Especial Capa: A ficção nacional no mapa

Escritores brasileiros que estão conquistando espaço nas estantes estrangeiras falam sobre o recente interesse em nossa literatura e como fatores extra-literários, como o crescimento econômico do país e o aquecimento do mercado editorial interno, ajudam a alavancar nossa literatura no exterior

Irinêo Baptista Netto
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Mais que nunca, existe hoje o esforço de apresentar os escritores brasileiros aos leitores estrangeiros. O trabalho envolve questões literárias — editores e leitores sempre se interessam por bons livros, não importa de onde venham —, mas está ligado também ao encanto que o Brasil exerce em parte do planeta, um encanto econômico, somado à atenção inevitável atraída pelo país que hospedará uma Olimpíada e outra Copa do Mundo até 2016. Olhando de novo, é possível até que as questões literárias não sejam tão relevantes assim.

“Se existe algum mesmo [interesse crescente do mundo pela literatura brasileira], provavelmente se deve a fatores extraliterários: crescimento da economia, maior presença do Brasil no mundo, crise europeia — que faz o Brasil parecer melhor na comparação —, Feira de Frankfurt homenageando o país, etc.”, diz Michel Laub, em uma troca de e-mails com o Cândido. Ele é autor de Diário da queda, vendido para sete países europeus, mais Estados Unidos e Israel.

Frankfurt, na Alemanha, coloca o Brasil de novo no centro de sua feira literária em 2013, criando oportunidades para negócios. Nela, haverá ainda o lançamento da Machado de Assis Magazine, uma publicação que sumariza o momento atual da literatura brasileira.

A proposta da revista é traduzir textos do português para o inglês e o espanhol, dando mais visibilidade aos escritores do país. O número um já está disponível na internet e reúne textos de 22 autores, do homem que deu nome à publicação e escreveu Dom Casmurro ao Alberto Mussa, que ambientou seu último romance, O senhor do lado esquerdo, com sete traduções em andamento, num Rio de Janeiro próximo ao de Machado de Assis (1839-1909).

“Sempre ouço falar que os editores estrangeiros querem uma boa história que retrate a sociedade brasileira contemporânea”, diz Alberto Mussa. “Nesse caso eu não seria traduzido em lugar nenhum do mundo. Não sei dizer se sou uma exceção, ou se essa opinião é que está furada.”

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Bernardo Carvalho é um dos autores contemporâneos que têm várias obras publicadas no exterior.

Uma olhada na bibliografia de Mussa e o impulso é apontá-lo como “exceção”. Com O enigma de qaf, um livro sobre a Arábia pré-islâmica, ele conseguiu ser traduzido em nove países, Turquia e Romênia entre eles. Foi seu maior sucesso estrangeiro até aqui, êxito que ele atribui ao trabalho de divulgação feito pelos editores e agentes.                                                                       

A agente de Mussa é Luciana Villas-Boas, ex-diretora editorial da Record, para quem o interesse no Brasil não é espontâneo. “É resultado das políticas e vantagens oferecidas pela Biblioteca Nacional aos organizadores dessas feiras. A política de bolsas de tradução também tem contado muito”, diz.

Responsável por levar ao exterior vários autores nacionais, Luciana afirma que os editores de fora não têm uma “pauta específica” do que querem em termos de literatura brasileira. De novo, é a lógica de “bons livros, boas histórias” e esse é um dos problemas. “Temos poucos livros de ficção brasileira de grande sucesso entre nós. Mais que um problema, [é] um paradoxo: buscamos ansiosamente o sucesso internacional sem termos amadurecido o nosso público para a literatura brasileira e sem maior preocupação quanto a isso”, diz ela.

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Uma conferência de escritores realizada na Universidade de Milão, no fim de outubro, tratou das pressões que essa ânsia pelo sucesso internacional exerce sobre a literatura de países periféricos. “Rumo a uma Literatura Global” foi o nome do evento, organizado pelo romancista Tim Parks, inglês radicado na Itália. Ele escreveu sobre as discussões milanesas em artigo para a New York Review of Books.

Parks teme uma certa “internacionalização” da literatura, que mataria as características próprias das culturas locais. Como exemplo, ele cita o argentino Andrés Neumann, que escreveu sobre a Alemanha do século XVIII, e o mexicano Jorge Volpi, que não conhece a Rússia, mas decidiu usá-la como cenário em seu romance mais recente. Os acadêmicos participantes da conferência se mostraram entusiasmados com essas misturas, enquanto outros, Parks entre eles, admitiram perplexidade.


Alberto Mussa atribui o sucesso de sua literatura no exterior ao trabalho de agentes e editores brasileiros.


Uma pesquisadora italiana citada por Parks fez uma comparação entre escritores indianos respeitados que escrevem em híndi (traduzidos para o inglês) e autores anglo-indianos de sucesso como Salman Rushdie e Arundhati Roy. Os do primeiro grupo não teriam a mesma fama dos do segundo porque, escreve Parks, “a tradução pode tornar um romance disponível, mas o exotismo real do texto estrangeiro de verdade continua sendo uma barreira para a maioria dos leitores”.

No Brasil, o movimento parece ser o de se afastar do exótico. “A realidade do país não cabe mais em estereótipos de exotismo e pitoresco, temos muito mais a apresentar ao mundo e acreditamos que o mercado internacional está cada da mais interessado em conhecer a universalidade da literatura brasileira, o Brasil além dos lugares comuns", diz Fábio Lima, coordenador do Programa de Apoio à Tradução e Publicação de Autores Brasileiros no Exterior, da Biblioteca Nacional.

Eu Receberia as piores notícias de seus lindos lábios, de Marçal Aquino, ganhou uma adaptação para o cinema estrelada por Camila Pitanga e teve traduções na Alemanha e em Portugal — outras na França e no México estão engatilhadas. O autor ambienta suas histórias na cidade e seus temas são tão universais quanto podem ser: chantagem, traição, amor e morte.

“Foi-se o tempo dos exotismos”, diz Aquino. “Vivemos num mundo de grande entrelaçamento cultural e interdependência.”

Todos os livros de Milton Hatoum ganharam versões estrangeiras. Dois irmãos teve mais repercussão e saiu em 12 países. O décimo terceiro, a República Tcheca, terá uma edição no que vem.
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Em entrevista por e-mail, Hatoum comenta a importância dos prêmios para atrair a atenção de outros países e conta como o trabalho do editor Luiz Schwarcz, da Companhia das Letras, o ajudou a ganhar o mercado externo. Schwarcz indicou o vencedor do Jabuti, Dois irmãos, para casas editoriais da Europa e dos EUA. Assim que foi publicado lá fora, uma agência inglesa passou a representar os livros do escritor manauara.

Luciana Villas-Boas diz que o único caminho para um escritor sair em outros idiomas é “a abordagem dos editores estrangeiros para apresentação da obra. Só quem pode fazer isso é o agente ou o editor brasileiro”, diz. “Na última feira de Frankfurt, muitos editores estrangeiros comentaram comigo o entusiasmo do Luiz [Schwarcz, da Companhia das Letras] pelo trabalho do Daniel Galera.”



"Se existe algum [interesse
crescente do mundo pela literatura
brasileira], provavelmente se deve
a fatores extraliterários."
Michel Laub, autor de Diário da queda

Galera acaba de publicar o romance Barba ensopada de sangue no Brasil e, prova de que o entusiasmo de Schwarcz rendeu contratos, ele sairá também em outros seis países.

Para Hatoum, o exotismo ainda atrai muitos leitores. “Jorge Amado, o escritor brasileiro mais traduzido e conhecido no exterior, foi lido assim, embora a obra dele não seja deliberadamente exótica. Jorge reinventou a Bahia, que, para todos nós, tem algo de exótico”, diz. “Uma parte da
nossa literatura contemporânea explora a violência urbana, mas isso também pode assumir contornos exóticos para um leitor europeu.”

Hatoum afirma que, para quem escreve, o leitor é uma abstração. Não se escreve pensando num leitor específico, seja brasileiro ou estrangeiro. “Porque cada leitura é particular, íntima. Se a narrativa tiver força, se contar uma história que transmita um teor de verdade, então ela certamente interessará a leitores daqui e do exterior.”

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Quando resenhou Dois irmãos (The brothers, na edição norte-americana) para o jornal The New York Times, Richard Eder disse que, antes, quando a literatura dos Estados Unidos lidava com o estrangeiro, era mais uma questão de levar os americanos para outros lugares e não de trazer os lugares estrangeiros para os americanos. “Parece que chegou a hora de nossa imaginação abrir espaço para os estrangeiros e ouvir as vozes que vêm de longe”, escreveu. Isso, dez anos atrás.

Hoje, o meio editorial de língua inglesa dá sinais de que tenta ouvir "as vozes de longe". A revista britânica Granta talvez seja um bom exemplo -- embora a Europa seja, tradicionalmente, mais receptiva a livros estrangeiros do que os EUA. Depois de dedicar volumes inteiros a escritores de língua espanhola e a autores chineses, a Granta organizou um volume de jovens autores brasileiros.

Não por acaso, se você entrar no site americano da Amazon.com, clicar na seção “books” e fizer uma pesquisa por “brazilian writers”, uma das primeiras opções que aparecem, junto com Paulo Coelho e crítica literária centrada em Machado de Assis, é a Granta.

Ilustrações: Yan Sorgi