Perfil do Leitor: Mauricio Pereira
Insônia Literária
Fã de Monteiro Lobato, Kurt Vonnegut e Paulo Leminksi, o músico tem aproveitado uma fase de noites em claro para se inteirar da literatura contemporânea brasileira
Omar Godoy
Mas o fato é que as noites passadas em claro nos últimos tempos acabaram motivando-o a ir além dos clássicos. Decidido a conhecer a produção contemporânea brasileira, Pereira visitou livrarias e arrematou alguns títulos de autores badalados do cenário. Entre seus destaques estão Daniel Galera (“Gostei da crueza do texto, há uma junção de melancolia e vazio”), Nuno Ramos (“Ele trata o ser humano como um amontoado de carne, sangue e ossos, ainda estou assustado com o que li”) e João Gilberto Noll (“Sinto um prazer físico quando leio”).
Por outro lado, ele faz questão de dizer que não há nada que deixa de ler por preconceito. E cita como exemplo Fernanda Young. “Achei que não estava gostando do Vergonha dos pés durante a leitura. Só depois percebi que, além de ser muito bem escrito, o livro tinha mexido comigo de alguma forma, me causado um grande desconforto interno”, conta. O músico ainda revela que encarou um Paulo Coelho, de quem sempre gostou como letrista. “O assunto não é chato, o problema é que o texto não me deu tesão. A biografia do Fernando Morais me agradou mais que o livro dele.”
Também letrista, Pereira revela que escrevia poemas antes de formar Os Mulheres Negras, em meados dos anos 1980. Músicas como “Milho”, “Cabeludas” e “Só Tetele”, gravadas nos discos da dupla, surgiram nesse formato e inclusive foram publicadas em livrinhos impressos em mimeógrafo, quando o músico nem conhecia o parceiro André Abujamra. “Tentei fazer poesia até entender que só poderia ser levado a sério cantando. Literatura exige muita dedicação, o sujeito leva anos para escrever um livro. Letra de
música já é um trabalho mais ligeiro, intuitivo, que permite transgredir a gramática com mais sossego”, compara.
música já é um trabalho mais ligeiro, intuitivo, que permite transgredir a gramática com mais sossego”, compara.
O músico acredita que esse tipo de poesia tem tudo a ver com São Paulo — uma cidade cuja cultura, segundo ele, é totalmente influenciada pela rua. “São Paulo não teve barroco. Também não teve salões, como o Rio de Janeiro.
É a terra do Adoniran Barbosa, dos Racionais, onde se fala uma língua que não é exatamente o português. Eu falo nesse dialeto paulistano, meio errado, sem plural. Acho que o paulista é povo que tem o menor vocabulário no Brasil.” A carreira como poeta foi descartada, no entanto Pereira ainda tem vontade de escrever um livro. No caso, um apanhado de suas memórias no palco e na estrada. “Vi muitas cenas luminosas nesses anos todos. Seria interessante até para eu entender o que encontrei no caminho. Só vou fazer se tiver tempo e achar que vale a pena”, afirma o músico, que nos últimos dois anos também
passou a emprestar a voz para inúmeras campanhas publicitárias.
“Esse trabalho com a ‘palavra falada’ vem me interessando bastante. Tenho buscado vídeos de leituras na internet, coisas como o [ator] Vittorio Gassman declamando poesia italiana. Há pouco tempo, fui convidado para uma noite de leitura da obra do Francisco Alvim, com a Alice Ruiz e o José Miguel Wisnik. Nunca tinha feito isso, fiquei apavorado, mas foi lindo, intenso. Quem sabe não é um novo caminho que possa explorar?”, diz.
passou a emprestar a voz para inúmeras campanhas publicitárias.
“Esse trabalho com a ‘palavra falada’ vem me interessando bastante. Tenho buscado vídeos de leituras na internet, coisas como o [ator] Vittorio Gassman declamando poesia italiana. Há pouco tempo, fui convidado para uma noite de leitura da obra do Francisco Alvim, com a Alice Ruiz e o José Miguel Wisnik. Nunca tinha feito isso, fiquei apavorado, mas foi lindo, intenso. Quem sabe não é um novo caminho que possa explorar?”, diz.