Capa | O Brasil segundo a ficção

Cândido seleciona dez livros que discutem o Brasil por meio da ficção


Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis

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Lançado em 1881, Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, brinca com uma forma narrativa cheia de comentários, alusões e citações, feitas pelo autor-defunto Brás Cubas, que decide escrever suas memórias depois de morto. Além de um ágil ir e vir típico do movimento da memória, a narrativa ainda traz uma pitada de humor melancólico ao expor os privilégios da elite da época, o que torna o romance tão precioso, uma vez que Machado conseguiu criticar a burguesia sutil e inteligentemente apresentando uma visão mais interna e psicológica. Com esse texto, além de grande independência e originalidade, Machado viria a inaugurar o padrão moderno nas letras nacionais, rompendo muitas das convenções literárias de sua época. É considerado o divisor de águas na carreira literária do autor que, a partir deste romance, rompe os laços com o romantismo e passa a escrever sob um viés mais realista.

Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto

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Publicado primeiramente em folhetim no ano de 1911, Triste fim de Policarpo Quaresma ganharia edição em livro apenas em 1915. No romance, Lima Barreto conseguiu traduzir os impasses do Brasil de seu tempo se valendo da ironia. Vivendo de idealismos nacionais, o major Policarpo Quaresma retrata suas desventuras e desencantos com a pátria amada em três momentos distintos de sua vida: primeiro como um funcionário público que vive em seu gabinete cheio de livros; depois como um proprietário rural em terras inférteis, como não imaginava existir; e, por fim, como um soldado voluntário na Revolta Armada, em 1893. A rejeição de Barreto ao eruditismo e ao rebuscamento estilístico se explica como uma postura de oposição à chamada elite literária, o que gerou muitas críticas ao autor. Tal coloquialismo é visto como uma antecipação de características defendidas pelos modernistas, inserindo assim Triste fim de Policarpo Quaresma no pré- -modernismo brasileiro.

Macunaíma, de Mário de Andrade

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Redigido em seis dias, Macunaíma é considerado a obra mais expressiva do modernismo brasileiro. Fundindo lendas indígenas com a cultura da metrópole, o livro foi influenciado pela leitura que Mário de Andrade fez da obra do antropólogo alemão Theodor Koch-Grünber, que havia estudado as lendas e os mitos brasileiros. Macunaíma, o personagem principal, sai da selva amazônica, onde vivia preguiçosamente de comida e sexo, e vai para São Paulo a fim de recuperar a muiraquitã — talismã que dele foi furtado. Durante todo o trajeto na cidade grande, são muitas as metamorfoses pelas quais passa o protagonista e outros seres folclóricos do livro. A obra veio a romper com o tempo e espaço dos romances tradicionais da época. A solenidade do tom épico-lírico, a leveza da crônica cômica, a sem-cerimônia e os atrevimentos da paródia, fizeram do livro uma das mais ousadas e eficientes experiências formais da primeira geração do modernismo brasileiro.

Morte e vida Severina, de João Cabral de Melo Neto

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Lançado originalmente no livro Duas águas, em 1956, Morte e vida Severina é um longo poema que harmoniza forma e temática social de maneira exemplar. Retirante do agreste devido à seca e miséria paraibana, Severino luta pela sobrevivência seguindo rumo ao litoral. Pelo caminho, em busca de uma vida digna, depara-se com diversas facetas da morte — causada pela seca, pela fome, que corrói as entranhas do país. A simplicidade e concentração encontrada no poema, assim como as fortes imagens visuais e auditivas, chegam muito próximo a uma linguagem de registro oral.

 

Os sertões, de Euclides da Cunha

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O romance Os sertões surgiu de uma reportagem encomendada pelo jornal O Estado de S. Paulo. Encarregado de cobrir a Guerra de Canudos (1896-1897), Euclides da Cunha descreve a geografia e a população do sertão baiano em seu livro, publicado em 1902. Sob o plano da objetividade científica, o autor não deixa de ficar indignado e espantado com o que testemunha no interior da Bahia. Descreve o contraste cultural nos dois “Brasis”: o do sertão e o do litoral, criticando o nacionalismo exacerbado da população litorânea. É um relato que incomoda por mostrar os séculos de atraso e miséria da região. Com a descrição rigorosa de um observador e grande habilidade na construção de imagens, Euclides em seu Os sertões influenciou várias gerações de autores e foi considerado a base de um regionalismo mais maduro que viria influenciar nomes como Graciliano Ramos e José Lins do Rego.

O cortiço, de Aluísio de Azevedo

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O romance foi publicado em folhetins por volta de 1890. Transformando o espaço coletivo de um cortiço no personagem central de sua história, Azevedo conta, por meio dos moradores da estalagem, a ambição e exploração do homem pelo homem. Abolicionista, anticlerical e crítico da sociedade maranhense, o autor fala mais fundo ainda ao descrever toda a sujeira, podridão e promiscuidade criticamente, mostrando a miséria do proletariado urbano e posicionando- se de maneira solidária junto ao povo do cortiço.

Vidas secas, de Graciliano Ramos

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Vidas secas
, publicado em 1938, é o romance mais estudado e lido de Graciliano Ramos. O romance também tornaria o autor o maior prosador do chamado regionalismo da Geração de 30. O personagens do livro fazem parte de uma família de retirantes que se lança do sertão nordestino em busca de uma vida melhor na cidade grande. Os personagens Fabiano e a cachorra Baleia, de tão fortes, entraram para o imaginário popular brasileiro, pois são caracterizados como criaturas em constante embate com o meio, hostil e degradante. A ausência de linguagem, de comunicação entre os familiares durante a jornada, deixa transparecer a insegurança e falta de fé na caminhada agonizante que eles realizam, utilizando a força imagética da angústia de uma cadela e seu sacrifício.

Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa

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Grande sertão: Veredas
é a uma narração em primeira pessoa das aventuras de Riobaldo pelo sertão mineiro. O protagonista conta sua vida a um “senhor” cuja identidade permanece oculta no livro. Riobaldo anseia por negar a existência do demônio, com quem fez uma pacto para matar o jagunço do bando rival, Hermógenes. Repleto de neologismos, arcaísmos recuperados e linguagem coloquial, Grande sertão: veredas revela o Brasil profundo por meio de uma narrativa ao mesmo tempo, lírica e selvagem.

São Bernardo, de Graciliano Ramos

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Publicado em 1934, antes de Vidas secas, São Bernardo é considerado um dos mais famosos romances brasileiros. O narrador e protagonista, Paulo Honório, faz uma retrospectiva de sua vida, rememorando seus dias desde guia de cego até proprietário da tão cobiçada fazenda São Bernardo. Tratando de uma tragédia rural, o narrador escreve com um único e claro objetivo: compreender a razão do suicídio de sua esposa, Madalena, por meio de suas lembranças e análise dos fatos. Nessa tragédia rural, o estudo psicológico feito pelo romancista tornou-se um dos mais exemplares da literatura brasileira. O último capítulo do livro, encerra São Bernardo de modo perturbador: sem conseguir dormir, sozinho, o protagonista faz as contas da própria existência.

Viva o povo brasileiro, de João Ubaldo Ribeiro

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Com mais de 700 páginas, Viva o povo brasileiro ganhou as prateleiras em 1984. Recontando com maestria pouco mais de três séculos de uma anti-história do Brasil, o romance épico por excelência está centrado na ilha de Itaparica — campo de batalhas indígenas e grandes farras antropofágicas, devastado no século 17 pela infantaria holandesa. A fim de construir uma identidade do povo brasileiro, o autor utiliza paródias e o uso de diferentes registros, como o culto e o popular, o lusitano e o nacional. Os personagens do romance são os excluídos da história oficial: negros, índios, portugueses e holandeses, que representam a recontagem critico-satírica da história do país, denunciando a devassidão presente no processo de formação do povo brasileiro. Incorporando fragmentos de documentos orais e escritos, o livro exalta os “heróis de nossa gente”, apresentando diversas nuances de nossa evolução, tornando-o uma das obras mais significativas, do ponto de vista estilístico e político, da literatura contemporânea brasileira.