Estante nonsense

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Alice no país das maravilhas

Publicado em 1865, As aventuras de Alice no país das maravilhas, mais conhecido como Alice no país das maravilhas, é um dos livros fundamentais da literatura nonsense. A protagonista da narrativa, Alice, cai numa toca de coelho e é transportada para um espaço-tempo fantástico, no qual as regras e a lógica são outras, diferentes da realidade. A professora da UFMG Myriam Ávila afirma que o autor, Lewis Carroll (1832-1898), pseudônimo utilizado por Charles Lutwidge Dodgson, parece ter sido uma vítima da educação moralista e autoritária de sua época, da qual teria tomado verdadeiro pavor. Em Alice no país das maravilhas, explica Myriam, Carroll mostra o lado insensato e opressivo daquele autoritarismo, com o qual a sua personagem aprende a lidar com grande competência e se mostra, no fim, capaz de desafiar, enquanto aprende o quanto de incongruência existe também nela mesma e no seu corpo. Esta edição da Zahar é ilustrada e traz a continuação do clássico, o também indispensável Alice através do espelho.

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Adeus, ponta do meu nariz

Edição bilíngue inglês-português, Adeus, ponta do meu nariz reúne desenhos de Edward Lear (1812- 1888) e também limeriques, poemas de cinco versos, rimando AABBA: ou seja, o primeiro, o segundo e o quinto verso são consonantes entre si, da mesma maneira que o terceiro e o quarto (mais curtos que os outros) também são. O livro começa com o seguinte limerique: “Era uma vez um velho e seu nariz/ que sempre advertia: ‘Se você me diz/ que o meu nariz é comprido,/ é porque vive iludido!’/ o velho orgulhoso com seu nariz.” Traduzida e organizada por Marcos Maffei, a obra ainda traz textos que explicam o que são os limeriques e o nonsense, além de informações sobre o percurso de Lear. “Os meus amigos sempre me dizem que eu não consigo fazer nada igual aos outros”, escreveu Lear em uma carta de 1831. De fato, o legado do autor é incomum e — como define Maffei — alia “peculiar senso de humor, no qual cabia uma aguda percepção do ridículo, uma mania de brincar com as palavras e uma queda por desenhar caricaturas.”

Algum tempo depois 

Manoel Carlos Karam (1947-2007) flertava com o absurdo e a visão de mundo dele pode ser percebida nos títulos de seus livros, de O impostor no baile de máscaras (1992) a Comendo bolacha maria no dia de São Nunca (1999), de Pescoço ladeado por parafusos (2001) a Jornal da guerra contra os taedos (2008). Mas o nonsense não está apenas nos títulos. Basta abrir, ao acaso, e ler um fragmento de qualquer um de seus livros para comprovar. A literatura de Karam é nonsense. Algum tempo depois (2014) é um dos pontos altos do legado do autor. No texto de apresentação da obra, Luci Collin faz uma síntese da literatura do prosador catarinense que se radicou em Curitiba: “Aqui está o façanhoso e originalíssimo Karam: pleno, quando exibe o jogo banal com dimensões metafísicas e viceversa. Quem lê Algum tempo depois seguramente tem o que contar para sempre. Gentes com tipos de comportamentos, garrafas de plástico que haviam sido, memórias que abrem arquivos, coleções que nunca foram feitas.”

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Como me tornei freira 

Não é tarefa fácil decifrar a produção literária do argentino César Aira, até pelo fato de que ele tem quase 100 livros publicados. Aira flerta com o nonsense e isso se evidencia em sua narrativa Como me tornei freira, que na edição da Rocco também traz outro texto de ficção, A costureira e o vento. Em Como me tornei freira, quem protagoniza a narração é uma criança, cujo sexo varia, às vezes menino, em outras ocasiões é uma menina, e se chama César Aira. A sua primeira experiência com um sorvete será transformadora: o gosto é ruim e o que acontece em seguida é trágico. “Tudo pode parecer surrealista, mas não encerremos Aira em um rótulo, digamos, sim, que ele joga um jogo de possibilidades infinitas. […] César Aira não é apenas surrealista, porque é único, não se parece mesmo com ninguém”, escreve, em texto de prefácio, Sérgio Sant’Anna. Aira está além dos rótulos e dá trabalho para aqueles que pretendem compreender a sua ficção limítrofe, com sucessões vertiginosa de episódios, imagens e humor, puro nonsense.

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O triste fim do pequeno menino ostra e outras histórias

O cineasta norte-americano Tim Burton é conhecido mundialmente por dirigir, entre outros filmes, Batman (1989), Edward mãos de tesoura (1990), Ed Wood (1994), Marte ataca! (1996), Planeta dos macacos (2001) e A fantástica fábrica de chocolate (2005). Mas no início de sua trajetória, antes de ser diretor de longa-metragens, ele foi ilustrador, o que teria impacto em sua trajetória no cinema, onde realizou, e realiza, filmes com expressivo impacto visual. Acima de tudo, Burton dialoga com o nonsense e, não por acaso, realizou a adaptação cinematográfica de Alice no país das maravilhas (2010), de Lewis Carroll. Também é possível acessar o imaginário nonsense do autor em O triste fim do pequeno menino ostra e outras histórias. A obra, que também traz desenhos de Burton, apresenta — por meio de breves poemas — personagens infantis incompreendidos e desajustados inseridos em atmosferas sombrias, em meio a objetos que causam estranhamento e não pouco desconforto.

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As relações naturais e outras comédias

O gaúcho José Joaquim de Campos Leão (1829- 1883) utilizou o pseudônimo Qorpo-Santo para assinar a sua produção artística, que ficou praticamente desconhecida até a década de 1960. Ele escreveu, apenas em 1866, 17 peças de teatro, cinco delas reunidas nesta coletânea da Editora Peixoto Neto. Décio Pignatari foi um dos responsáveis pela valorização da obra do autor e é do poeta concreto uma das sinopses mais certeiras, e sintéticas, a respeito de As relações naturais: “A obra se passa num bordel que calha de ser também uma casa de família. Personagens surgem e desaparecem sem maiores explicações. Ao final, o dono da casa e seus filhos enforcam em efígie o marido-pai-cliente.” Definido como dramaturgo do absurdo, surrealista, Qorpo-Santo é um expoente do nonsense no Brasil. Produziu quase no mesmo período em que Edward Lear e Lewis Carroll escreveram, sem ter contato com as obras dos autores ingleses. O legado de Qorpo-Santo merece, realmente, ser conhecido pelos leitores brasileiros.