Narrativas | Lívia Marangoni

Ilustração: Theo Tavares/Thapcom

1

Mãe

Sento no último banco da última fileira de bancos do ônibus, naquele lugar onde é impossível não ceder um sorriso quando passamos por uma lombada. Entra um rapaz, boné virado, gingado na troca de passos. Ele se senta ao meu lado, mas antes deixa que o perfume anuncie sua presença. Quando o perfume chega antes, já não se é menino. Ele logo vira o olhar para a janela e eu, como quem acompanha bolinha de pingue-pongue, deixo que vire também meu pescoço curioso. O ônibus logo chacoalha avisando a partida e leio nos lábios da senhora do lado de fora: “beijinho”. O rapaz despede-se e deixa os dedos grudarem no vidro do coletivo. Se ele tivesse um lenço, acenaria. 

Diante da mãe, o boné nada cobre, o gingado só desequilibra e o perfume nada acrescenta. Porque não precisa.

Amor de xepa

A garçonete recebe e chama de amor quem entra.
Fará o mesmo com quem logo atrás vier.
É o amor de promoção, liquidação de verão.
E quem compra esbanja a barateza do afeto, pra quem queira ouvir.
Ou ler.


Rotina maquiada

Dois exemplares masculinos esteticamente bastante respeitáveis adentram na padaria. Um deles cede passagem, escancarando um sorriso genuinamente improvisado, sem economizar no alongamento dos lábios. A garçonete com a colega invoca Nossa Senhora discretamente. Rodeia, passa no espelho e retoca o batom, ali no seu bolso como um cúmplice esperando o próximo crime. Nada vai acontecer porque não vai acontecer nada. Um sopro de cor nas bocas cansadas do fim do expediente.


Lívia Marangoni, 21 anos, é bailaora de flamenco e cursa Engenharia de Bioprocessos e Biotecnologia na UFPR. Nasceu e vive em Curitiba (PR).