Prateleira

Maior que o mundo
(Alfaguara, 2018)
Após um hiato de dez anos, o paulistano Reinaldo Moraes volta ao romance com Maior que o mundo. O livro, que é o primeiro volume de uma trilogia homônima, acompanha as peripécias do cinquentão Cássio Adalberto, o Kabeto. Vivendo à sombra de Strumbicômboli, seu único sucesso editorial, ele está em busca de uma grande frase para abrir a nova obra que pretende escrever. Um gravador está sempre em mãos para registrar toda e qualquer ideia que possa ser usada para o próximo romance. Longe de ser um flâneur introspectivo, porém, que registra a movimentação das ruas de São Paulo como um receptor passivo, o que Kabeto faz é interagir com a loucura da metrópole, numa espécie de parto frenético de ideias e alguma ação física. É assim que, enquanto a frase perfeita não brota, Kabeto carrega o fardo de ser um escritor bloqueado e leva uma vida de excessos — putaria, maconha e muita cerveja com steinhäger na mesa do seu boteco favorito, o Farta Brutos, ao lado de gente como o coreano Park e a “mina” que se chama Mina. Há espaço para tudo na nova empreitada de Moraes, do humor mais rasteiro à melancolia, em mais de 400 páginas entupidas de “trocadalhos” e situações hilariantes.

Tanto faz & Abacaxi
(Má Companhia, 2011)
Publicados originalmente em 1981 e 1985, respectivamente, Tanto faz & Abacaxi foram reunidos mais de 20 anos depois em uma edição única. Tanto faz, que marca a estreia de Moraes na literatura, traz todos os elementos que notabilizariam o autor mais tarde. O personagem principal é o “estudante” Ricardo, que passa um ano na École Pratiques des Hautes Études Économiques, em Paris. O que o protagonista menos faz, porém, é estudar. Sua rotina consiste em porres homéricos, drogas pesadas, ressacas que lhe causavam “ânsia de vômito cada vez que piscava” e a busca incessante por sacanagem. Quando o período sabático acaba e é hora de voltar a São Paulo, uma outra oportunidade o joga novamente na trilha do hedonismo. O livro seguinte, Abacaxi, traz o mesmo personagem e é uma continuação do livro de estreia. Desta vez, Ricardo está em Nova York, hospedado na casa da prima de uma amiga que conheceu em Paris, uma “business woman durante o dia e lobiswoman depois do expediente”. A história de excessos se repete, mas desta vez vem acompanhada de uma melancolia ferrenha, no que a autoanálise do protagonista se mostra certeira: “Nessa época eu não aguentava padecer nem cinco minutos de culpa, tédio, tristeza, banzo, angústia, medo, rejeição; eu me rebelava de algum jeito, acendia um charo, ia ao cinema, botava um rock na vitrola, batia uma punheta, bebia um bar e meio, qualquer coisa que me ajudasse a catar o porco-espinho à unha”.

Pornopopéia
(Alfaguara, 2019)
Lançado originalmente em 2009, e reeditado em 2019, Pornopopéia oferece pistas de seu teor desde o título: trata-se, de fato, de uma epopeia regada a putaria, álcool e abuso de drogas. Longe do caráter mais grave e heroico que as obras épicas têm, o que Reinaldo Moraes constrói neste romance é rasteiro e sórdido. O beberrão e cocainômano José Carlos Ribeiro, mais conhecido como Zeca, tem no currículo de ex-cineasta marginal apenas um longametragem, Holisticofrenia — que, aliás, foi uma das fontes de inspiração para Kabeto durante a escrita de Strumbicômboli, em Maior que o mundo, o “sucessor” de Pornopopéia. Vivendo na base do improviso e passeando pelo submundo de uma São Paulo na qual é sempre noite, Zeca procrastina a elaboração de um vídeo institucional sobre embutidos de frango e segue uma rotina demencial, bebendo e cheirando muito, além de negligenciar a esposa e a filha. Nessa loucura, o diretor frustrado acaba participando de uma suruba com toques místicos (onde quem se destaca é o personagem Melquíades, um bailarino viril), sai com várias prostitutas e se engendra num caminho perigoso, meio sem volta, depois de presenciar a morte de seu fornecedor de cocaína.

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Umidade
(Companhia das Letras, 2005)
Além de textos inéditos, a primeira reunião de contos de Reinaldo Moraes traz narrativas publicadas originalmente em revistas e coletâneas. As histórias, que trazem o característico trabalho de linguagem do autor e sua obsessão pela sacanagem, evidenciam com sutileza o patético de ser humano. As situações vão da discussão de um casal de velhos antes do sexo (“Quero um salsichão, Horácio”) à derrocada do mauricinho Liminha, que “pegou o hábito de acessar sites de sacanagem da internet em pleno horário de trabalho” e acabou tropeçando nas próprias pernas ao tentar se embrenhar pelos caminhos da “nova economia” — tudo para impressionar a viúva e burguesa Mariana. Os problemas que vêm à tona, assim, são sintomáticos de uma “classe média” entediada, que, como micro-organismos, se proliferam e vão tomando conta da Terra. 

A órbita dos caracóis
(Cia. das Letras, 2003)
Obra juvenil que marca o retorno de Reinaldo Moraes à prosa de maior fôlego após um hiato de 17 anos, A órbita dos caracóis traz a história da paixão entre a linda burguesinha paulistana Juliana e o brilhante bioquímico Tota, que é mais chegado em um tutuzinho à mineira do que em escargots e é assolado por pressentimentos perturbadores. Unindo forças, os amantes precisam confiar na sorte e na criatividade para resolver questões urgentes em São Paulo — de um desastre nuclear ao ataque de superbactérias assassinas, em uma estranha situação que, aparentemente, pode ser solucionada por um alto executivo do ramo das telecomunicações. Enquanto os problemas seguem pulsantes, a única certeza é que o leitor dificilmente poderá se desvencilhar dessa narrativa diabolicamente surpreendente e bem-humorada.

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O cheirinho do amor
(Alfaguara, 2014)
Reunião de textos publicados por Reinaldo Moraes entre 2011 e 2014 na revista masculina Status, O cheirinho do amor traz um subtítulo elucidativo: crônicas safadas. Pautadas em tudo o que o autor tem de melhor, as narrativas evidenciam um olhar clínico para o que há de mais burlesco na trajetória humana — das “brilhantes ideias de merda”, ou bim, no “jargão idiossincrático” de Moraes, ao fato de que “homens não podem fingir orgasmo se não estiverem de pau duro”. Sem perder uma espécie de essência autoral iniciada há mais de duas décadas, Reinaldo discorre sobre diversos assuntos, com a leveza e o humor de sempre, sem deixar nada escapar — do padre gay que frequenta uma sauna em Roma e participa de uma “bela suruba clerical” ao desempenho de pilotos de Fórmula 1, sempre deixando espaço para a sacanagem e análises pontuais. Aos desavisados, um aviso logo no início: “A Status, vale lembrar, é uma revista adulta voltada para o público masculino, razão pela qual eu estou sempre dialogando ali com um hipotético leitor homem, fato esse, no entanto, que não deveria desencorajar as mulheres a ler isso aqui. Ou, pelo menos, tentar”.

Barata!
(Companhia das Letrinhas, 2007)
Em mais uma incursão pela narrativa infantojuvenil, Reinaldo Moraes trata das relações familiares de uma maneira criativa e também do tão típico apego das crianças aos bichinhos de estimação. Para além do pano de fundo, o autor aborda a relação dos pequenos com o mundo da internet — muito sintomático nos dias de hoje — e das diferenças que precisam ser superadas a fim de uma boa convivência, seja entre o ser humano e seu semelhante, ou entre o homem e a barata. Aos que têm medo, cuidado! Esses insetos normalmente tão discriminados estarão por todas as páginas e protagonizando situações, no mínimo, peculiares — de se tornar seu bichinho de estimação preferido a ir para o ciberespaço enfrentar perigos virtuais.

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