Do abrupto

Molhar as plantas

Comprar sabão

Depenar as frutas

Saudar os óculos

as ruas largas de uma cidade pequena

as menores ruas de uma cidade imensa

as ruas sem saída, escadas sem destino

nada disso importa, nada disso, nada

Mapas

I

Quando nos encontramos sob o clarão

de um dia —

na hora mais viva —,

o nervosismo mastiga as unhas

o frio eriça os pelos do braço

a vergonha tem bochechas vermelhas

o tesão faz despencarem cataratas, ergue monumentos

a tristeza é um animal de asas quebradas

viajante do tempo operário de passagens

fazendo um rastro úmido no céu da boca

desde o lábio superior ao fim da garganta

Estamos cercados de tantas mortes que a morte já não é uma questão de tempo mas de espaço

por isso o fim dos tempos (soterrado)

*

cintila no chão

da manhã é outono

cintila triângulo

sobre o cimento

queimado, craquelado

cintila como os triângulos

acordei olhando
os olhos de vovó 
e debulhei as marcas
da escavada velhice 
cravada na pele 

o meu umbigo foi enterrado na porteira do curral
daí esses urros na alma que aparecem sem quê nem pra quê em dias de chuva
daí esse ruminar de pássaros que se escondem das franjas da noite

Quando você nasceu, a Mangueira ganhou pela décima sexta vez
com um enredo em homenagem ao Drummond. Agora, te assisto picotar
o haxixe marroquino enquanto fingimos que a estrada é só a estrada. 

Aquela corça

Que viste no campo

Extraviada

Como uma letra solta

na página como palavra

Que se desfaz contigo