Especial Capa: Quem quer um autor?

Quem quer um autor?


Em um cenário com muitas alternativas de publicação, mas também de poucos leitores e muitos autores, consolidar carreira na literatura brasileira ainda é tarefa difícil

Daniel Zanella


leitor
Há pelo menos duas décadas, o mercado editorial brasileiro deu um salto, os meios de produção do livro se alargaram, uma grande quantidade de editoras — grandes, médias e pequenas — surgiram, as feiras e cafés literários viraram febre e houve grande oferta de cursos e oficinas de criação com escritores consagrados. Uma série de fatores que jogam a favor daqueles que pretendem começar a escrever ficção. Mas, paradoxalmente, apesar deste cenário com muitas possibilidades de publicação e aprendizado, o aspirante a escritor ainda parece atrelado aos meios de publicação tradicionais, o que inclui o desejo de estar em grandes editoras e editar seu livro no formato tradicional, de papel. Diante desse aparente descompasso entre possibilidades e desejos, qual o melhor caminho para um escritor iniciante?

O curitibano Guylherme Custódio já participou de diversas oficinas literárias e acredita que, apesar das muitas formas de um autor iniciante divulgar seu trabalho, o formato tradicional, em livro, ainda é o mais eficaz. “Existem muitas maneiras de divulgar o trabalho, seja na internet ou por meio da publicação em jornais e revistas literárias, mas é inevitável ter a ambição de publicar um livro.” Assim como Custódio, Jean Snege trilhou um caminho que tem atraído cada vez mais jovens escritores: as oficinas de texto. Filho de Jamil Snege, um dos grandes autores paranaenses, Jean crê que o contato do jovem escritor com o ambiente de produção e publicação é muito importante. “Comecei a publicar por meio de concursos e oficinas e não me arrependo. Só que precisamos entender que o nosso pretensioso textinho acaba virando calço de mesa, rascunho, marcador de página. Ninguém tem tempo pra você e esse é seu primeiro contato com a frustração literária: lidar com a rejeição. Porque, inicialmente, poucos terão interesse no que você escreve”, diz o jovem escritor, que participou da Oficina BPP de Criação Literária ministrada por Miguel Sanches Neto, em 2012, e teve um de seus contos publicados na primeira edição do Cândido.

Para Carlos Eduardo de Magalhães, editor da Grua Livros, o aval das editoras ainda é de extrema importância para qualquer escritor, não só os jovens ou iniciantes. Em 2011, sua editora recebeu 194 originais em um período previamente estipulado que o editor chamou de “temporada de originais”. Os livros foram avaliados por uma comissão formada pelos escritores João Anzanello Carrascoza e Rodrigo Lacerda, além do próprio Carlos, que selecionou quatro autores que serão publicados em 2012. “É importante procurar uma editora, grande ou pequena, que tenha uma linha editorial séria e que efetivamente edite o livro, em vez de apenas publicá-lo. O editor é fundamental para o escritor. Aliás, é a figura mais importante na cadeia inteira. Não recomendo a autopublicação por esse motivo e porque dificilmente o livro, por melhor que seja, chegará aos jornais e às livrarias”, diz Carlos.

A inscrição de inéditos em concursos, aliás, também é apontado como um bom caminho aos principiantes. André de Leones, escritor goiano nascido em 1980, autor do romance Dentes negros (2011), ressalta a importância de ganhar um prêmio de projeção nacional. “Em 2005, venci o Prêmio SESC de Literatura com o meu romance de estreia, Hoje está um dia morto. O livro foi publicado pela Record e muito bem divulgado (está na segunda edição). Com isso, driblei os principais obstáculos que geralmente se apresentam a um escritor iniciante. Se eu tenho um conselho, é este: participar de bons concursos. Eles dão visibilidade e permitem ao vencedor adentrar o mercado editorial.”

O curitibano Felipe Munhoz, também teve incentivo de leis públicas. Ele acaba de terminar seu primeiro romance, Mentiras, realizado por meio da Bolsa Funarte de Criação Literária, que contempla autores brasileiros que desejam se dedicar ao desenvolvimento de textos inéditos nos gêneros lírico (poesia) ou narrativo (romance, conto, crônica e novela). Cada contemplado recebe R$ 30 mil para desenvolvimento de sua obra. “É uma narrativa inspirada na obra de Philip Roth. Portanto, ao passo em que desenvolvia o texto, fui lendo todos os seus livros e as referências importantes para o autor, como Franz Kafka e Saul Bellow. Escrevo e reescrevo ficção todos os dias, praticamente o dia inteiro, e com bastante disciplina, o que resulta em natural evolução”, diz Munhoz, que teve seus primeiros textos lidos e comentados por Humberto Werneck.

Outro expediente para romper o anonimato é a famosa “indicação” de um escritor já estabelecido no mercado. Ou seja, o jovem escritor envia seus originais a um autor, que os lê e os indica para publicação. “Já recebemos indicações de escritores, sim, mas os livros acabaram não sendo publicados, ou por estarmos com a programação fechada, ou porque os livros não nos pareceram adequados para a publicação”, explica o editor da Grua.

Mas, claro, o caminho tradicional, de simplesmente enviar o livro pelo correio, também pode vingar. “Nunca fui indicado por ninguém. Simplesmente botei no correio meu inédito e encaminhei a três ou quatro editoras. A Brasiliense respondeu e assim surgiu meu primeiro livro”, diz Reinaldo Moraes sobre Tanto faz, seu romance de estreia.

Dilemas
prato


A dificuldade de se dedicar integralmente à literatura também é apontada pelos jovens escritores como empecilho à profissionalização. “A necessidade de ter que desenvolver outras tarefas atrapalha muito. Apesar de o trabalho trazer muitas ideias para os meus textos, é necessário aliar isso a uma disciplina para se capacitar, atualizar, ler e escrever. Em resumo: é preciso trabalhar em dobro. Um turno no trabalho habitual e outro na literatura”, afirma o jovem Guylherme Custódio, que já publicou alguns de seus trabalhos em periódicos.

Para Miguel Sanches Neto, tais dificuldades fazem parte do processo de amadurecimento do futuro escritor. “A primeira coisa é ter um emprego que pague as contas. Daí você pode esperar o tempo que for necessário para que seu trabalho, caso tenha valor, seja reconhecido. É preciso criar brechas na vida para escrever, ter horários e renunciar hábitos para criar outros”, diz o autor do livro de contos Então você quer ser escritor?, cujo conto-título fala sobre um escritor que ministra oficinas de criação literária.

Além de oficinas, palestras, concursos e bolsas de criação literária, muitos escritores que se tornaram profissionais tiveram nos jornais, especializados ou não, a primeira chance para divulgar seus trabalhos. Antes de publicar seu primeiro livro, Inscrições a giz, que ganhou o prêmio Nacional de Poesia Luís Delfino, de 1989, Miguel Sanches Neto publicou poemas, contos e textos críticos em jornais como O Estado do Paraná, Gazeta do Povo e Nicolau, de Curitiba, e A Notícia, de Joinville.

Atualmente, muitos jornais, como o Rascunho e o próprio Cândido, e revistas como Coyote (Londrina), o Suplemento Literário de Minas Gerais e o de Pernambuco, proporcionam ao jovem escritor a publicação de inéditos. Outros veículos, como os cadernos Ilustríssima, da Folha de S.Paulo, e Sabático, de O Estado de S.Paulo, também reservam espaço para inéditos. Porém, na grande imprensa, ainda se vê poucos trabalhos de iniciantes.

Na internet, diversos coletivos, blogs e sites literários despontam como plataforma de divulgação (barata e acessível) de novos escritores e ambiente de discussão da produção atual, tais como o Digestivo Cultural (www.digestivocultural.com), o Recanto das Letras (www.recantodasletras.com.br), a Confraria do Vento (confrariadovento.com) e o Portal Cronópios (www.cronopios.com.br).

Conselhos

“Primeiramente, publicar livros não faz de ninguém um escritor”, sentencia Miguel Sanches Neto. “Só existe escritor quando um conjunto de leitores dá ao sujeito este status, ou seja, quando a sua literatura exerce alguma modificação em um contingente de leitores.” Para o escritor paranaense, também é preciso considerar o julgamento da posteridade. “Hoje podemos dizer que Lima Barreto é escritor, mas não podemos ter certeza sobre nenhum escritor vivo, pois apenas o consenso de épocas futuras garantirá esta identidade”, completa.

Para o editor da Grua Livros, Carlos Eduardo de Magalhães, há várias alternativas para se estabelecer e criar contato com o mercado editorial. Ou seja, é possível mostrar, por meio de outros meios, que conhece literatura e que pode escrever ficção. “Formar um currículo é interessante. Currículo não garante a publicação de forma alguma, mas aumenta sua chance de ser avaliado. Tem gente que começa com tradução, outros com contos em coletâneas, outros têm ótima formação acadêmica, outros têm artigos em jornais importantes, outros uma história de vida. O avaliador tem de se sentir atraído para apanhar o livro e gastar horas nele, ainda que seja para decidir não publicá-lo.”

Foi o que fez Antônio Xerxeneski. Aos 27 anos, o escritor gaúcho já publicou artigos nos principais jornais, revistas e sites do país. Hoje também é editor da Não Editora e da revista online Cadernos de Não-Ficção. Autor do romance Areia nos dentes (2010) e do livro de contos A página assombrada por fantasmas (2011), Xerxeneski acredita que, antes de cobiçar carreira na literatura, o escritor deve ser um exímio leitor.“Ler, ler em quantidade absurda, ler mais do que professores de literatura e críticos, conhecer o clássico e o contemporâneo, o internacional e o nacional, a prosa dos autores que estão ao seu redor, que vivem na mesma cidade, para assim saber em que cena literária será inserido. Sem uma forte bagagem de leitura, dificilmente alguém se torna um bom escritor”, afirma.

Outra espécie de desafio apontado por escritores e críticos se refere à exposição midiática exigida de um escritor contemporâneo. O cenário literário impõem ao escritor participação ativa em redes sociais, feiras e debates literários.“É preciso encontrar o seu público leitor, cavar um espaço na mídia. Não que seja o mais importante — o que importa é o texto. Ainda assim, um livro sem leitores é um livro morto. Por isso, acho necessário que o autor busque uma editora que o respeite, que lance o seu livro com um projeto gráfico cuidadoso e que batalhe pela divulgação da obra. Há muitas editoras independentes corajosas por aí”, afirma o escritor gaúcho. Em artigo publicado no blog do Instituto Moreira Salles, Xerxeneski também debate sobre aquilo que chama de “a impossibilidade de [Thomas] Pynchon”, ou seja, a não possibilidade de, no “Brasil do século XXI”, o escritor se manter recluso. “O escritor precisa fazer uma escolha: ou se torna extrovertido, ou lamenta o fato de que ninguém o lerá.”