O lado B dos clássicos

Mesmo com um número cada vez maior de editoras se dedicando à publicação de clássicos, ainda há textos de grandes escritores desconhecidos do público brasileiro

Luiz Rebinski Junior


Os clássicos nunca saíram de moda. Dada a importância que têm, estão sempre vendendo. Mas, nos últimos anos, várias editoras têm investido em uma vertente menos celebrada desses livros, focando em dois pontos específicos: a edição de obras menos conhecidas ou esquecidas de autores consagrados e a publicação de escritores bem-sucedidos em seus países de origem, mas ainda desconhecidos por aqui.

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A editora Estação Liberdade tem se notabilizado nessa seara. Nascida no bairro oriental de São Paulo, em 1989, a Liberdade estabeleceu, primeiramente, uma linha de frente de veiculação das letras nipônicas no Brasil, com a publicação de clássicos japoneses como Yasunari Kawabata, Prêmio Nobel de 1968, Eiji Yoshikawa, autor do popular Musashi, além de autores contemporâneos como Haruki Murakami, que virou febre em todo o ocidente a partir dos anos 2000. Com o tempo, no entanto, a Estação Liberdade passou a editar, sempre em traduções diretas da língua de origem, autores das mais diversas literaturas europeias, muitos deles inéditos.

“Tento sempre abordar as obras de um autor de forma estruturada, não pegando simplesmente seu maior sucesso. Eu devia ao público brasileiro o Diário dos moedeiros falsos, de André Gide, obra da obra, um autor narrando sua labuta, e chegando ao cerne das questões de construção do livro, enfim, do ato de escrever em si. Além de André Gide, estamos trabalhando a obra de autores como Kawabata, Heinrich Böll, Soseki, Yasushi Inoue e outros mais atuais, em seu conjunto. Isso não se faz rápido, são anos de empenho”, diz Angel Bojadsen, diretor editorial da Estação Liberdade.

Descobrir “clássicos regionais”, ou seja, grandes escritores que não ultrapassaram as fronteiras de seus
a bela senhora
países, é a outra ponta de atuação da Estação Liberdade. “Às vezes, é comercialmente difícil, mas é saindo do mainstream que você se descobre. Fiquei muito feliz que conseguimos vender razoavelmente bem um polonês que eu descobri durante estados na Polônia. Conheci Andrzej Szczypiorski sob a lei marcial nos anos 1980. A bela senhora Seidenman é uma linda leitura de um episódio histórico muito triste, o gueto de Varsóvia, e otimamente traduzida por Henryk Siewierski, da Universidade de Brasília”, diz Bojadsen.

A editora curitibana Arte & Letra faz do “ineditismo e esquecimento” de grandes textos e autores da literatura mundial um dos seus critérios de publicação. Um exemplo é A viagem preguiçosa de dois aprendizes vadios, livro que Charles Dickens escreveu com o escritor Wilkie Collins depois de uma viagem de férias que os dois fizeram juntos em 1857. Inédito no Brasil, o texto também introduz a literatura de Collins, “um dos mais populares romancistas e dramaturgos de sua época e que é desconhecido da grande maioria dos leitores brasileiros”, conforme diz Thiago Tizzot, editor da Arte & Letra.

Prosa do Mundo


Há dez anos, a Cosac Naify iniciou a coleção “Prosa do Mundo”. O primeiro título, Niels Lyhne, colocou pela primeira vez à disposição do leitor brasileiro um texto do maior romancista dinamarquês do século XIX, Jens Peter Jacobsen (1847-1885), autor que influenciou escritores como Rainer Maria Rilke e Thomas Mann.

o duplo
“A coleção procura fazer um recorte, idiossincrático como qualquer recorte, de obras importantes da literatura mundial que, na ótica da editora e dos seus consultores, mereciam edições caprichadas. Assim, há espaço nela para obras totalmente incontornáveis da literatura mundial clássica e moderna, como Esperando Godot, de Samuel Beckett, e o Vermelho e o negro, de Stendhal, mas também para obras menos conhecidas, como o romance Companheiro de viagem, de Gyula Krúdy”, explica o editor Cassiano Elek Machado, da Cosac Naify.

Perfil parecido tem a coleção “Leste”, da Editora 34, que foi concebida com o intuito de apresentar ao leitor brasileiro a literatura da Europa centro-oriental, ainda pouquíssimo conhecida entre nós. Há uma mescla entre autores completamente desconhecidos do público brasileiro, como o húngaro István Orkény (1912-1969), e escritores consagrados, como Púchkin, Tchekhov, Tolstói e Gógol. Em 2001, o professor e tradutor Paulo Bezerra iniciou um ousado projeto de traduzir os grandes romances de Fiódor Dostoiévski. Obras como Crime e castigo foram traduzidas pela primeira vez no Brasil diretamente do russo, o que transformou Dostoiévski no grande carro-chefe da coleção.

A editora se prepara para lançar, em breve, a novela Minha vida, de Tchekhov, “um texto pouco conhecido do escritor, que é mais famoso por seus contos e peças”, de acordo com o editor Cide Piquet. Segundo ele, a literatura do leste europeu continua muito pouco divulgada por aqui. “Aliás, recentemente a editora Hedra publicou uma coletânea de contos húngaros – com boa tradução de Paulo Schiller – que inclui, entre outros, Deszsö Kosztolányi. Há muitos escritores desses países que não conhecemos. Para sair um pouco do campo da prosa, posso citar o importante poeta húngaro Attila József, por exemplo.”

Clássicos desconhecidos
a perda


Mesmo com um número cada vez maior de editoras trabalhando com clássicos, ainda há textos de grandes escritores desconhecidos do público brasileiro? “Claro!”, responde Bojadsen, da Estação Liberdade. “Estamos reeditando Paradiso, do Lezama Lima. É o gosto do risco. Tem um pouco da coisa de ‘missão’. Você se sente como que obrigado a fazer certas obras. Como não tem Lezama Lima nas estantes brasileiras? Como não tem (tinha) André Gide nas estantes brasileiras? Ou Peter Handke? O Sobre a morte, do Canetti!”

Em alguns casos, os autores são vítimas de si mesmo, de uma ou duas obras-primas bem-sucedidas que acabam eclipsando o restante de sua produção. Nesses casos, joias literárias podem permanecer “escondidas” durante muitos anos. “Com o passar dos anos são os grandes livros que passam a se tornar referência de seu autor e o restante de sua produção fica no esquecimento. Então é preciso que algo aconteça para que tais livros sejam resgatados. Uma iniciativa interessante acontece nos EUA: The Library of America é um projeto que visa manter toda a bibliografia de importantes escritores sempre em catálogo. É uma forma de evitar que os livros de menos sucesso fiquem esquecidos”, diz o escritor e editor Thiago Tizzot.