Especial | Nicolau - Melhores edições

As melhores edições do Nicolau

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Edição 1 — Imagine a situação. Manoel Carlos Karam escreve um texto para a orelha de um livro [real ou fictício?].Valêncio Xavier assina uma entrevista imaginária com Poty Lazzarotto. Jamil Snege apresenta a sua prosa poética ímpar. Sérgio Rubens Sossélla entra em cena com a sua poesia inconfundível: “do público/ só me interessa/ o reservado”. Paulo Leminski resenhando lançamentos, Alice Ruiz traduzindo poemas japoneses e Domingos Pellegrini com a sua ficção peculiar. Pois a primeira edição do Nicolau, de julho de 1987, trazia tudo isso. Sim. Aqueles que se tornariam grandes nomes da ficção e poesia paranaense e brasileira estavam lá, no primeiro movimento daquele que seria um dos marcos do jornalismo cultural brasileiro. A geleia geral da cultura tinha espaço em todo o impresso. E o veículo não se restringia ao texto: os craques do traço marcaram presença desde o marco-zero (e por todos os 60 números do jornal) — Rogério Dias na capa e Solda no miolo. “Nicolau se quer, assim, como o registro vivo, inquieto e perturbador do tempo em que vivemos”, escreveu, no editorial, Wilson Bueno, escritor e o editor do jornal.


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Edição 12 — “É preciso lutar. Porque é na luta que se eleva o nível de consciência política e ideológica.” Esse foi o recado que Luiz Carlos Prestes deu aos jovens, durante a entrevista que concedeu a Dalva Ventura e Manoel Wambier — o conteúdo está nas páginas 6, 7, 8 e 9 da 12.ª edição do Nicolau. Prestes tinha 90 anos e falou um pouco de tudo. Múltiplo, Nicolau apresentava ao público, na página 10 da mesma edição, uma análise da performance músico-existencial de Itamar Assumpção por Luiz Tatit: “Itamar faz um rock de breque.” Um poema de João Cabral de Melo Neto, uma análise da arte de Poty por Cassiana Lacerda, uma tradução de James Joyce por Paulo Leminski (trata-se de um fragmento de Finnegans Wake) e uma resenha de Pão e sangue, de Dalton Trevisan, por Rosse Marye Bernardi são os destaques de uma edição repleta de pontos altos — o que inclui uma página, a 27, com intervenção gráfica de Guinski, um texto de João Antônio e outro de José Paulo Paes.


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Edição 18 — Tony Ramos confessou: “O que eu quero deixar claro, é que eu sou um cara angustiado como tudo mundo, ansioso como todo mundo, que às vezes acorda irritadão, embora procure não passar isso para os outros”. Nando Reis desabafou: “O mundo trata mal as pessoas. Isso é uma triste constatação”. Os dois depoimentos encorpam a edição 18 do Nicolau. Tony Ramos abriu o coração para Dalva Ventura. Já Nando Reis, Charles Gavin, Branco Melo e Marcelo Frommer, quatro integrantes dos Titãs, conversaram com Ademir Assunção. A polifonia da edição viabilizou a voz literária inclassificável de Ricardo Guilherme Dicke, o experimentalismo de Sérgio Rubens Sosséla, a poesia de Manoel de Barros (“Gravata de urubu não tem cor”), a lírica de Mário Quintana (“A noite dorme um sono entrecortado, alfinetado de grilos”) e um ensaio fotográfico sobre manequins, clicado com muita arte por Carlos Roberto Zanello de Aguiar, o Macacheira.

 

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Edição 21
— Jamil Snege, após sua morte, em 2003, tornou-se um dos escritores paranaenses mais cultuados do Estado. Em vida, o autor se valeu do espaço do Nicolau para publicar parte de sua obra. Na edição 21, Snege aparece com fragmentos do que viria a ser O jardim, a tempestade, ao lado de outros textos inéditos, como o da trinca de poetas Marcos Prado, Roberto Prado e Thadeu Wojciechowski. A edição ainda publicou duas cartas inéditas de Machado de Assis: na primeira, o escritor evocava companheiros de ofício e o culto aos amigos; na segunda, enviada poucos dias antes de morrer, Machado relatava seu estado de saúde e o amor que tinha pelas palavras. Jornalisticamente a edição também foi marcante. Mauro Montilha foi a Porto Velho experimentar Ayahuasca e participar dos rituais da seita União do Vegetal. Lá, anotou tudo que viveu e sentiu sob os efeitos alucinógenos da planta, numa transcrição direta das suas visões amazônicas. E duas entrevistas ganharam destaque. A primeira feita com a psiquiatra Nistis Jacon, que fez história no teatro paranaense à frente do grupo Proteu, em Londrina. Já nas páginas finais da edição, quem dava as caras era William Burroughs. Esquivo, o beatnik, líder espiritual e neto do inventor da máquina de calcular, não dava entrevistas havia anos. No Nicolau, o autor falou do passado, do pesadelo da história, de demência, seu método cut-up e ficção.


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Edição 25 — A edição de julho de 1989 foi publicada um mês após a morte do poeta Paulo Leminski. Em clima de luto, o número 25 foi quase todo dedicado a Leminski. Na seção “Mosaico”, amigos como Nelson Capucho, Alice Ruiz, Arnaldo Antunes, Denise Guimarães e Eduardo Ribeiro deram seus depoimentos. Jorge Mautner, por sua vez, decretou: “Paulo Leminski sempre foi e sempre será o além-poeta da tempestade. Ele é a síntese de todo aquele romantismo da Polônia e do romantismo do Brasil. Um samurai-poeta”. Rodrigo Garcia Lopes escreve um longo ensaio sobre o legado poético do “Polaco”. O texto foi permeado com originais de Leminski, em que aparecem anotações sobre seu romance Catatau. O jornal ainda traz o texto “Wanka”, do próprio Leminski. Já Boris Schneiderman analisou o trabalho de tradução desenvolvido por Leminski paralelamente à carreira de poeta. E Antonio Risério falou sobre Catatau, lançado originalmente em 1975 e que à época voltava às prateleiras em edição da Editora Sulina. Ao final do especial, Wilson Bueno, Domingos Pellegrini, Régis Bonvicino, Josely Vianna Baptista, Sylvio Back e Haroldo de Campos publicam poemas em homenagem ao amigo. 


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Edição 35
— O diretor de teatro José Celso Martinez Corrêa deu o tom da 35ª edição. Em entrevista a Sábato Magaldi, afirmava que “rexistir é preciso”. O bate-papo durou quatro horas e, conduzido pela euforia do diretor, rendeu três páginas cheias do Nicolau. Era tempo de eleição, e o jornal foi à caça daqueles que queriam governar o Paraná, elaborando três perguntas sobre políticas culturais para os candidatos que iriam para o segundo turno: Roberto Requião e José Carlos Martinez. Na época também foram extintos alguns órgão de apoio à cultura, como a Embrafilme, Nicolau consultou alguns secretários da cultura em busca da resposta para a pergunta: “O que a cultura pode fazer pelo Estado?”. Nomes como Cláudia Roquette-Pinto, Maria Christina de Andrade Vieira, Moacyr Scliar, Sebastião Nunes, Newton Rodrigues, Jomard Muniz de Britto, Nitis Jacon e Silviano Santiago também falaram sobre a resistência cultural no Brasil. Lélio Sotto Maior e José Lino Grünewald discutem a Nouvelle Vague, o cinema francês e como ele ultrapassou os limites da ficção. Poemas de Langston Hughes foram traduzidos por Sylvio Back.

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Edição 37 — A música deu, em grande medida, o tom da edição 37 de Nicolau. José Miguel Wisnik contou, a Alice Ruiz, sobre o seu percurso musical: “Na minha família não tinha músicos. Mas minha avó polonesa tinha um senso musical muito forte. Eu passei a infância e a adolescência estudando piano, Chopin sobretudo. Minha avó me corrigia nas mazurcas”. Wilson Bueno e Fernando Karl traduziram “Para escutar com fones de ouvido”, texto de Julio Cortázar. Entre outros variados conteúdos, Arthur Tramujas Neto faz um ensaio, “Te cuida, tchê!”, sobre os pontos de contato entre os paranaenses e os gaúchos, Cassiana Lacerda decifra os mistérios de Emílio de Menezes e Millôr Fernandes apresenta o seu talento em breves poemas, entre os quais: “Noite de fadiga/ No céu/ Uma antiga” e “Lá no pico/ A gaivota acorda o sol/ com o bico.” Nas duas páginas centrais, Mazé Mendes — pintora e desenhista — mostra toda a força de seu traço inconfundível.


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Edição 42 — Além do espaço para os inéditos, sobretudo poesia — que ocuparam a maior parte das páginas do Nicolau —, as entrevistas podem ser, sem exagero, apontadas como um dos momentos mais importantes do suplemento. Afinal, os depoimentos se apresentam, olhando a partir de hoje, como documentos relevantes até para pesquisas e trabalhos acadêmicos. A edição 42 traz, por exemplo, uma entrevista de Jamil Snege, concedida a Marília Kubota. O escritor morto em 2003, hoje festejado pela nova geração de autores brasileiros, dispara frases de impacto. “Não acredito no poder coercitivo da propaganda”, disse o sujeito que ganhou a vida como publicitário. “Todo artista vive em permanente desacordo com o mundo. A arte é a não-aceitação do empírico como ideia dos sentidos”, afirmou o artista que dedicou grande parte dos 63 anos a escrever uma ficção a partir de uma linguagem extremamente elaborada. “O humor é a capacidade de rir da própria tolice humana”, definiu o curitibano que, acima de tudo, foi um humorista em tempo integral, que ria de tudo, principalmente de si mesmo.


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Edição 44 — A multiplicidade de vozes que sempre pautou o Nicolau está mais do que presente na edição 44. Luis Fernando Verissimo confessa, na seção “Mirante”, que gostaria de ter sido Louis Armstrong: “Fui procurar um curso de música em Washignton D.C. para aprender piston. Eles emprestavam o instrumento. Não tinham um piston no momento. Tinham um sax alto. Servia? Serviu. O meu projeto de vida seguinte — ser o Miles Davis — já começou prejudicado. Além de a raça ser errada, o instrumento também o era”. A equipe do jornal entrevistou o bamba Cesar Lattes, um dos mais ilustres curitibanos, notável no mundo da física, que falou sobre música, poesia e do encontro com Einstein: “Vi Einstein passar, sem meias, em Princeton, não estava mais trabalhando...”. Sábato Magaldi pensa o teatro, Caco de Paula e Lauretino Gomes comentam o cotidiano dentro e fora de uma redação e Tiomkim assina o ensaio fotográfico “Ephebo Barro Ephebo”. Poético, Bueno comentou essa multiplicidade com nonsense: “Todo homem é um arquipélago aberto para os acidentes da paisagem”.


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Edição 51 — “Boa noite. O jornal Nicolau está começando agora, hoje em edição telejornalística.” A frase é enunciada, na página 3 da edição 51, pelo jornalista Pedro Bial, na época, com 35 anos. Hilda Hilst concedeu entrevista à equipe do jornal, com a participação de Inês Mafra, e apresentou reflexões a respeito de diversos assuntos, em especial sobre o processo de criação: “Acho que o escritor quase sempre está inteiro naquilo que escreve. Existem, claro, momentos que não fazem parte da sua vida, mas acredito que o escritor está totalizado naquilo que escreve.” Rodrigo Garcia Lopes ganhou três páginas para apresentar a sua poesia, enquanto Ricardo Corona, em uma página, comentou a cultura dos Jivaros, tribo peruana para quem o ato de encolher a cabeça do inimigo é a única maneira de vencê-lo. Se os peixes da capa trazem a assinatura de lauro Borges/Joba Tridente, as duas páginas centrais veiculavam a arte de Leila Pugnaloni, carioca que se radicou e construiu percurso nas visuais morando em Curitiba.


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Edição 55 — O último Nicolau com Wilson Bueno na edição traz, entre os muitos destaques, a última entrevista concedida por Jorge Luís Borges, no dia 16 de julho de 1984, ao ensaísta norte-americano Clark M. Zlotchew. “Vi um homem ser morto pela única vez em minha vida. E não me impressionou quando ocorreu, impressionou-me depois. A coisa cresceu em minha lembrança. Imagine: ver matar um homem”, disse Borges ao ser questionado sobre uma cena que teria presenciado na fronteira entre o Brasil e o Uruguai. Luis Fernando Verissimo faz um ensaio sobre o humor, um texto memorável: “O homem é o único animal que ri de si mesmo. A hiena também ri, mas não tem nenhum senso de humor. Ou, pelo menos, nenhuma teoria a respeito.” Em “História das histórias da Rua XV”, o historiador Ruy Wachowicz conta alguns episódios a respeito do que acontecia, em um passado distante, na mais conhecida rua da capital paranaense: “Era costume curitibano, no império, fincar paus em frente das casas comerciais, ou colocar argolas nas calçadas, para o cliente amarrar suas cavalgaduras”.


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Edição 57 — Sob nova direção, com Regina Benitez à frente do suplemento, Nicolau se tornou um jornal completamente diferente do que era nos tempos em que Wilson Bueno estava no comando. A poesia quase não aparece na edição 57 — as 36 páginas estavam à disposição, sobretudo, de ensaios — em uma edição dedicada ao centenário do cinema. Bebéti do Amaral Gurgel assina uma pensata sobre o centenário da sétima arte, tendo como ponto de partida para o artigo a presença da mulher nos filmes. Já Lélio Sotto Maior Jr destaca dez momento do cinema, citando filmes de Hitchcock, Kubrick, Godard, Resnais, Bergman e outros diretores acima da média. Os gêmeos Willy e Werner Schumann refletem sobre o humor no cinema, enquanto Ali Chaim apresenta uma enquete, na qual personalidades curitibanas, como Vinícius Coelho e Lala Schneider respondiam breves questionários sobre filmes, atores e gêneros cinematográficos. Nireu Teixeira, no texto “Horizonte de cinema”, lembrou que “o cinema foi muito mal visto pelos intelectuais que o viram nascer”.