Poema | Priscila Merizzio

Ilustração: Marília Costa
marilia costa


a mosca morreu
na hora do café
se debateu na parede
até cair no chão
rendida ao silêncio
cansada de sobreviver
esperei para ver se acordaria
se reagiria à monotonia
ela continuou letárgica
a deixei secando no chão
como um buquê de rosa
ambiance jogado àquela
moça que o pegou bravamente
para depois boiar afogada
na piscina do clube


você me queria
quando eu comia cigarros
no café da manhã e tomava
lítio com vodca no parapeito
do prédio
quando eu fazia de travesseiro
os rolos de papel higiênico no banheiro
das agências de publicidade
e as palpitações do peito
eram ondas oceânicas sufocando
anêmonas
agora estou forte, abstêmia
solitária como um baobá esplendoroso
você aparece no olho-mágico
da porta atrás daquela moça
provinciana que aceitava ser
o bode expiatório do ex-roqueiro
alcoólatra vestido de William Blake


Priscila Merizzio nasceu e vive em Curitiba. Atua como editora convidada na revista virtual Germina e é integrante do grupo Escritoras Suicidas. É uma das organizadoras da Antologia 29 de abril – o verso da violência (2015). Minimoabismo (2014), seu livro de estreia, foi semifinalista no Prêmio Oceanos em 2015.