Especial Capa: Para inglês ler

Décadas depois de suas primeiras publicações, cânones da literatura nacional gozam de grande prestígio e boa receptividade no mercado externo, conquistando leitores e traduzidos para vários idiomas

Felipe Kryminice


Dalton Trevisan, em um de seus mais célebres textos, “Em busca de Curitiba perdida”, revela uma cidade para inglês ver. Nessa, ele não viaja. Prefere a sua Curitiba, que não tem pinheiros e onde o céu azul não é azul. Na narrativa, o contista critica uma cidade que perde sua essência ao tentar se exibir. Ironicamente, o autor que condena uma cidade para inglês ver teve sua obra, realmente, traduzida para inglês ler. As incursões de Nelsinho — personagem do O vampiro de Curitiba (1965) — e as desgraceiras de Novelas nada exemplares (1959) também tiveram edições publicadas em alemão, francês, holandês, espanhol e polonês.

A repercussão internacional da obra de Trevisan não se restringe às traduções. Mais do que as publicações do Vampiro de Curitiba em outros idiomas, o contista — dono de uma dicção particular, muitas vezes considerada um novo gênero — foi agraciado pelo Prêmio Camões de Literatura, em 2012. A premiação, por sua vez, é reconhecida como um dos prêmios de maior importância da literatura mundial.

A popularidade que alguns autores brasileiros têm encontrado pode ser explicada por um casamento entre a literatura clássica e contemporânea, conforme sugeriu Luiz Schwarcz, editor da Companhia das Letras, em uma postagem no seu blog: “Conseguimos uma estabilidade de vendas pouco usual nos dias de hoje publicando clássicos brasileiros com a ginga de autores contemporâneos e tentando transformar os novos nomes da literatura brasileira em clássicos”, diz.

Para além do autor curitibano e do controvertido best-seller Paulo Coelho, traduzido em mais de 60 idiomas, clássicos da literatura brasileira aparecem com destaque entre os autores que mais são lidos no exterior. Por mais que nomes recentes da literatura contemporânea tenham conquistado leitores em outras línguas, são os grandes cânones da prosa e poesia brasileira que sustentam e alavancam a exportação de nossas letras.

Alguns dos autores clássicos da
literatura brasileira que estão
traduzidos em várias línguas.

Um ano rumo à eternidade
escritores



Entre os mais lidos no exterior, figuram clássicos como Clarice Lispector, Machado de Assis, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos e Carlos Drummond de Andrade. Além da qualidade da obra em si, outros fatores interferem na projeção de um autor, conforme explica a agente literária Lúcia Riff. “Dependendo do país, ou da época, ou de alguma comemoração, ou do esforço da família do autor, ou do agente, um autor clássico pode estar mais em evidência do que outros.”

Prova dessa relevância, que algumas comemorações podem ter, foi observada — com muito destaque — neste ano. O centenário de Jorge Amado ganhou destaque internacional em meio à efeméride. Ao longo da temporada de comemorações de seu aniversário, foram realizadas mostras de filmes na Itália, França, Espanha, Inglaterra e Estados Unidos. Colóquios na República Tcheca e em Portugal, além de exposição de artes plásticas na Finlândia. Todos os trabalhos inspirados na obra do autor baiano.

Clarice Lispector, por sua vez, também esteve em grande evidência em 2012. Os Estados Unidos, que têm fama de ser uma mercado avesso a traduções, abriu espaço nas livrarias para mais quatro obras de Clarice: Perto do coração selvagem, Água viva, A paixão segundo G. H. e Um sopro de vida. Todas pela editora New Directions, que, ano passado, já havia publicado A hora da estrela. A iniciativa repercutiu amplamente no país americano. Um artigo publicado por um periódico de Los Angeles chegou a comparar a autora brasileira à beleza da cantora alemã Marlene Dietrich e também ao estilo literário da consagrada autora britânica Virginia Woolf. Parte dessa badalação pode ser encarada como consequência da publicação da biografia de Clarice em inglês, pela editora Cosac Naify, em 2009.

Mas, apesar de toda festividade envolvendo alguns clássicos brasileiros, Lúcia Riff ressalta a dificuldade de difundir os cânones: “Manter uma obra clássica viva requer um imenso esforço e um trabalho conjunto da família, da editora brasileira, do agente (quando houver), e das editoras estrangeiras” conta.

Pro sertão virar mar

Para o leitor mais atento, que leu os clássicos considerados como leitura obrigatória para qualquer interessado em literatura, uma questão chama atenção: alguns autores, mesmo sustentando suas narrativas em ambientes particularíssimos e evidentemente locais, conseguiram ser universais. A qualidade da ficção de
GUIMARAES
Graciliano Ramos rompeu os limites do sertão, sendo Vidas secas traduzido na Bulgária. Tão peculiar quanto a obra de Graciliano Ramos, impossível ficar indiferente ao sertão universal de Guimarães Rosa, publicado, entre outras línguas, no eslovaco e no norueguês.

Para Lúcia Riff agente literária, responsável por levar muitos nomes contemporâneos do Brasil para o mundo, a incerteza e a pouca lógica que muitas vezes envolvem o sucesso internacional de um autor evidenciam uma rara curiosidade. Alguns escritores encontram mais sucesso no exterior do que no próprio país de origem: “É possível, ainda que um tanto raro, que autores encontrem sucesso no exterior maior do que em seus próprios países — isso vale também para alguns estrangeiros que figuram nas nossas listas de mais vendidos, mas chegam a ser desconhecidos em seus países de origem”, diz.

O sonho do clássico próprio

A gloriosa proj
viva o povo
eção internacional dos cânones brasileiros coloca em pauta uma questão: será que esse sucesso ficará restrito aos saudosos escritores finados? Se depender da qualidade literária de alguns autores contemporâneos, não. Qualidade essa destacada por Lúcia: “Nos dois casos, clássicos e contemporâneos, estou representando textos altamente literários, da maior qualidade”, destaca a agente responsável pela circulação mundial das obras de Zuenir Ventura, Lygia Fagundes Telles, Rubem Fonseca, Adélia Prado e Ariano Suassuna, entre tantos outros.

Alguns escritores brasileiros de uma nova geração têm sido alçados pela crítica à condição de futuros clássicos, indicando que a produção nacional ganha novo fôlego. Um dos que reforçam estes números é João Ubaldo Ribeiro. Autor do clássico Viva o povo brasileiro, traduziu do próprio punho algumas de suas obras para o inglês. Reforçando o time, Bernardo Carvalho, Milton Hatoum e Cristovão Tezza também acumulam publicações e leitores em outras terras. Best-seller de Tezza, O filho eterno já virou, entre outros, Bambino per sempre e The eternal son.

Agora o inglês só não lê se não quiser.





Literatura sem fronteiras

Alguns dos autores brasileiros mais lidos no exterior e suas principais suas traduções.

vidas secas




Graciliano Ramos

Búlgaro - Dinamarquês – Finlandês - Húngaro – Inglês – Polonês – Romeno – Russo - - Tcheco
Turco








drummond



Carlos Drummond de Andrade
Alemão – Búlgaro – Dinamarquês – Espanhol – Francês – Holandês – Inglês – Italiano - Norueguês - Sueco




 



clarice





Clarice Lispector:
Dinamarquês – Espanhol – Inglês – Italiano – Sueco - Tcheco










machado






Machado de Assis

Árabe – Dinamarquês – Estoniano – Hebraico – Holandês – Inglês –Polonês – Romeno – Sueco - Tcheco








viva o povo






João Ubaldo Ribeiro

Alemão – Dinamarquês – Espanhol – Francês – Hebraico – Inglês – Italiano - Sueco








GUIMARAES






Guimarães Rosa

Alemão – Dinamarquês – Eslovaco – Espanhol – Francês – Holandês – Inglês – Italiano – Norueguês - Tcheco