POEMAS| Douglas Laurindo 31/07/2023 - 16:01

 

O primeiro poema para o príncipe da vez e outros poemas


 

O primeiro poema para o príncipe da vez

“Só se é capturado no afeto”

(Botho Strauss)

 

Dois sóis alumiam

o que há de empoeirado dentro

do silêncio, do grão, do espaço

entre a areia que resguarda a concha

um instante antes de as tartarugas

chegarem às águas vivas

 

captura é a poética de quando

se atravessa um estado inteiro

em cima de uma bicicleta

com pneus resistentes às estradas

de um país fraturado

 

e que apesar disso há o som

a escolha e o desejo de assalto

quando de um atravessamento

 

longínquo

 

 

 

vênus de willendorf  

 

A partir de Carla Diacov e para ela 

 

a vênus de willendorf  

por ter a capacidade aberta  

ritualiza os poros fertiliza na vulva 

a terra achada porque o excesso 

mesmo com nódoas é para 

a vênus de willendorf ter  

valido  

 

a especialidade da vênus  

é parecer um artefato muito raro  

de willendorf é o que apontam  

os historiadores  

 

a vênus de aparente gorro 

pertence ao ritual e sua capacidade  

é de esquivar-se da própria história 

quando a fundo tentam dizê-la 


 

*

 

Vincent serpenteia o pescoço 

que sustenta a órbita. Alonga-o 

como íbis que procura, nas zonas  

inundadas, a seiva. Vincent não  

liga se rala o próprio joelho no chão  

de tijolos secos. Sustenta o seu fôlego 

enquanto do cóccix se origina uma  

agulha alaranjada que pinica, ouriça  

e quase simula a piracema de um 

grito. É que Vincent faz da língua  

o verbo que arranca a neblina. Há  

algo risível no modo como segura 

a si mesmo entre a virilha de um homem 

e uma pia sem cano.

 


 

Douglas Laurindo (Manaus-AM) é professor de língua portuguesa, escreve, edita e se dedica à pesquisa. É autor de O Limiar das Fendas (Urutau, 2022).