Cândido indica

O país que não teve infância
Antonio Callado, Autêntica, 2017
Nos estertores da ditadura militar, Antonio Callado (1917–1997) assinou uma coluna semanal, chamada “Sacada”, na revista IstoÉ. Oitenta e seis desses textos, inéditos em livro, foram publicados ano passado, pela Autêntica, em O país que não teve infância. O jornalista discutia os temas urgentes daquele período, que até parece que são os mesmos de 2018: impasses da educação, autoritarismo, questões indígenas e falta de rumo para o país. O texto do escritor, autor do romance Quarup (1967), é magistral. E, devido à fluência do discurso escrito e à capacidade de articular ideias, qualquer assunto se torna interessante, seja um encontro com amigos ou o relato de uma participação na Feira do Livro de Porto Alegre.

Typographo
Ricardo Silvestrin, Patuá, 2016
Ricardo Silvestrin faz poemas a respeito de vários assuntos: plantação, frutas, dança, estações do ano, ovo, viagem, cigarro, silêncio, fotografia e festa. E, de modo geral, o poeta acerta a mão, a exemplo do que ele escreve, talvez involuntariamente, em “Hoje”: “Não é preciso dizer muita coisa,/ só a coisa certa./ A hora certa de dizer a coisa toda,/ a hora de ficar em silêncio.” Coloquial, melódica e imersa na realidade, a poesia de Silvestrin reunida neste Typographo também bebe no legado cultural grego, sempre reflexiva, mais questionadora do que conclusiva. Tudo isso pode ser conferido no texto poético “Como”: “Como se faz um poema? —/ alguém pergunta,/ Se eu soubesse,/ faria uma dúzia.”

Mecânica dos fluidos
ReNato Bittencourt Gomes, Imprensa Oficial do Paraná, 2001
Nascido em Telêmaco Borba (PR), ReNato Bittencourt Gomes morava no Rio de Janeiro quando estreou na literatura, com Mecânica dos fluidos — reunião de 22 contos. Naquele contexto, ele era revisor e revisou, entre outros títulos, Gênio, de Harold Bloom, com suas 828 páginas. Atualmente radicado em Curitiba, o escritor elaborou ótimas primeiras frases para o seu debut, o que se confirma em “Iniciação”: “Quando me foi dado te conhecer, eu era um bode velho, judiado, feito de incertezas”. “Uma senhora” também traz abertura instigante: “Já rolei por aí, conheci gentes e lugares, já estive com fêmeas de variadas configurações, incluindo o formato grande”. Não apenas os inícios, mas as narrativas como um todo possuem força, potência que se confirmou nos livros que publicou posteriormente.

1
2
3

1
2
3


Extensão do domínio da luta
Michel Houellebecq, Editora Sulina, 2011
“Não gosto deste mundo. Definitivamente, não gosto dele. A sociedade na qual vivo me desgosta.” É assim que, a certa altura de sua vida, o narrador-protagonista deste romance se expressa, já com o saco cheio de sua rotina tediosa de programador de sistemas de computador. Aos 32 anos e divorciado, o inominado anti-herói é conduzido por uma breve e tortuosa jornada de autodescoberta, passando por bebedeiras, dias enfadonhos de trabalho e relações mecânicas. Este que é o primeiro livro do francês Michel Houellebecq já explora os elementos e temas que tornariam o autor notório: cumplicidade entre forma e conteúdo, banalidades da vida, o tédio, invectivas contra o Islã, perversões sexuais e o desespero de ser humano. 

Muitas línguas, uma língua: a trajetória do português brasileiro
Domício Proença Filho, José Olympio, 2017
Domício Proença Filho acaba de publicar um livro a respeito das origens e processos da língua falada no Brasil. A obra, de 672 páginas, percorre a história do idioma a partir de textos, literários ou não, poemas e cânticos africanos, entre outras fontes. Proença Filho pesquisou durante 15 anos para, enfim, escrever e finalizar o trabalho. De acordo com o também acadêmico e historiador Evaldo Cabral e Mello, “Muitas línguas, uma língua não se contenta com aqueles aspectos convencionalmente tratados nas obras brasileiras de linguística, mas examina de perto as relações da língua com a literatura, com o teatro e a música popular, com o papel do rádio e da televisão na difusão. A riqueza dos temas examinados não é a única surpresa agradável destas páginas, ilustradas por uma quantidade de textos da mais diversa origem”. 

O som do Pasquim
Org.: Tárik de Souza, Desiderata, 2009
Esta coletânea reúne 10 entrevistas com personalidades da música popular brasileira realizadas coletivamente pela equipe do jornal O Pasquim. Os encontros aconteceram durante a década de 1970 e alguns pontos de vista, como é o caso de Aguinaldo Timóteo, tiveram pedido de desculpas para esta edição. Em 1972, Timóteo “pichou” Caetano Veloso, Chico Buarque, Milton Nascimento e Tom Jobim. “Nos dias de hoje, eu jamais cometeria uma grosseria envolvendo Caetano Veloso”, retrata-se o entrevistado. Já as entrevistas com Caetano, Chico e Tom Jobim são irretocáveis, uma vez que ajudam a entender o projeto artístico e coerente deles. Moreira da Silva conta, por exemplo, que comprou “Na subida do morro”, de Geraldo Pereira, por “um conto e trezentos”. Há outras, muitas, revelações neste tesouro que é O som do Pasquim.