Solivan Brugnara

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Funeral blues


Carregando o caixão de meu velho amigo
Estou sorrindo, sorrindo porque lembrei quando éramos
dois garotos negros e esfomeados no verão de 45
e pegamos um guaxinim
em uma armadilha
e o soltamos no galinheiro da Senhora Robert
então roubamos a galinha mais gorda dela.
A culpa foi toda para o pobre do guaxinim.
E senhora Robert ficou procurando
por horas por onde tinha entrado o maldito guaxinim
e nós ríamos dela de barriga cheia.
E da bondade da velha prostituta Berta
que aceitou dois garotos em troca de alguns centavos e duas maçãs
A piedosa prostituta Berta que Deus a tenha.
Sonhávamos eu e você em jogar beisebol
você era bom e eu ruim
Você sabia disso seu malandro
mesmo assim sonhávamos juntos.
No fim acabamos mesmo é colhendo algodão
e construindo algumas casas.
Lembro de suas mãos marcadas de colher algodão,
que colher algodão não é macio como se possa pensar.
Lembra seu velho safado
Quando você estava apanhando do Holly.
É, você era pequeno, mas corajoso,
Não aceitou quando ele te chamou de negro sujo.
Tua sorte que chequei na hora
e acertei um soco bem nas fuças do safado,
Bati tão forte que arranquei o dente de ouro dele.
O Holly correu feito uma lebre,
pegamos o dente de ouro
e vendemos e fomos tomar sorvete.
Estou sorrindo, engraçado como um sorriso pode ser triste.
Oh Senhor leve meu amigo em paz.
Vou continuar a tocar minha guitarra na varanda,
agora sozinho.

Solivan Brugnara
nasceu em Dois Vizinhos (PR), em 1968, e vive em Quedas do Iguaçu (PR). Publicou os livros de poemas Incoerências (2004) e Encantador de serpentes (2007).

Ilustração: Marciel Conrado