Literatura em cena | Londrina

Depois daquele boom

Após a efervescência dos anos 1980, que revelou escritores de ressonância nacional, como Domingos Pellegrini, Mário Bortolotto e Rodrigo Garcia Lopes, Londrina tem uma nova geração de escritores que ainda busca afirmação


Alexandre Gaiotto

Londrina era uma festa nos anos 1980. Em noitadas de porres homéricos, as pessoas iam para o bar e, movidas à cevada, cachaça e uísque, discutiam literatura noite adentro, trocando impressões sobre John Fante, Jack Kerouac e Charles Bukowski. Aos domingos, os jovens escritores corriam para as bancas em busca do caderno “Leitura”, da Folha de Londrina, que deu alguns furos louváveis, como a primeira tradução em português do longo poema “Uivo”, de Allen Ginsberg, feita a quatro mãos pelos londrinenses Rodrigo Garcia Lopes e Maurício Arruda Mendonça. A década de 1980 marcou o início da aventura literária para a turma consagrada de Ademir Assunção, Marcos Losnak, Mário Bortolotto e Márcio Américo. Isso sem falar em Domingos Pellegrini, que já havia sido revelado anos antes.

Espécie de embaixada estadunidense no Sul do Brasil, Londrina fez barulho com seu grito beatnik. E todo mundo ouviu. “Mário Prata um dia disse: ‘Acho que as estradas que vão pra Califórnia passam por Londrina, porque só num lugar como esse para ter uma literatura assim’. Morar em Londrina naquela época deveria ser tão bom quanto morar em São Francisco, nos Estados Unidos. Mas Londrina não é mais a mesma, né? Nós nos evangelizamos”, comenta o londrinense Mário Bortolotto, 50, um dos dramaturgos mais influentes do país.

Comparando com aquela safra oitentista, há quem reclame à beça dos novos tempos. “O cenário da literatura londrinense não está em seu melhor momento”, lamenta a escritora e estudante de Letras da Universidade Estadual de Londrina (UEL) Samantha Abreu, 33. Conhecida na cena londrinense, Samantha publicou Fantasias para quando vier a chuva (2010) e, há dois anos, assumiu a curadoria do Londrix, o maior festival literário da cidade.

 “Já fomos muito mais produtivos, incentivados, divulgados, publicados. Já tivemos muito mais liberdade para fazer a literatura ferver nos teatros, bares e livrarias daqui. Hoje, os bares fecham à meia-noite, as pessoas não se encontram mais para discutir seus livros durante horas na mesa do boteco”, critica. Para piorar, de acordo com a autora londrinense, nem os próprios protagonistas estão unidos o suficiente para fortalecer a cena literária. “Os escritores daqui não comparecem nem aos lançamentos de seus colegas. Muitos vivem na condição de cânones, longe dos bares, das vilas culturais”, acusa.

Outro problema, de acordo com o contista Rogério Ivano, 42, é a dedicação parcial dos autores à literatura. “A maioria dos escritores está com trabalhos consolidados, produzindo com ou sem regularidade. Estamos aguardando novos talentos. A espera é por aqueles que optem pelas letras como expressão, experimentação, estética, não apenas como aventura”, comenta Ivano, que atua como professor no departamento de História da UEL e já publicou livros em editoras como Atual, de São Paulo, e na extinta Aos Quatro Ventos, de Curitiba, além de ter sido publicado por editoras londrinenses.

Nascida em Cambé (PR) e radicada em Londrina, a jornalista e escritora Karen Debértolis (leia conto), lançou cinco obras e fixou seu nome na cena contemporânea da cidade com A estalagem das almas (2006), livro feito em parceria com a fotógrafa Fernanda Magalhães. O livro foi publicado graças ao Programa Municipal de Incentivo à Cultura (Promic), que vem tirando da gaveta uma série de livros de escritores londrinenses. “A publicação e a distribuição do livro são os maiores desafios dos novos escritores. Atualmente em Londrina temos duas editoras, a Atrito Art e a Kan, que buscam se organizar nesse sentido. E o Promic possibilita que os autores tenham acesso ao custeio de produção do livro”, observa.

Na safra dos novos autores publicados com o empurrão do Promic está André Simões. Com voz própria e um humor fino, o jornalista e escritor de 28 anos reuniu meia centena de crônicas e contos em A arte de tomar um café (2010), que saiu pela Atrito Art.
Foto: Saulo Haruo Ohara

O contista Rogério Ivano, já teve livros publicados por editoras de Londrina e de outras cidades fora do Paraná.

ÊXODO

Residindo atualmente em São Paulo, Simões vê a cena londrinense por uma perspectiva otimista. “Estamos, sim, num grande momento. Há muita gente que escreve hoje, mas em um sistema de criação mais isolado. É uma produção cultural adequada ao porte de Londrina. Não creio que aquele boom literário dos anos 1980 aconteça novamente. Se acontecesse, seria o caso de investigar a água de Londrina — ou o uísque que chega à cidade”, ironiza o jovem escritor.

A londrinense Ana Guadalupe, de 27 anos, também segue o mesmo ritmo de Simões, sem pressa para publicar o segundo livro. Considerada um dos fortes nomes da nova poesia brasileira, a escritora teve seus versos inseridos na antologia bilíngue Otra linea de fuego (2009), organizada por Heloisa Buarque de Hollanda e publicada na Espanha.

Formada em Letras pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) e, atualmente, residindo em São Paulo, Ana deixou Londrina aos 10 anos de idade e voltou a morar na cidade dos 13 aos 15 anos. Na internet, publica poemas inéditos constantemente em seu blog (www.welcomehomeroxy.wordpress.com). Sua primeira obra, Relógio de pulso, veio em 2011 pela editora carioca 7Letras. O segundo livro é um desejo, não uma obsessão. “Meu ritmo é um pouco lento. Meu desafio agora é continuar escrevendo da forma como eu escrevia antes, sem a sensação de compromisso e sem medo de abandono por parte dos leitores”, observa.

GRANDES EDITORAS

Nas terras vermelhas, não são apenas os jovens que batalham para emplacar suas obras. A guerra pela publicação é vivida até mesmo pelo poeta Rodrigo Garcia Lopes, autor de 14 obras e mencionado em diversas coletâneas, como Os cem melhores poemas brasileiros do século (2001). “A cada livro novo que lanço, sinto que é como se estivesse chegando agora, embora tenha décadas na estrada da poesia e da literatura”, revela.

Difícil publicar em Londrina? Pior ainda em âmbito nacional, por uma editora consagrada. “Infelizmente no Brasil o talento não basta. Nos bastidores da literatura, o Q.I. (quem indica) ainda conta muito”, lamenta o poeta.

Mesmo sem um pistolão literário, o jornalista e escritor londrinense José Pedriali deu a cara a tapa, e se deu bem. Quando terminou de escrever Fuga dos Andes, Pedriali enviou o romance para três grandes editoras do país. A primeira resposta que recebeu, três meses após enviar o original, foi negativa. Dois meses depois, duas outras grandes editoras nacionais entraram em contato, sinalizando o interesse pelo romance. Publicado pela Record, o livro foi chamado de “obra-prima” por Domingos Pellegrini, reconhecido como o maior escritor londrinense, autor de mais de quarenta obras e vencedor por seis vezes do Prêmio Jabuti, concedido pela Câmara Brasileira do Livro (CBL).


FESTIVAIS, LOSNAK E ARRUDA MENDONÇA

Londrina não é mais aquela dos anos 1980. Os tempos mudaram. Mesmo com as críticas ao cenário local, há uma articulação sólida de alguns meios de comunicação, festivais e encontros literários que movimentam as letras londrinenses. Hoje, o Sesc local colabora com a Semana Literária, convocando autores canônicos para um dedo de prosa com o público, uma vez por ano, tudo com entrada grátis. A Coyote, lançada em 2002 e editada por Rodrigo Garcia Lopes, Ademir Assunção e Marcos Losnak, é uma das revistas sobre literatura mais importantes do país. Há oito anos, o festival Londrix recebe autores de peso para oficinas e mesas-redondas, além de incluir anualmente, em suas programações, um punhado de escritores da casa. Quanto aos sobreviventes dos anos 1980, eles continuam mandando ver, participando de grandes eventos literários e lançando novas obras. Alguns até permaneceram em Londrina, mesmo com o reconhecimento a nível nacional. Mauricio de Arruda Mendonça, que ainda reside na cidade, concilia a carreira literária com a produção na área de dramaturgia.