Na Biblioteca de João Carlos de Freitas

Trampolim para a liberdade

Apaixonado pela história do samba e leitor de clássicos, o advogado aposentado João Carlos de Freitas construiu em sua casa um espaço exclusivo para guardar os 6 mil livros que reuniu ao longo da vida


Kaype Abreu

Fotos Kraw Penas
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Quem entra na biblioteca do advogado João Carlos de Freitas pela primeira vez, logo se depara com sinais a respeito do conteúdo dos livros espalhados pelos 80m² do local. Quadros de ícones da esquerda (Che Guevara) e bonecos de personagens célebres como Dom Quixote sugerem as particularidades do dono do acervo. O que se confirma na primeira olhada. Clássicos da literatura universal e livros sobre a teoria socialista dominam os 6 mil volumes do acervo. Mas dividem espaço, em pé de igualdade, com tomos a respeito da história do samba e do espiritismo.

Ainda na infância, viriam duas referências que seguiriam com Freitas a vida toda: a religião espírita e a música popular brasileira. O gosto pelos ritmos brasileiros surgiu quando começou a frequentar um campo de futebol em que parte da plateia era composta por músicos da Colorado — primeira escola de samba da capital paranaense, extinta em 2010. Ao longo da juventude, tentou fazer parte do grupo, mas, para os integrantes que o avaliavam, Freitas não levava jeito. Rejeitado, escreveu, décadas depois, sobre a história da agremiação no livro Colorado: a primeira escola de samba de Curitiba.

De infância humilde, um dos seus primeiros contatos com literatura foi por meio de um amigo, que o chamou para conhecer a Biblioteca Pública do Paraná e pagou para que ele pudesse tirar sua primeira carteirinha. “Desde então, nunca mais parei de emprestar livros lá. Até hoje pego um ou outro exemplar que não tenho”, afirma o advogado aposentado, que também é formado em Letras.

Mas é ao pai que Freitas credita o maior incentivo que recebeu para que se tornasse um grande leitor. Mesmo antes de conhecer a BPP, ganhou dele os primeiros livros — todos didáticos — e o conselho que levaria para a vida toda. “Ao dar livros para mim e para meu irmão, meu pai disse que aquilo seria nossa libertação. Desde então, nunca mais deixei de ler”, diz.

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O Livro dos Espíritos (1857), de Allan Kardec
“Das obras com essa temática, a que mais gosto é o Livro dos espíritos, que é a filosofia espírita em pergunta e resposta.”

A idade da Razão (1945), de Jean-Paul Sartre
 “A primeira vez que ouvi falar de Sartre foi no ginásio. Um amigo disse: ‘Temos que ler isso aqui’. A gente ia para um barzinho e ficava lá trocando ideias sobre o autor.”

Tratado de materialismo histórico (1970), de Nikolai Bukharin
“Foi um dos primeiros sobre teoria marxista que li. Trata de toda a história do materialismo, que é uma perspectiva de observação da sociedade. No comunismo, o grande método de observação é o materialismo histórico dialético.”

História do carnaval carioca (1958), de Eneida de Moraes
“Eneida foi uma jornalista carioca que escreveu muito sobre carnaval. Foi um dos primeiros autores que encontrei. Ela virou até personagem de um enredo de escola de samba.”

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Obra Poética (1969 - 1998), de Octavio Paz 
“O Octavio é um poeta mexicano. Acho que o povo mexicano tem muita semelhança com o brasileiro. Eles são muito alegres e calorosos. O Paz escreve ensaios sobre a cultura em geral, mas o México está sempre muito ligado à obra dele."
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Dom Quixote (1605), de Miguel de Cervantes
“Dom Quixote é um personagem que habita em todos nós. Quem é que não tem sonhos? Você sonha, acha que dá para mudar o mundo. Você sai a combater os moinhos de vento, figurativamente. Gosto do Quixote pelos sonhos. Ele vai com o Sancho Pança combater as injustiças.”

Chão de estrelas (1965), de Orestes Barbosa
“Orestes Barbosa é um dos maiores compositores de música popular brasileira. ‘Chão de estrelas’ também é o nome de uma música dele. Talvez seja o autor do verso mais bonito de MPB: ‘Tu pisavas nos astros distraída/ Sem saber que a alegria desta vida/ É a cabrocha, o luar e o violão”.