Poemas | Máximo Simpson

Tradução: Jair Ferreira dos Santos

O HOTEL MELANCÓLICO

O hotel melancólico navega
na noite rumo à morte,
com seus corredores escuros onde passeiam
remotos marechais do grande czar Alexandre,
com velhos samovares e garrafões tristes,
e seus ladrilhos trincados, sua autocracia exausta
e sua pátina ilustre:
poltronas em farrapos,
pequena arqueologia do pensionista pobre
que conserva entre ruínas a metade de sua alma,
e de outra parte a atmosfera de inverno,
os pátios suspeitos e os altos ciprestes
que protegem a casa.
Tem um colecionador de seres minúsculos,
entomólogo suave de um musical enigma,
que atravessa os pátios com um presunto e um trovão;
tem um delgado junco tradutor de novelas:
todos os dias come sua ração de consolo,
mas tudo é inútil porque a visão
de um escândalo celeste domina sua alma.
E Maria Ivanovna cheia de lembranças:
em Petrogrado, quando
a vida era bela nos salões.
O ar convalesce
no orgulho ferido da casa:
temos aqui um raro clima de perdão,
e adolescentes velhos
como a jovem aranha de rosto milenário
que instalou grandes máquinas ferozes
no quartinho de um antigo jovem que morreu.
Há a mulherzinha que vive nas trevas,
que se veste de luto à espera do acaso,
por apreensão com o talvez,
em seu quarto imperial coberto pelo pó.
E há também a viúva do rei da Tasmânia,
com seu chapéu vermelho de general inglês.
E aqui estou eu que escrevo isto:
eu busco o equilíbrio das coisas,
e por isso navego neste hotel profundo
rumo a meu grande destino:
eu que sou feliz, sereno e apolíneo,
preparo com minha régua de cálculo
as leis da terra.

(Poemas del Hotel Melancólico, 2004).

El hotel melancólico

El hotel melancólico em la noche
navega hacia la muerte,
com sus pasillos negros por donde se pasean
remotos mariscales del gran zar Alejandro,
com samovares viejos y tristes damajuanas,
y sus baldosas rotas, su extenuada autocracia,
y su pátina ilustre:
sillones andrajosos,
pequeña arqueología del pensionista pobre
que conserva entre ruinas la mitad de su alma,
atmósfera de invierno de outra parte,
los patios sospechosos y los altos cipreses
que defienden la casa.
Hay un coleccionista de minúsculos seres,
entomólogo suave de musical enigma,
que atraviesa los patios com un jabón y un trueno;
hay un delgado junco traductor de novelas:
todos los días come su ración de consuelo,
pero es inútil todo porque domina su alma
la visión de un escándalo celeste.
Y Maria Ivanovna com sus grandes recuerdos:
em Petrogrado entonces
era bella la vida em los salones
El aire convalece
em el golpeado orgullo de la casa:
hay aqui un raro clima de perdón,
y adolescentes viejos
como la araña joven de rostro milenario,
que instaló grandes máquinas feroces
em su pequeño cuarto de antiguo joven muerto.
Y está la mujercita que vive em las tinieblas,
que se viste de luto por si acaso,
por aprensión em tal vez,
em su cuarto imperial cubierto por el polvo.
Y está también la viuda del rey de la Tasmania,
com su sombrero rojo de general inglês.
Y estoy yo, que esto escribo:
yo busco el equilibrio de las cosas,
y por eso navego em este hotel profundo
hacia mi gran destino:
y yo que soy feliz, sereno y apolíneo,
com mi regla de cálculo preparo
las leyes de la tierra.

FALA JANTO

Janto, o “corcel de pés ligeiros”, baixou a cabeça e
disse: “Hoje te salvaremos, impetuoso Aquiles, mas
está próximo o dia da tua morte.”
Ilíada, Canto XIX
Cuando el caballo habla,
treme toda a casa do olvido.
treme toda a casa,
treme todo o olvido:
as portas da noite recuam.
Quando o cavalo clama,
quando o cavalo augura, profetiza,
escurecem as janelas e os portões,
e o homem à deriva dá um volteio
e para, e espera.
Cuando el caballo habla e se antecipa,
todos se calam prontamente,
e o pobre orgulho da espécie
se amontoa sobre a língua.
Cuando el caballo habla,
o pampa sonha com o mar,
e o ginete desmonta,
se aventura por seus olhos adentro,
se desnuda.
Cuando el caballo habla,
quando sabe,
a memória perdida se instala na existência
e corrói as mais fundas certezas.
Quando o corcel floresce na tormenta,
quando suas mãos se erguem para o céu,
quando, súbito, brinca e vaticina,
um ambíguo clarão empana os cristais,
uma chuva indecisa retorna para o alto.
Quando o cavalo sabe,
quando o ginete escuta,
o sacerdote declina dos troféus.
Quando el caballo habla,
o homem põe os pés na terra,
pensa nos ancestrais,
se prepara.
(Antologia poética, 2004)


HABLA JANTO

Janto, el “corcel de ligeros pies”, bajó la cabeza y
dijo: “Hoy te salvaremos, impetuoso Aquiles, pero
está cercano el dia de tu muerte”.
Ilíada, Canto XIX.
Cuando el caballo habla,
tiembla toda la casa del olvido.
Tiembla toda la casa,
tiebla todo el olvido:
las puertas de la noche retroceden.
Cuando el caballo clama,
cuando el caballo augura, profetiza,
se oscurecen ventanas y canceles,
y el hombre a la deriva da un rodeo,
hace un alto y espera.
Cuando el caballo habla y se anticipa,
todos callan de pronto,
y el desvalido orgullo de la especie
se amontona em la lengua.
Cuando el caballo habla,
la pampa sueña com el mar,
y el jinete desmonta,
se aventura por dentro de sus ojos,
se desnuda.
Cuando el caballo habla,
cuando sabe,
la memoria perdida se instala em la existencia
y corroe las hondas certidumbres.
Cuando el corcel florece em la tormenta,
cuando su manos de alzan hacia el cielo,
cuando de pronto brinca y vaticina,
un ambiguo claror empaña los cristales,
una lluvia indecisa retorna hacia lo alto.
Cuando el caballo sabe,
cuando el jinete escucha,
declina el sacerdote sus trofeos.
Cuando el caballo habla,
pone el hombre pie em tierra,
medita em sus ancestros,
se prepara.

A FONTE

É pálida, violácea, transparente,
é rubra mas verde,
é azul mas emana rupturas de desejo.
É única talvez,
ou é múltipla, incorpórea.
Não é ausência nem olvido,
e espreita de longe, de perto,
de dentro do náufrago e seu traje.
É o centro sem centro da dor,
a fonte inexplicável dos dias que passam.
(La casa y otras visiones, 1995)

La fuente

Es pálida, violácea, transparente,
es roja pero es verde,
es azul pero emana rupturas del deseo.
Es única tal vez,
o es múltiple, incorpórea.
No es ausencia ni olvido,
y acecha desde lejos, desde cerca,
desde dentro del náufrago y su traje.
Es el centro sin centro del dolor,
la fuente inexplicable de los días que pasan.

CANCUN

A água em flor exibe seus rinchos,
seus cristais,
esmeraldas, turquesas, frutos brancos.
A areia, igualitária, isola suas dádivas.
O sol preside a injustiça.
(La casa y otras visiones, 1995)

CANCÚN

El agua em flor exhibe sus relinchos,
sus cristales,
esmeraldas, turquesas, frutos blancos.
La arena igualitaria discrimina sus dones.
El Sol preside la injusticia.

Almas de Adam Smith

Oh entranhas dos números,
oh balanço de pagamentos,
Oh, madrasta
energia na Bolsa das frutas:
a alma perturbada de Adam Smith
sobrevoa campos e cidades
entoando o Te deum do pelicano ferido,
do homem que dormita com um ábaco
partido
enquanto o marceneiro sem raízes
e o pescador sem águas nem ribeiras
atravessam nus,
levados pela mão,
o vasto cemitério dos ofícios antigos.
(Antologia poética, 2004)

EL ALMA DE ADAM SMITH

Oh entraña de los números,
oh balanza de pagos,
oh madrasta,
energia bursátil de las frutas:
el alma perturbada de Adam Smith
sobrevuela los campos y ciudades
entonando el Tedeum del pelícano herido,
del hombre que dormita com un ábaco roto,
mientras el ebanista sin raíces,
y el pescador sin aguas ni riberas
atraviesan desnudos,
tomados de la mano,
el vasto cementerio de los viejos oficios.

SAPATOS

Os sapatos que comprei outrora
sem rastro de orgulho,
sem pensar na forma ou na medida,
usei-os de perfil, na contramão,
e cheguei caminhando até a minha idade,
desde a loja obscura
que vendia sapatos,
destinos,
estradas.
(Antologia poética, 2004).

Zapatos

Los zapatos que antaño me compré
sin asomo de orgulho,
sin pensar em la forma o la medida,
los usé de perfil, a contramano,
y llegué caminando hasta mi edad,
desde essa tienda oscura
que vendía zapatos,
destinos,
carreteras.

Máximo Simpson nasceu em Buenos Aires em 1929. Morou no México e no Brasil, onde foi professor e jornalista. Publicou trabalhos de teoria política e comunicação, paralelamente a quase uma dezena de livros de poesia, cuja recepção lhe concedeu prêmios importantes na cena literária latino-americana. Vive em Buenos Aires.

Jair Ferreira dos Santos nasceu em Cornélio Procópio (PR), em 1946. É ficcionista, poeta e ensaísta. Vive no Rio de Janeiro desde 1971. É autor do ensaio O que é pós-moderno (1985) e da coletânea de poemas A faca serena (1983). Seu livro de contos Cybersenzala (2006) foi finalista do prêmio Portugal Telecom.