Jabuticaba, 2019), caderno-goiabada (Edições Jabuticaba, 2022) e o infantil A Melhor Mãe do Mundo (Companhia das Letrinhas, 2022). Formada em História pela Unesp e mestra em Literatura Comparada pela UFC, traduziu, entre outras obras, livros de Alejandra Pizarnik, Susana Thénon, bell hooks, Alice Walker, Toni Cade Bambara, Ijeoma Oluo e Abi Daré (finalista do Prêmio Jabuti 2022 na categoria tradução).

Os poemas publicados pelo Cândido fazem parte do livro Canções do Fim do Mundo, que será lançado no Brasil pela Edições Flecha.