Resultado da Oficina BPP de Criação Literária – Crônica

A cada mês, Cândido reservará espaço para a publicação de um texto produzido a partir das oficinas de criação literária que a BPP promove mensalmente. Os textos são escolhidos pelos próprios escritores que ministram as oficinas. Humberto Werneck, que esteve à frente da primeira oficina do ano, de crônica, escolheu o texto da publicitária Alessandra Moretti, não sem entes ressaltar o nível dos trabalhos dos outros participantes. “Esse é apenas um entre um punhado de textos que igualmente poderiam ter sido destacados”, diz Wernenck.

Cronicamente Inviável

 Alessandra Moretti

ilustra

Três horas e dezessete minutos. Ainda. Aposto que você, leitor, comunga de igual suspeita minha sobre os ardis do tempo: sabe aquela impressão de que o matreiro se pendura aos ponteiros dos relógios a fim de detê-los? Especial lentidão parece acometer os relógios de parede de cartório, consultório, escritório... Agora mesmo, no gastrópode vagar do meu expediente, noto a tarde de sexta a se espreguiçar com esforço em uma vã tentativa de tocar o sábado.

Neste cubículo que mal me cabe, a tela do computador me dá cobertura e aproveito para escapar em cabotagem costumeira, deixando-me levar pelo arrasto de uma e outra rede social. Ora embalada pela corrente do ócio, ora pela do vício, já longe do tique-taque preguiçoso e do continente de compromissos que se avolumam sobre minha mesa, vou ao encontro de outros tantos corsários à deriva, em busca de seus rostos amigos e suas mensagens engarrafadas, para quem as quiser colher. Indulgente, leio todas: estas, as anteriores e suas antecedentes. Navego sem norte em meio a aforismos, álbuns de família, videoclipes, anedotas, felicitações de aniversário, trocas de tapas, farpas de beijos... Mil e uma amenidades sem qualquer utilidade.

Como que protagonista do “jantar com o comandante”, dou o ar da graça neste baile insólito, polegares em riste, sorrisos abertos de fecha parêntese. Lá pelas tantas, um déjà vu me informa que cheguei ao ponto final de minha última ancoragem, coisa de hora e meia atrás. Sinal de que posso tornar ao cais, a que obedeço tendo o mouse por timão – note o leitor, que em se tratando de nau digital, “rato” tem posto de prestígio.

Quatro horas e dois minutos. Preciso terminar um relatório antes das cinco, mas que vá, é sexta-feira. Alegro-me em antecipar que, à medida que me afastava da costa, novas mensagens foram lançadas à orla. A bordo do bote que me leva de volta à praia, porém, encalho de supetão. Garrafa das grandes? Pior, constato um arrecife:

“Oficina de criação literária. Para mais informações, clique aqui”. Click. “Crônica é o tema da primeira oficina gratuita”. E não seria bom participar de uma oficina gratuita de crônica, a primeira? “Os interessados devem enviar uma crônica de sua autoria com no máximo xis caracteres, até o prazo tal”.

Escrever uma crônica. Vivo a navegar por inúmeras no mar aberto da web, mas nunca ousei me aventurar numa expedição de escritura. A verdade, como eu dizia de saída (se bem me lembro com a sua anuência), é que o tempo anda mais curto que pavio de pirata por esses dias. Tenho tanto a fazer, o relatório e tudo mais. Seria ótimo uma oficina dessas, como seria... Veja bem, não é que eu não queira, o caso é que não há por onde. Mal dou conta de tanto trabalho. É, não daria pé.

Quê? Cinco pras cinco? A sexta passou voando! Desculpe se me despeço nessa pressa toda, mas preciso abrir meu navegador outra vez, só mais essa – é muito importante que eu lance ao próximo náufrago uma frase enxuta, que não transborde os cento e quarenta caracteres. Afinal, caro amigo, na crônica correria de hoje, a brevidade é um imperativo de Cronos-Saturno, esse filicida implacável, devorador de minutos. Segunda-feira, se o tempo der, concluo aquele relatório.

Alessandra Moretti é redatora publicitária, roteirista e diretora da Olelê Filmes. É especialista em Cinema, TV e Multimídia pela UCLA Extension (Los Angeles, Califórnia). Vive em Curitiba (PR).