Especial | Tradução

Traduzir é preciso

Para autores e editores, programas governamentais de estímulo à tradução têm sido fundamentais para a circulação da literatura brasileira no exterior

Omar Godoy

 


Cerca de 50 autores vão representar o país no Salão do Livro de Paris 2015, que acontece entre o dias 20 e 23 deste mês. Na condição de homenageado da 35ª edição do evento, o Brasil contará com um espaço especial no pavilhão de exposições de Porte de Versailles, onde haverá venda de livros, palestras com escritores e uma programação cultural paralela. A ação faz parte do esforço recente do Ministério da Cultura (MinC) para promover a literatura brasileira no exterior — uma política que inclui a participação em feiras internacionais e, especialmente, o incentivo à tradução.

Editores e autores são unânimes em reconhecer que estimular a produção de traduções para outros idiomas é crucial para a circulação mundial do livro brasileiro (e, consequentemente, da língua portuguesa e da produção intelectual do país). O Governo Federal também tem esse entendimento, e há quatro anos anunciou um investimento de R$ 12 milhões, até 2020, em ações nesse sentido. Uma delas foi a reestruturação do Programa de Apoio à Tradução e Publicação de Autores Brasileiros no Exterior, criado em 1991 pela Fundação Biblioteca Nacional (FBN), vinculada ao MinC.

No ano passado, 52 títulos foram traduzidos e publicados em outras línguas por meio do projeto. Dom Casmurro (Machado de Assis), por exemplo, foi adaptado para o amárico, idioma oficial da Etiópia. O filho eterno, de Cristovão Tezza, virou Vecniot sin na República da Macedônia. Barba ensopada de sangue, de Daniel Galera, saiu na Espanha em duas edições diferentes: em espanhol e catalão. Até O Alquimista (Paulo Coelho), certificado pelo Guinness Book como o livro mais traduzido do mundo, ganhou uma versão em armênio.

O sistema consiste na oferta de “bolsas” para editoras estrangeiras que demonstrem interesse em lançar obras de autores brasileiros. Essas empresas devem comprovar que são atuantes no mercado e apresentar o currículo do tradutor a ser contratado. O valor do subsídio pode variar entre US$ 1 mil e US$ 8 mil. A FBN ainda promove iniciativas como o Programa de Residência de Tradutores Estrangeiros no Brasil e a revista Machado de Assis, coeditada com o instituto Itaú Cultural.

“A recente onda de traduções de autores brasileiros no exterior seria no máximo uma marolinha, talvez nem isso, se a Biblioteca Nacional não tivesse vitaminado e desburocratizado esses projetos”, garante o escritor, crítico e jornalista Sérgio Rodrigues. Presença confirmada no Salão de Paris, ele teve seu premiado romance O drible (2013) publicado na Espanha pela editora Anagrama, com tradução subsidiada pelo Governo Federal. “Há quem ache que se trata de uma ação estatal indevida. Mas esses críticos talvez não saibam que qualquer país menos bagunçado do mundo adota programas semelhantes ao brasileiro, até mais agressivos. Entre eles França, Alemanha, Espanha, Holanda, Itália e Japão”, diz.

Para Luciana Villas-Boas, criadora da empresa de agenciamento e consultoria literária VBM, a multiplicação de livros brasileiros publicados no exterior nos últimos anos não teria sido possível sem as políticas de apoio à tradução do MinC. “O país está sem dinheiro para beber água e acender uma lâmpada. Mas, se for para cortar verbas desses programas, que terminem as viagens e participações em feiras, e que sejam mantidas as traduções”, afirma a executiva, ex-diretora do Grupo Record, onde trabalhou durante 17 anos.

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SEM RESSONÂNCIA

Subsídios à parte, existe, de fato, uma demanda por autores brasileiros no exterior? Há interesse por uma literatura que reflita o novo momento do país, agora mais integrado com o cenário global? Para Luciana, editores e leitores nunca se pautaram por esse tipo de critério. “O que interessa são bons livros, de preferência bem lançados, contemplados com uma boa verba de marketing. De qualquer forma, o editor internacional mostrará mais boa vontade de avaliar livros que tiveram ressonância no Brasil e mereceram prêmios e consagração da crítica”, explica.

O problema é que essa “ressonância” interna está cada vez mais limitada, como aponta Alberto Mussa, um dos autores mais beneficiados com as bolsas de tradução. “Desde mais ou menos meados dos anos 1980, o escritor brasileiro deixou de ser o mais vendido no Brasil. E o editor estrangeiro aposta pouco em quem vende pouco em seu país”, afirma o autor de obras como O enigma de Qaf e O senhor do lado esquerdo, vertidas para 12 idiomas. “Só quando o autor nacional voltar a ser lido aqui é que vamos poder aumentar o número de edições internacionais. Nesse sentido, a ação fundamental ainda é o investimento em educação”, completa.