Prateleira

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 Trainspotting (1993)

Primeiro e mais popular livro de Irvine Welsh, Trainspotting deu as bases para a literatura altamente singular do autor escocês. Quase tudo que Welsh escreveu posteriormente encontra eco na história que ficou ainda mais conhecida por conta da adaptação cinematográfica de Danny Boyle: da narrativa alternada entre personagens à critica ao modelo social da Grã-Bretanha, culminando nas referências pop tão bem empregadas pelo autor. O discurso em que o personagem Mark Renton se revolta contra a imposição do estilo de vida pequeno-burguês imposta pelo Ocidente virou um mantra estampado em camisetas no mundo todo. (“Escolha a vida. Escolha pagamentos de hipoteca. Escolha máquinas de lavar. Escolha carros. Escolhav ficar sentando num sofá assistindo a programas de auditórios que atrofiam a mente e esmagam o espírito...”). Tudo o que Sick Boy, Renton, Spud e Franco Begbie não escolheram. Os personagens do romance estão à margem da sociedade e preferem combater o marasmo vendo futebol, bebendo em pubs, usando heroína e aplicando pequenos golpes em gente desavisada.


Se você gostou da escola, vai adorar trabalhar (2007) 
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Welsh passou mais de uma década sem lançar um livro de contos, até reaparecer no final dos anos 2000 com Se você gostou da escola, vai adorar trabalhar, coletânea de quatro textos curtos e uma novela. Nem tão curtas assim, as histórias, em sua maioria, são narrativas de fôlego que, diferentemente do conto clássico, avançam no número de personagens e cenários. A mão do romancista fica evidente já no primeiro conto, “Cascavéis”, em que um grupo de amigos, após um acidente em uma rodovia, é acossado por um mexicano psicopata. O drama ganha contornos cômicos quando um dos personagens é picado no pênis por uma cobra e um dos amigos precisa ajudar a retirar o veneno do animal das partes íntimas da vítima. É o velho humor negro de Welsh dando as caras. Em Se você gostou da escola, vai adorar trabalhar Welsh desloca suas histórias para os Estados Unidos, mas na novela que fecha o livro, “Reino de Fife”, a Escócia volta ao primeiro plano em uma narrativa sobre o cotidiano modorrento de uma pequena cidade do interior.



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Skagboys (2012)

Apesar de ter sido lançado apenas em 2012, Skagboys é a primeira parte da trilogia que conta a saga dos personagens de Trainspotting — há ainda Pornô, o segundo livro da série. Com quase 600 páginas, o romance retrocede na trajetória dos protagonistas, que passam de jovens promissores a viciados em heroína assim que deixam a adolescência. A história se passa nos conjuntos habitacionais (chamados de loteamentos) da classe média baixa, também conhecida como “classe operária” no Reino Unido. Mas é o Leith, na região portuária de Edimburgo, o habitat onde os personagens se sentem mais à vontade. É lá que tudo acontece, de romances a encrencas. O Leith aparece como cenários em vários outros livros do escritor e causa sentimentos dúbios em Sick Boy e sua turma. Ao mesmo tempo que desejam se livrar do local, são estranhamente atraídos por sua atmosfera. Skagboys retrata uma época de drogas pesadas, pobreza, AIDS, violência, conflitos políticos (é a era de Margaret Thatcher) e ódio.

Pornô (2002)
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Pornô dá um salto de dez anos na vida dos personagens de Trainspotting. Mark Renton virou um bem-sucedido empresário da noite em Amsterdã, Sick Boy volta para a Escócia após um período em Londres, Spud continua um viciado e Franco Begbie sai da cadeia e jura vingança contra Renton, o ruivo que passou a perna nos velhos amigos em uma transação com drogas. Todos — ou quase todos — estão envolvidos em um novo empreendimento: lançar um filme erótico de baixo orçamento. Para viabilizar o longa e tentar exibi-lo em uma mostra paralela do Festival de Cannnes, os amigos recorrem a velhas falcatruas, como limpar a conta de vários clientes de um banco com a ajuda de uma das atrizes do filme, capciosamente chamado Sete ninfas para sete irmãos. Como em Trainspotting, os personagens de Pornô narram cada um a seu modo a história. Welsh, de forma habilidosa, enfatiza a dicção de cada personagem e cria um romance extremamente brutal.


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Crime (2008) 

Em Crime, Irvine Welsh sai de sua zona de conforto como narrador para experimentar outros cenários, personagens e temas. Edimburgo dá lugar à Flórida quando o detetive-inspetor Raymond Lennox e sua noiva Trudi saem de férias. Apesar da insistência de seu chefe para que descanse e planeje o casamento com sua bela parceira, Lennox se lembra obsessivamente do assassinato da pequena Britney Hamil, um complicado caso ocorrido em Edimburgo. A trama, conduzida com a maestria de quem sempre dominou temas inquietantes, faz referências às obras anteriores, mas apresenta um Welsh ainda mais senhor de sua prosa, explorando com maestria o contraste entre a beleza solar da Flórida e o seu submundo. Drogas, sexo e violência aparecem em cidades diferentes como Miami e Edimburgo e são desenhados com precisão através das ações e pensamentos de Lennox, o policial deprimido, quase um anti-herói, incapaz de lidar com o cotidiano e o relacionamento em crise com a noiva.

Requentando Repolhos (2009)
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Esta reunião de contos traz oito histórias, a maioria publicada originalmente em revistas e antologias britânicas, editadas juntas em livro no final da década de 2000. Mesmo tentando descolar seus personagens de cenário, como no conto “Eu sou Miami”, passado nos Estados Unidos, Welsh volta à matriz temática de sua literatura, com narrativas encharcadas de bebida, droga, violência e humor escrachado. É assim logo no primeiro conto, “Falta em cima da linha”, em que um homem desdenha do grave acidente ocorrido pela mulher (que perde a perna) porque o seu time de futebol está jogando. Já em “O Namorado de Elspeth”, o psicopata Franco Begbie (personagem de Trainspotting) arruína o jantar de Natal da família por ciúmes do noivo da irmã. Ainda que mantenha intacta a gênese de sua literatura, Welsh se esforça para não soar um escritor monocórdico. E Requentando repolhos os velhos temas se renovam pelas mãos habilidosas do eterno “Senhor Trainspotting”.