Perfil do leitor | Romulo Fróes

Repertório em construção

Um dos principais nomes da cena contemporânea, o artista se dedica a ler e refletir sobre a música brasileira — mas sem deixar de lado a poesia e a ficção


Omar Godoy

Romulo


Boa parte da biblioteca do paulista Romulo Fróes é composta por títulos musicais — biografias e coletâneas de ensaios. O que não é nenhuma surpresa, em se tratando de um dos raros artistas da dita “nova MPB” que refletem e escrevem sobre a produção de música popular no país. “Comecei a gostar de ler críticas antes de poesia e ficção”, diz o cantor, violonista e compositor, que publica artigos na imprensa desde 2007.

Aos 43 anos e com nove álbuns gravados (cinco solo, dois com o projeto Passo Torto e mais dois com sua primeira banda, Losango Cáqui, ainda no final da década de 1990), Romulo não é tão “novo” como a imprensa insiste em rotular. Tanto que pegou gosto pela leitura, para valer, nos tempos áureos da revista Bizz, referência no jornalismo musical brasileiro nos anos 1980 e 1990. “O nome Losango Cáqui [título de uma obra de Mário de Andrade] caiu na minha mão por acaso, é claro que eu não lia esse tipo de livro naquela época. Eu devorava mesmo a Bizz, fanzines e publicações inglesas como Melody Maker e NME”, confessa, rindo, o ex-acadêmico de Artes Plásticas (formado em Licenciatura pela Faculdade de Belas Artes).

Em sua tentativa de entender a música e a cultura do Brasil, o artista partiu para conteúdos mais aprofundados. “O Balanço da bossa, em que o Augusto de Campos analisa a Tropicália ainda no início do movimento, é um texto que eu consulto até hoje”, conta. Seus “clássicos de formação” nessa área incluem, entre outros, Noel Rosa: Uma biografia (de João Máximo e Carlos Didier), Chega de saudade: A História e as histórias da bossa nova (Ruy Castro), Verdade tropical (Caetano Veloso), O que resta (Lorenzo Mammì), O Balanço da bossa e outras bossas (reunião dos estudos de Augusto de Campos) e Ensaio geral: Projetos, roteiros, ensaios, memória (Nuno Ramos).

Ramos, artista plástico e poeta, merece um parágrafo à parte. Afinal, é uma espécie de mentor do músico — além de principal letrista de seus discos, ao lado de Eduardo “Clima” Climachauska, também vindo das artes visuais. Romulo Fróes foi assistente de seu ateliê durante 16 anos, período em que conheceu novas referências e conviveu com figuras importantes do circuito cultural paulistano. “O encontro com o Nuno mudou a minha vida. Aprendi muita coisa com ele, inclusive a gostar de literatura. Porque, até então, eu tinha lido os livros recomendados pela escola e, principalmente, quadrinhos. Mais por causa do desenho, e não do texto”, afirma.

Um dos primeiros livros recomendados pelo “guru” foi O idiota, de Dostoiévski. “Ele disse que eu tinha a ver com o ‘idiota’ do título. Felizmente, era um grande elogio”, conta Romulo, que depois leu todas as obras do escritor russo. Ramos também indicou Philip Roth, outro de seus autores preferidos. “A escrita dele é incrível, e trata de um assunto que me é muito caro: a reflexão que o homem faz na velhice, quando olha para trás e se pergunta o que fez da própria vida”, explica, citando romances como Homem comum, Fantasma sai de cena e O teatro de Sabbath.

Carlos Drummond de Andrade, Reinaldo Moraes, João Cabral de Melo Neto, Augusto dos Anjos, João Antônio e Albert Camus também são mencionados durante a entrevista como autores marcantes de sua bagagem literária. Um repertório que, segundo o próprio artista, ainda está em construção. “Tive de correr atrás do prejuízo. Meus pais nunca leram um livro na vida. Ou melhor, minha mãe, empregada doméstica, leu a Bíblia. O pouco de cultura que tinha na minha casa veio do meu pai, que era funcionário de banco e tinha muitos discos, principalmente da MPB pré-bossa nova”.

Barulho feio, seu quinto álbum, já está pronto e deve ser lançado depois da Copa do Mundo. Segundo Romulo Fróes, trata-se de uma “implosão” de seu trabalho, que já tem o experimentalismo como uma das principais características. Desta vez, o músico registrou voz e violão ao mesmo tempo, sem edição, para depois acrescentar apenas ruídos forjados por baixo acústico, sax e guitarra (não há percussão). Tudo, nas palavras dele, para reagir à monotonia do cenário atual, ocupado por jovens artistas que foram abandonados pela grande mídia depois da derrocada da indústria musical.

E é justamente sobre a geração pós-internet que Romulo se dedica a analisar nos artigos que publica em veículos como O Globo, Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo. “Ainda falta muito para eu reunir esse material em um livro. Mas, por mais que achem meu texto ruim, sou um dos únicos que está tratando dos artistas contemporâneos da música brasileira. No mínimo, será um registro histórico relevante.”