Especial |Geração Mimeógrafo

Eu por mim mesmo

Aos 65 anos e com mais de quatro décadas de vida literária, o poeta Thadeu Wojciechowski revisita sua trajetória na literatura curitibana, marcada pelas parcerias com músicos, artistas gráficos e escritores


Antonio Thadeu Wojciechowski


Foto: Divulgação

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Nunca consegui fazer uma divisão entre minha pessoa e o poeta que se manifestou nos primeiros anos da minha vida. Hoje, com quase 65 anos, percebo claramente que a poesia é algo inseparável do meu ser. Tudo que fiz, li, estudei, escrevi, traduzi, compus, conversei, dei aula ou palestrei, está diretamente ligado a esta arte. Dos primeiros poemas, aos seis anos, até os atuais, 59 anos depois, a sensação ainda é a mesma: emoção à flor da pele, pelo encantamento criado pela sonoridade e cadência dos versos. Sou um perfeccionista, um artesão da palavra, que não mede esforços para conseguir alcançar algo mais na beleza, ou graça, ou inovação, ou diversão naquilo que escrevo.

Nada neste mundo me comove mais do que a poesia e a música. É para elas que dediquei a minha vida inteira. Depois de alguma confusão provocada pelo golpe de 1964, quando pus meus poemas a serviço do combate ao golpe, fui, aos poucos, encontrando meu próprio caminho, minha própria forma de expressão. Os primeiros poemas, ternos, pueris e líricos, tinham sido substituídos por poemas amargos, palavrosos, pareciam palavras de ordem, e não, poesia. Com o tempo, meu tosco comunismo foi dando vez ao meu estilo espesso e focado exclusivamente na arte e na invenção da vida.

A história se repete como Barsa 

Tudo começou a mudar quando, em 1978, junto com Leopoldo Scherner, organizamos um recital na PUC, intitulado Sala 17, com a participação de vários poetas. O sucesso foi tanto que me fez ver uma nova realidade. Na verdade, foi um grande incentivo para que iniciássemos uma nova fase na literatura curitibana. Tomei o controle e iniciei o Movimento Sala 17, que culminaria com a publicação de três antologias: Sala 17, Reis magros e Sangra: cio. Além de mim e do professor Sherner, Marcos Prado, Roberto Prado, Tatara, Roberto Bittencourt, Hamilton Faria, Paulo Leminski, Paulo Venturelli, Solda, Rettamozo, Eduardo Cabral, entre outros, assinavam a autoria. O lançamento da antologia Sala 17, na Casa Romário Martins, foi colossal, épico, com a presença de milhares de pessoas, no Largo da Ordem. E foi o elo para a vinda de dezenas de artistas para o nosso convívio. Músicos da grandeza de um Cabelo, falecido recentemente, Walmor Goes, o Frank, Rodrigo Barros Homem Del Rey, Luiz Antonio Ferreira, foram trazendo novas possibilidades para a arte que fazíamos. Centenas de canções nasceram à luz da bazófia, do chiste e da pilhéria, assim como do lirismo e da emoção. Sérgio Viralobos foi um dos que radicalizaram na desconstrução do discurso vigente, criando uma poesia em que a musicalidade ganhou contornos genuinamente curitibanos.

Edilson Del Grossi, Edson de Vulcanis e Márcio Goedert foram também reforços importantes naquele período. Foi a época da loucura total. Minha amizade com Marcos Prado e toda essa turma criou um elo com a nova geração e dele nasceram bandas, movimentos, estéticas, que moldaram o atual rosto da cidade. Líamos, víamos e ouvíamos tudo que pintasse pela frente. Nada foi deixado de lado, de Noel a Issa, de Hendrix a Kliebnikov, de Mozart a Catulo da Paixão Cearense, do romantismo ao Tao, de Chico a Dante Alighieri. Traduzimos dezenas de livros e poetas, escrevemos outro tanto. As músicas pululavam à nossa volta. Livros às pencas nas formas mais diversificadas, tipo cordel, xerox, mimeógrafo, os feitos para eventos em bares. E os mais bem cuidados, com parceria de artistas gráficos, e impressos nas melhores gráficas. Miran, Solda, Ubiratan Gonçalves de Oliveira, Roberto Jubainski, Alessandro Wojciechowski e Alessandro Ruepel (o Magoo) foram alguns artistas que foram parceiros. 

Com o show POR UM NOVO INCÊNDIO ROMÂNTICO, da Contrabanda, Curitiba se lançava na modernidade e na vanguarda. Tudo mudou para melhor. Na sequência, viriam o Beijo AA Força, Os Adoráveis Cantores Românticos Incuráveis, Maxixe Machine, entre dezenas de outras bandas. O Bar do Lino virou o point, onde se encontravam o melhor e o pior da cidade. 

As letras/poemas ganharam força, precisão, humor, contestação, a estética punk se impôs e fez história. O Leminski, após Catatau, ganhava o Brasil com uma poesia cheia de graça e estilo. Marcos Prado e Sergio Viralobos se transformariam nos letristas favoritos da nova geração e eram cantados pelos quatro cantos da cidade. Eu e Roberto Prado trabalhávamos juntos e participávamos de quase todos os projetos, com letras, poemas, matérias, artigos. O livro OSS foi o marco de toda essa nova estética. Meio marginal, meio filosófica, meio TUDO AO MESMO TEMPO AGORA JÁ NESTE MOMENTO INCLUSIVE ANTES E DEPOIS.

Canções assombraram as madrugadas 


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Com a morte do Leminski e, alguns anos depois, do Marcos Prado, um vazio se formou, mas tinha um BAR DO MEIO no meio do caminho. E foi lá que a tristeza nos deu grandes alegrias. Eu, Edilson Del Grossi, Edson de Vulcanis e o Magoo matamos a saudade a talagadas incontáveis, inomináveis. Canções, quase gritadas, assombraram as madrugadas e a escandalizada população leite quente. 

Além dos livros em parceria, como o Tao, os Catalépticos, O amor é Lino, O carinho da violência, Comes, bebes e fumacês, entre outros, lancei três dezenas de livros, com destaque para o livro de poemas Meteoro, o romance Assim até eu, o livro de humor Koan do como onde, a novela Os bêbados amam demais, e o CD Wojciechowski, lançado pela Grande Garagem que Grava. Então, conheci o maestro Octavio Camargo e a Barbara Kirchner. Formamos o grupo Língua Madura e fizemos quase uma centena de canções. O tema era a dor das coisas não ditas, das falas malditas, do silêncio criminoso e conivente que provoca o fim das relações. Lançamos quatro CDs, com o livro das partituras e letras, fizemos vários shows. Tudo muito lindo, tudo muito triste, tudo muito épico, tudo muito satírico. 

Hoje trabalho na Uninter e mantenho uma página no Facebook onde posto poemas quase diariamente. É a melhor forma de receber um feedback quase instantâneo e, ao mesmo tempo, colaborar com os novos poetas. Não me sobra muito tempo, mas, felizmente, a aposentadoria bate à minha porta e, assim, espero, logo logo, ter todo o tempo livre para o ócio e a alegria. Tenho muitas obras por escrever, muitas músicas por compor, muitos autores por traduzir, muitos filmes por realizar. O Giuliano Andresso esta semana me propôs uma parceria para a realização de programas de TV e curtas. Cinema como eu gosto.

Tem sempre algo novo no antigo 

Um novo começo, vem aí um Thadeu que eu ainda não conheço. Mas se me pedissem para olhar para trás, diria que eu não perdi nada, eu encontrei muita coisa boa. Amigos excepcionalmente criativos, bons de conversa, melhor ainda de versos. Augusto dos Anjos, por exemplo, está quase sempre presente. Cruz e Sousa, Dante, Shakespeare, Rimbaud, Baudelaire, Maiakovski, Emily, Poe, Yeats, Bashô, Issa, Adam, Kliébnikov, Marcos Prado, Leminski, Machado, Dalton, Nelson Rodrigues, Noel Rosa, Nelson Cavaquinho, enfim, a companhia é grande. Tem sempre algo novo no antigo. Tem sempre algo antigo no novo. Muita gente acha que essas quinquilharias tecnológicas (espelhinhos pra enganar índio) são o novo. Vivem iludidos na matéria, trocando sua eternidade por produtinhos e artiguinhos de grifes, nem desconfiam que a novidade é uma impossibilidade matemática. 

Antonio Thadeu Wojciechowski, conhecido como o Polaco da Barrerinha, é publicitário e professor de literatura e língua portuguesa. Letrista e compositor, autor de numerosas músicas, algumas delas gravadas pelas bandas Beijo AA Força e Maxixe Machine. Tem mais de três dezenas de livros, em prosa e poesia, dos quais se destacam Ai dos que não são Thadeu (poemas, 1994), Assim até eu (prosa, 2003) e Koan do como onde: saboro nosssuco (filosofia, 2009). Vive em Curitiba (PR).