Memória Literária | Rio Apa

Na madrugada com Rio Apa

O poeta Reinoldo Atem recupera um episódio ao lado do escritor, agitador cultural e guru de uma geração,Wilson Rio Apa, morto recentemente


Não posso falar do Wilson Rio Apa(1925 — 2016) de forma muito ampla, como ele merece. Talvez o Cristovão Tezza seja a pessoa mais indicada para isso, tanto em relação à literatura quanto à vida pessoal do escritor.

Mas tive uma experiência bastante particular com ele. No início de minha carreira literária, fui procurá--lo em Antonina, no litoral do Paraná,onde ele residia. Nos tornamos amigos.Lembro-me que ele idealizou um relógio de sol para a cidade — não sei se ainda existe e se os prefeitos da cidades e ocuparam disso. Mas, enfim...

Apa era muito simpático e sua mulher, Esther, bastante receptiva.Também conheci seus filhos, rapazes  bonitos e dinâmicos como o pai.

rio apa
O escritor Wilson Rio Apa em noite de autógrafos em abril de 2015, no Museu Guido
Viaro, em Curitiba
.


Em Curitiba, costumávamos nos encontrar no Bife Sujo, lendário ponto boêmio onde eu sentava sempre na“mesa da diretoria”. Apa era muito bem recebido quando chegava. Todos o admiravam e o queriam bem. Alguns amigos frequentavam o bar mais por causa dele. Ele chegou a editar um caderno intitulado “Bife Sujo”, com poemas e desenhos de artistas curitibanos.

Devia ser o ano de 1985. O Alberto Cardoso, conhecido boêmio e poet ada cidade, declamava meu longo poema“URBE URGE” em seu bar, na Praça da Espanha, com muito sucesso — mais tarde repetiria o êxito no bar da antiga sede da União Paranaense dos Estudantes(UPE). O Cardoso declamava meu poema de forma bastante vigorosa. Ao redor dele, o pessoal costumava se admirar com sua grande arte declamatória. Então resolvemos encenar o “URBE URGE”. O Rio Apa faria a direção teatral.

Convidamos também o Hilton Barcelos para fazer a trilha sonora, que ficou muito instigante. O fotógrafo Carlos Macaxeira fez os slides, projetados como cenário, muito expressivos para o tema em questão: a cidade grande.

O Rio Apa convidou alguns frequentadores do Bife Sujo para fazer uma encenação declamada, na sua linha de teatro experimental.Atenderam a solicitação o Maérlio (Ceará), o Alberto Cardoso, o Ivanzinho, a Denise, a Eunice, a Eliane, a Nádia e a Pita.Os ensaios — que duraram cerca de um mês — e as apresentações foram feitas no auditório da Biblioteca Pública do Paraná.

Na época eu trabalhava na agência Pão de Açúcar Publicidade e consegui uma boa divulgação nos jornais da cidade.

Durante a semana toda, o público foi bom. No último dia, o auditório estava repleto. Foi um sucesso.

Fomos comemorar no Bar do Cardoso.Todo mundo festejando e bebendo. Os vizinhos do bar não gostaram da farra e chamaram a polícia, por causa do barulho. Na primeira visita dos policiais, prometemos que faríamos mais silêncio.

Os vizinhos continuaram reclamando.Na segunda visita, as mesmas promessas de nossa parte. Na terceira reclamação,dois dos nossos amigos mais exaltados foram levados presos — o Ivanzinho e a Marise Manoel, minha namorada na época. Eu, com a Kombi do meu pai, recolhi o pessoal e fomos todos até a delegacia, ver se libertávamos nossos companheiros.Vejam só... O Apa foi junto.

Na delegacia não houve acordo.

O poeta e amigo Gerson Maciel tentava entrar em contato com Roberto Requião, à época deputado federal, para liberar nossos presos.

Lá pelas quatro horas da manhã,todos já tinham ido embora da delegacia.Restávamos apenas eu e o Apa na tentativa de soltar os presos. O delegado então nos expulsou dali, sob pena de sermos também presos. Fomos embora desconsolados na noite descabida, o policial descendo as portas da delegacia e encerrando nossos esforços inúteis.

Na manhã seguinte, os dois presos foram libertados.

Reinoldo Atem é poeta e contista. Nos anos1970, foi um dos fundadores da Cooperativa de Escritores, editora local que viabilizou obras de escritores do Paraná e de outras regiões do país. É autor dos livros de poesia Urbe urge, O sopro de tudo, Sob o céu do país e da novela 1971, sobre a ditadura militar. Atem vive em Curitiba (PR).


A literatura popular de Rio Apa

Da redação

Wilson Rio Apa foi uma figura marcante da cultura paranaense
a partir dos anos 1950. Escreveu 32 livros ao longo de 91
anos. Entre suas principais obras, destaque para os romances
Os vivos e os mortos (1989), Um menino contemplava o rio
(1956) e a coletânea de contos No mar das vítimas (1968).

Sua literatura é marcada por uma tentativa de retratar a
vida do homem simples, que procura se afastar dos valores
empreendidos pela sociedade capitalista. “Para Rio Apa,
literatura é reflexo profundo do ato de viver e não apenas
repetição de uma técnica fria que se volta sobre si mesma”,
escreve Cristovão Tezza na orelha de No mar da vítimas. O
autor dos romances O filho eterno e Trapo gravitou em torno
da figura carismática de Rio Apa nos anos 1970.

Wilson Galvão do Rio Apa nasceu em São Paulo, em 1925,
mas passou a infância e a adolescência no Paraná. Também
dramaturgo, formou, nos anos 1970, uma comunidade de
teatro popular em Antonina, litoral paranaense. Isolado da
vida cultural, o escritor viveu durante décadas na Praia da
Pinheira, em Palhoça (SC), até falecer, no dia 7 de setembro
de 2016, em Florianópolis.