Memória literária

40 anos de paixão pelo Planeta dos Macacos

A partir do clássico de Pierre Boulle, Saulo Adami começou uma extensa viagem ao universo ficcional de Planeta dos Macacos. O escritor radicado em Curitiba conta como essa paixão deu origem a Homem não entende nada!, livro lançado recentemente e que reúne material coletado em quatro décadas de pesquisa

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Filmagens em Zuma Beach, Califórnia. Fotografia autografada pela atriz Linda Harrison, em 1998.

Minha avó materna Ema Fornari Conte era benzedeira. Foi ela quem disse à minha mãe assim que nasci que eu seria escritor. Aos 3 anos de idade, escrevia com água, carvão e giz nas paredes da casa- -venda de meus pais. Na Escola Municipal Luiz Silvério Vieira — no Arraial dos Cunhas, no interior de Itajaí, Santa Catarina —, quando a professora Eleta Raimondi Pinto perguntava o que eu queria ser quando crescesse, respondia: “Quero ser escritor”. Aos 9 anos, escrevi os primeiros textos — crônicas e contos —, aos 10 montei a primeira peça teatral com colegas da escola e assisti na TV preto e branco o filme O planeta dos macacos (Planet of the Apes, 1968), de Franklin J. Schaffner.

Foi amor à primeira vista. O filme reunia os meus atores favoritos: Roddy McDowall, Kim Hunter e Charlton Heston; o diretor dos filmes que eu gostava de assistir, e o músico Jerry Goldsmith, que compôs os temas de abertura dos seriados de TV que eu assistia. A maior parte destes filmes, assisti na companhia do meu avô materno, Serafim Conte. Ele tinha um grande parceiro de aventuras, seu cachorro Pió, que era da minha idade. Quando meu avô foi sepultado, em outubro de 1978, ao voltarmos para casa encontramos Pió morto: ele morreu de tristeza, pois eram amigos inseparáveis.

Passei a maior parte da adolescência estudando e escrevendo. Um guri normal, pleno de dúvidas, mas certo de que seria escritor. Mentalizava minhas experiências futuras: escrevendo livros, autografando livros... Meus pais sempre fizeram tudo para me ajudar na realização dos meus sonhos. Mesmo aqueles que não condiziam com o futuro que almejassem para mim. Procurava ajudá- -los no comércio e nas plantações que meu pai fazia em um terreno do qual ele gostava muito, e ao qual chamava de ilha. Eu fazia o que gostava: assistia Vila Sésamo e Shazan, Xerife & Cia. na TV e lia tudo o que podia sobre os bastidores e segredos de O planeta dos macacos e suas sequências, a sua revista em quadrinhos trazia reportagens bem interessantes.
Acervo do autor
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Cartas recebidas por Adami do produtor Mort Abrahams, que trabalhou nos dois primeiros filmes da série cinematográfica (1968-1970).

Em 1978, comecei as pesquisas para o primeiro livro sul-americano sobre os bastidores e segredos deste filme — O único humano bom é aquele que está morto! (Editora Aleph/S&T Produções, 1996). Curioso de nascença, queria saber como era produzida a maquiagem dos macacos, que cidade cenográfica era aquela e, principalmente, quem havia escrito sua história original. Não tinha videocassete e nem telefone em casa. O meio de comunicação mais eficiente era a correspondência. A banca de revistas mais próxima ficava a 20 quilômetros. Escrevi para seção de cartas de revistas especializadas em cinema, algumas pessoas enviaram recortes e outros materiais, e aos poucos, em paralelo à redação do livro, montei um acervo sobre estas séries que hoje somam mais de 1.500 itens. Desde 1978, mais de 400 pessoas contribuíram com minhas pesquisas.

Criei o Cine Clube Postal Planet of the Apes Brazilian Fan Club em novembro de 1984. Dentre os correspondentes mais ativos estavam Haroldo Esteves (Rio de Janeiro), Alexandre Negrão Paladini e Eduardo Cinquini Torelli (São Paulo) e Jeff Krueger (Anaheim, Califórnia). Com recursos próprios, editei O único humano bom é aquele que está morto! — vendi um terreno para juntar o dinheiro necessário. Criei o fanzine Century City News International Edition (1985—2000) e, através da amizade com Jeff Krueger, consegui contato com atores e técnicos de O planeta dos macacos, a partir do lançamento do livro. Mais que isso, o livro virou moeda de troca — um livro valia xis itens — e com isso exemplares foram enviados para 23 países de cinco continentes. Recebi cartas e fotografias autografadas de três ganhadores do Oscar (o ator Charlton Heston, a atriz Kim Hunter e o maquiador John Chambers) e outras dezenas de profissionais igualmente importantes para mim.
Isso rendeu outro livro, Diários de Hollywood: Um brasileiro no planeta dos macacos (S&T Produções, 2008), no qual abordei minha trajetória como fã e pesquisador do tema, e a extraordinária experiência de ser transformado em um chimpanzé, nos Estados Unidos em 1999. Este privilégio devo a Jeff Krueger, que me apresentou ao ator e maquiador Bill Blake, discípulo de John Chambers.

De 1999 a 2003 fiz várias tentativas para uma segunda edição revista e ampliada de O único humano bom é aquele que está morto!. Ouvi ou li aquelas fantásticas respostas que deixam autores indignados: “Este assunto não faz parte da nossa linha editorial”, uma das respostas mais corriqueiras, e dentre todas a mais cretina: encaminhei para tal editora porque sabia que publicava assuntos como cinema e televisão; “Seu trabalho é muito bom!”, como se eu não soubesse; “Não temos interesse”, a mais honesta das respostas.

Será que editores estrangeiros estariam interessados? Providenciei tradução e enviei para editores dos Estados Unidos e da Inglaterra, que responderam respectivamente “nop” e “no”. Revisei, suprimi ou ampliei capítulos, acrescentei trechos de entrevistas, valorizei ao máximo o acervo documental, priorizei o uso de fotografias produzidas por mim e/ou autografadas por estrelas e técnicos. Enviei os originais para duas editoras brasileiras, outra vez respostas desestimulantes. Foi quando decidi que ao invés de ficar tentando mudar o que estava ao meu redor, quem precisava mudar era eu — uma vez mais.

O único humano bom é aquele que está morto! fez de mim referência para outros autores: Eric Greene e Rich Handley (Estados Unidos); Eduardo Torelli (Brasil); David Hofstede (Canadá); Paul A. Woods (Londres); Brian Pendreigh (Escócia). Em Santa Catarina, produzi exposições, a mais importante delas foi Casa do Macaco (2001), com 800 itens de minha coleção. A publicação do livro Homem não entende nada! ficou para depois.
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A cidade dos Macacos foi projetada por William Creber e construída no lote da 20th Century-Fox, em Malibu Creek.

Até que em 2011 — quando me casei com a psicóloga paranaense Jeanine Wandratsch — vim morar em Curitiba. Continuei trabalhando em livros e roteiros para documentários sob encomenda para clientes em Santa Catarina. Em 2013, fui convidado para participar da “Gibicon Curitiba”, onde reencontrei o professor Carlos Alberto Machado — que conheci em 2000 — e fui apresentado a Carlos Magno, desenhista da revista em quadrinhos Planet of the Apes para o Boom! Studios, de Nova York. Durante o painel sobre os Apes, falei de minhas experiências e livros. Alguns espectadores vieram conversar e pedir autógrafos em seus exemplares de O único humano bom é aquele que está morto! — o sinal de alerta foi ligado: estava na hora de voltar a pentear macacos.

Aceitei a sugestão de Carlos Alberto Machado para contatar o editor Marcelo Amado, que morava pertinho do meu endereço curitibano. Assim que leu meu e-mail e conheceu meus planos, o editor afirmou: “Vamos publicar seu livro”. Por alguns instantes, fiquei sem palavras. Sem ação. Sem ar. Por décadas, esperei por tal resposta. Quando ela chegou, pareceria que nem havia passado tanto tempo.

Dias antes de me reunir com o editor, defini os caminhos a seguir. A frase Homem não entende nada — do ministro da Ciência, Dr. Zaius — inspirou o livro que reúne os textos originais de minhas pesquisas iniciadas em 1978 e mais os originais da década de 1990 — somados aos conteúdos revistos e bastante ampliados de O único humano bom é aquele que está morto! (1996), Diários de Hollywood: Um brasileiro no planeta dos macacos (2008), contos de Perdidos no planeta dos macacos (Clube de Autores, 2013 — em coautoria com Angelo Júnior), trechos do inédito Hollywood símia e dezenas de artigos e resenhas que fiz para jornais, fanzines e revistas. Experiências que tive com atores, técnicos e pesquisadores nestes 40 anos de paixão e pesquisa.

Revirando arquivos, defini o perfil do livro Homem não entende nada! — Arquivos secretos do Planeta dos Macacos (Editora Estronho, 2015), empregando um toque pessoal neste fantástico roteiro de viagens de ida e volta ao universo ficcional criado por Pierre Boulle. Hoje, assisto a este filme e faço uma viagem ao universo que George Taylor explorou pela primeira vez na tela de cinema e que guardei na memória. A projeção de um filme que não envelheceu, mas que ainda deverá render muitos outros episódios no cinema, na televisão, nos quadrinhos... e nas livrarias.

Todos nascemos com um dom. Nasci com o dom de escrever. Procuro honrar meu dom todos os dias, pois escrevo diariamente. Vivo profissionalmente do oficio de escrever, desde as primeiras matérias que escrevi para jornais de Santa Catarina no início da década de 1980. Mas, não nasci pronto, fui me aperfeiçoando na prática diária da redação. Porque só aprendemos a escrever, escrevendo; só nos tornamos bons escritores, escrevendo cada vez mais, e lendo cada vez mais a produção de outros autores.

Acredito no sucesso de Homem não entende nada! — Arquivos secretos do Planeta dos Macacos, livro número 78 da minha carreira. Acredito que tenha tudo para fazer sucesso, principalmente agora que novos filmes Planeta dos Macacos estão sendo produzidos e têm agitado fãs no mundo inteiro. Espero ter oportunidade de lançar edições revistas e ampliadas, por muito tempo ainda!

Em cada lançamento da obra — foram promovidas sessões de autógrafos no Paraná, em Santa Catarina, São Paulo e no Rio de Janeiro — tenho oportunidade de reencontrar e em alguns casos conhecer pessoalmente colaboradores daqueles primeiros tempos de pesquisa: quando os únicos aliados que eu tinha eram a máquina de escrever e a sessão de cartas das revistas sobre cinema. Telefone celular e internet eram realidade apenas nos filmes de ficção científica.

Saulo Adami nasceu em Brusque (SC), em 1965. Fez sua estreia no romance com Quarto crescente (2008). Também é autor dos romances Palavra tardia (2008), Kuranda (2010), Kuranda do norte (2011), Kuranda do espaço (2011), Kuranda do Egito (2012) e de outras 70 obras, em diversos gêneros, como poesia, conto e história. O próximo romance do autor, Estradas primitivas, será lançado em 2016. Saulo Adami vive em Curitiba (PR).