Perfil do leitor | Rodrigo Ponce

O faça-você-mesmo filosófico

Doutorando em Filosofia e vocalista da banda Colligere, Rodrigo Ponce diz encontrar na leitura, sobretudo de ficção e poesia, a matéria-prima para a sua existência

 

Thiago Lavado


Há uma característica que define Rodrigo Ponce: “Em tudo o que faço, me considero um amador profissional”. Ele é um estudioso de Filosofia e vocalista da banda Colligere. Nascido em Londrina, mora em Curitiba desde meados da década de 1990. Naquela época, vendia fanzines com punks na Rua XV e frequentava a cena hardcore curitibana até que, em 2000, fundou a banda Colligere. “Quando tinha uns 14 ou 15 anos, comecei a me envolver com o punk e, naquele contexto, havia uma exigência, na cena, para se produzir algo. Me identifiquei com a ideia: não precisava ser expert pra fazer alguma coisa. Você aprendia a tocar quatro ou cinco notas e montava uma banda.”

fotos: André Pereira


Ponce tentou aprender a tocar alguns instrumentos, fazer algumas melodias, mas não vingou. Desde criança, tinha o hábito da escrita e, então, passou a fazer no punk o que já fazia desde pequeno: escrever, seja conteúdo para fanzines e ainda letras para canções. O pé-vermelho radicado em Curitiba diz ter encontrado no contexto punk a oportunidade de se apropriar do que gostava e poder reproduzir o conteúdo do seu jeito. “Quando você se apropria de um determinado elemento estético, pode transformá-lo e dar um novo sentido”, diz, comentando que nas letras que escreveu, estabelece pontos de contato com suas referências filosóficas e literárias, por exemplo, com a obra de Fernando Pessoa, Santo Agostinho, Milan Kundera e a Bíblia.

O primeiro flerte de Ponce com leitura se deu na casa dos pais, nas páginas de enciclopédias. Aos dez anos, ele conheceu a obra de Monteiro Lobato na biblioteca da escola. A partir desse momento, diz, começou a se interessar, de fato, por leitura. “Li muitos livros do Lobato e, depois dele, parti para a poesia. O primeiro livro que tive foi uma antologia do Carlos Drummond de Andrade. Também comecei a ler alguns autores da poesia brasileira, como Vinícius de Morais e Cecília Meirelles.” Ainda criança, o atual punk e estudioso de Filosofia tentava reproduzir em seus textos a linguagem dos grandes nomes da literatura e da poesia. “Não era uma cópia propriamente dita, mas uma tentativa de fazer igual, de remeter àquela arte, mesmo sem saber direito o que era aquilo. Eu dialogava com os clássicos.”

A obra de Drummond o acompanha faz anos. Outro poeta que o influenciou, e ainda o influencia, é o português Fernando Pessoa. Na adolescência, começou a ler Sartre, principalmente os romances A idade da razão e Sursis, além de os contos de O muro. Aos 16 anos, leu A condição humana, de Hannah Arendt, obra que se tornou uma das mais importantes de sua vida, abrindo seu imaginário para a Filosofia — ainda hoje ele estuda o legado da pensadora alemã em sua tese de doutorado sobre filosofia política na Universidade Federal do Paraná (UFPR).

O acaso punk

Atualmente, a banda de Ponce, Colligere, está compondo repertório para um futuro álbum. Um dos últimos shows realizados em Curitiba foi em outubro do ano passado — a banda também esteve em solo carioca em 2014. Ponce diz que o grupo busca se reinventar e está compondo de um jeito novo. “Até agora eu escrevia com muitas citações, como se estivesse junto com os autores que eu lia. Dessa vez estou fugindo disso e tentando escrever todas as músicas sobre um mesmo tema, dando mais espaço para a minha voz”.

Com 26 anos, já envolvido com a música há algum tempo, Ponce sentiu a necessidade de continuar estudando — ele havia cursado Ciências Sociais e procurava um estímulo que exigisse a prática do texto. Escolheu Filosofia. “As coisas mais importantes da vida acontecem por acaso. O que acontece por necessidade aconteceria de qualquer jeito. Por acaso fiz Filosofia. Drummond e Lobato também entraram na minha vida por acaso. Eu poderia, por exemplo, não ter lido esses autores.”

Entre as influências musicais, ele lembra de sambistas que escutou ainda na infância, por exemplo, Martinho da Vila e Adoniran Barbosa, além de Jorge Ben e música brasileira em geral, “influência dos pais”. Na adolescência, começou a escutar rap, principalmente Racionais MC’s, e o punk rock da banda paulistana Cólera. Também destaca álbuns do Rage Against The Machine, que tinham capas de livros no encarte, como Evil empire — com os livros Um retrato do artista quando jovem, de James Joyce, e The anarchist cookbook, de William Powell.

Ponce confessa que as exigências de leitura da universidade quase o impedem de, no tempo presente, ler literatura, apesar de não deixar de acompanhar textos de Dalton Trevisan, Paulo Leminski e Cristovão Tezza — coincidência, ou não, nomes locais. E o doutorando em Filosofia diz que, apesar de tanto interesse pela literatura, não pensa em, ele mesmo, escrever ficção ou poesia. “Ter a poesia e a literatura como referência me ajudam no meu amadorismo, naquilo que eu sei fazer melhor que é escrever letras de música e estudar Filosofia.”