Perfil do leitor | Bernardo Vilhena

A poesia é para sempre

Autor de clássicos do rock nacional dos anos 1980, o letrista revela ser um grande leitor de romances e crônicas — mas destaca a força permanente do poema


Omar Godoy


Carlos Miller
Bernardo Vilhena não lembra do primeiro livro que leu. Mas não esquece do primeiro que releu: Cantos populares do Brasil, compilação de temas do folclore nacional organizada pelo ensaísta Sílvio Romero no final do Século XIX. “Eu relia incessantemente, fascinado. Escrevi um poema, chamado ‘Rapadura’, obviamente inspirado na rítmica da cantiga ‘Tangolomango’. Só mais tarde, décadas depois, é que eu percebi isso”, conta o produtor, curador, poeta e letrista carioca de 64 anos, autor de alguns dos maiores clássicos do rock brasileiro dos anos 1980 (“Vida bandida”, “Menina veneno”, “Vida louca vida”, “A vida tem dessas coisas”, entre outros).

“Sempre me vi envolvido com música e poesia”, diz Vilhena, que repudia a eterna discussão acerca do valor literário da canção popular. “É um debate desnecessário, narcisista. Tem muita poesia que não é poesia, então não dá para dizer que toda letra de música é poesia”, afirma. Para ele, a poesia, musicada ou não, sempre está num bom momento — quem oscila são os jornalistas dos cadernos culturais e publishers de editoras. “A opinião geral de que ‘poesia não vende’ demonstra uma falta de conhecimento de marketing. Ou uma ideia preconcebida.”

Vilhena acredita que muitos poemas e livros de poesia são “para sempre”, enquanto os romances têm mais dificuldade de atingir essa perenidade. Isso não significa que a prosa não faça parte de seu percurso literário. Pelo contrário. Seu rol de romancistas preferidos é extenso, a começar pelo autor da primeira obra adulta que leu. “Peguei Gabriela, cravo e canela emprestado do meu colega de sala João, filho do Jorge Amado. O livro foi um escândalo na época, e nós só tínhamos 10 anos de idade. Eu guardava o livro embaixo do travesseiro e lia à noite, escondido dos meus pais”, lembra.

Ele ainda cita Aldous Huxley, Erico Verissimo, Virginia Wolf, Graham Greene, Jorge Luis Borges, Julio Cortázar e Nelson Rodrigues, mestre do gênero que, segundo ele, mais influenciou sua produção: a crônica. “O cinema e as artes plásticas são marcantes na minha visão de arte. Mas a crônica é uma referência mais forte para mim. A crônica não precisa de início, nem meio, nem fim. É um sopro, um sentimento, uma visão, um desejo. A crônica educa sem ser didática”, diz.

De volta ao universo poético, o letrista fala sobre a importância — nem sempre reconhecida, segundo ele — de Vinicius de Moraes para a sua geração. “O Vinicius foi o cara que tirou a poesia da torre, muito mais do que os modernistas. Ele sozinho é uma revolução”, afirma o letrista, que também destaca os vários pontos de ruptura da obra do poeta. “Ele se torna um poeta popular num desses pontos. Mas, quando você olha para trás, encontra uma obra densa, clássica, romântica, experimental.”

Bernardo Vilhena também admira o trabalho de três autores “novíssimos”, como ele mesmo define: João Paulo Cuenca (“Tem a voz do momento”), Michel Melamed (“Experimental e corajoso”) e Augusto Guimaraens (“Pela consciência da poesia”). E destaca a pesquisa e o bom texto de Denílson Monteiro em A Bossa do Lobo, biografia do compositor, produtor musical e jornalista Ronaldo Bôscoli (seu amigo, morto em 1994).

O gênero biográfico, no entanto, não faz muito a cabeça de Vilhena. Principalmente se o livro tiver a participação da personalidade retratada. “São verdadeiros delírios de vaidades”, diz o autor de “Menina Veneno”, que se posiciona contra a autorização prévia de biografias. “Essa ânsia de controlar tudo é narcisista. A auto-adoração é uma das maiores marcas do fascismo.”

Em vez de personagens, ele prefere ler — e, acima de tudo, escrever — sobre lugares marcados pela música. Já publicou obras que tratam do bairro carioca do Estácio e do bar de rock Bukowski, em Botafogo. Atualmente, prepara uma dobradinha de livro e documentário com foco no Beco das Garrafas, em Copacabana, reduto boêmio que reuniu figuras como Elis Regina, Wilson Simonal, Sergio Mendes e Baden Powell, entre vários outros, nos anos de 1950 e 1960.

Há, também, um projeto de romance iniciado em 2003, mas ainda não concluído. “Do jeito que está, não tenho vontade nem coragem de publicar”, admite o letrista, que segue compondo para artistas como Mario Adnet, Max de Castro e Vespas Mandarinas.