Poema | Armando Freitas Filho

Amnésia

Meia de mulher transparente.
Rede. Gaze. Nomes semiapagados.
Renda. Cristal e champanhe.
Tela. Malha da memória
Voile, Sonho, Peneira.
Esquecimento.

Esta anotação encontrada no fundo da gaveta não me lembrou o motivo pelo qual foi escrita. Foi num dia perdido sem mês e data. Num dia em que senti, profundo, pela primeira vez, se bem me lembro, o rasgo, a fuga da minha memória. O cabide do índice onomástico partido das lembranças. O pensamento, mesmo em ação, se apagava no mesmo átimo, mas eu não o alcançava. Podia ser recuperado, semimorto, ao acaso, quase sem uso. Podia ser recuperado, mas era insignificante, e o que restava eram retalhos, falhas, como esses de agora, sem continuidade e permanência. Não sei por que este bilhete dobrado, rascunho amarelo estava ali, aqui comigo, trancado, escondido. Se sua cor era descolorida pelo tempo do esquecimento, ou não. Não lembro.

      Ilustração: Cipis
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ARMANDO FREITAS FILHO nasceu em 1940 e vive no Rio de Janeiro. É autor de Palavra, Dual, À mão livre, 3x4 (Prêmio Jabuti de Poesia, 1986), De cor, Números anônimos, Fio terra (Prêmio Alphonsus de Guimaraens da Biblioteca Nacional, 2000), entre outros livros. Reuniu sua obra poética em Máquina de escrever (2003).