Especial | Caio Fernando Abreu

Prateleira

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Limite branco


Primeiro romance escrito por Caio Fernando Abreu, Limite branco foi produzido em 1967, e publicado em 1971. O autor, no texto “Um quarto de século”, de 1992, comenta a obra: “Limite branco (que originalmente não se chamava assim: foi rebatizado por Hilda Hilst, a quem devo a bela epígrafe e tantas coisas mais) é um romance sobre um adolescente no final dos anos 60. […] Relendo-o — e foi, juro, quase insuportável reler/rever estes últimos 25 anos —, fiquei chocado com a sua, por assim dizer, inocência. E digo ‘por assim dizer’ porque essa inocência do personagem Maurício (e do Caio que o criou) tem muito de falso pudor, de medo, moralismo, preconceito, arrogância, coisas assim. […] É também um livro imaturo. Maurício, visto hoje, parece um Peter Pan vagamente virgem, aterrorizado com a possibilidade de tornar-se adulto.” No texto “Adolescendo à beira do Guaíba”, Italo Moriconi observa que “em Limite branco, estão inscritos começo e fim do autor/narrador. Da obra e da vida. […] É no tempoespaço da deriva urbana que reside o nosso tanto de adolescente permanente.”

 

Morangos mofados

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Se, como alguns dizem, a literatura tem de provocar estranhamento, Morangos mofados (1982), traz essa sensação de pertubação e desconforto diante do mundo e de tudo. Nos 9 contos da primeira parte do livro, “O mofo”, os personagens são solitários, para quem não parece haver redenção. Já nos contos da segunda parte, “Os morangos”, até que se insinuam caminhos em meio ao aparentemente árido caos urbano. “A originalidade do relato de Caio Fernando Abreu nasce do partido que toma enquanto autor e personagem. Através da aparente isenção no recorte de situações e sentimentos, na maior parte dos casos engedrado por uma sensibilíssima acuidade visual (e muitas vezes musical) cresce e se refaz a história de uma geração de ‘sobreviventes’”, escreveu Heloísa Buarque de Holanda, em texto publicado no Jornal do Brasil. O último conto, que empresta o nome ao livro, traz uma espécie de síntese do clima dos anos 1970-1980, antecipando a fragmentação que hoje muitos dizem ser uma das marcas do século XXI.



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Os dragões não conhecem o paraíso


Coletânea de 13 contos, Os dragões não conhecem o paraíso (1988) traz, no breve texto de ficção homônimo, uma das muitas mostras da literatura do autor gaúcho: “Tenho um dragão que mora comigo. Não, isso não é verdade. Não tenho nenhum dragão. E, ainda que tivesse, ele não moraria comigo nem com ninguém. Para os dragões, nada mais inconcebível que dividir espaço — seja com outro dragão, seja com uma pessoa banal feito eu. Ou invulgar, como imagino que os outros devam ser.” Independentes, as 13 histórias tratam de sexo, morte, alegria, medo, loucura e, mais do que tudo, de amor. Mas, como o autor comentou, os 13 contos também dialogam entre si. “Se o leitor também quiser, este pode ser uma espécie de romance-móbile. Um romance desmontável, onde essas 13 peças talvez possam completar-se, esclarecer-se, ampliar-se ou remeter-se de muitas maneiras umas às outras, para formarem uma espécie de todo. Aparentemente fragmentado mas, de algum modo — suponho — completo.”




Triângulo das águas
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Onde andará Dulce Veiga?Publicada em 1983, esta obra reúne 3 novelas e conquistou, em 1984, o Prêmio Jabuti. “As três novelas deste livro revelam um escritor em plena maturidade criativa, vários pontos acima de seu livro anterior, Morangos mofados”, escreveu, em texto veiculado na revista IstoÉ, Geraldo Galvão Ferraz. O livro foi escrito durante uma temporada em que o autor decidiu viver no Rio de Janeiro e o resultado é uma prosa poética por meio da qual os personagens de cada uma das narrativas não sabem se as circunstâncias não os favorecem ou se eles não favorecem as circunstâncias, como se lê num fragmento de “Pela noite”: “Vinda de dentro, Santiago ouviu a voz dele, batendo portas, fica à vontade, sabe mexer no som? Põe um som aí, tem jazz, porradas de jazz, que tal uma boa e velha Billie pra dar o clima noturno? Tem uns rocks também, uns berros de Nina Hagen? Ligando a televisão no quarto, a música familiar, irritante e estridente do Jornal Nacional derramou-se pelo corredor para invadir a sala, umas revistas malucas aqui no quarto, gosta de sacanagem forte?”.

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Onde andará Dulce Veiga?


Italo Moriconi afirma que Onde andará Dulce Veiga?, publicado em 1990, está entre os bons romances do momento de virada de século. “Entra para qualquer lista de 30 melhores romances da segunda metade do século XX”, diz Moriconi. A narrativa apresenta um personagem que consegue um emprego em um jornal e, a partir dessa situação, há, entre outras questões, a recriação do que foi o ambiente de uma redação antes do advento da internet. Mais que isso, o livro tem como foco o desaparecimento de uma cantora, Dulce Veiga, que já teve prestígio. A obra confirma que Caio Fernando Abreu sabia elaborar ficção a partir da valorização de detalhes: “A primeira vez que vi Dulce Veiga, e foram apenas duas, ela estava sentada numa poltrona de veludo verde. Uma bergère, mas naquele tempo eu nem sabia que se chamava assim. Sabia tão pouco de tudo que, na época, quando tentei descrevê-la depois na mente e no papel, disse que era uma dessas poltronas clássicas, de espaldar alto e assim como duas abas salientes na altura da cabeça de quem senta.” Em 2008, o livro foi adaptado para o cinema, com título homônimo, por Guilherme de Almeida Prado.



Ovelhas negras

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Reunião de textos, escritos entre 1962 e 1995, ano da publicação do livro. “Foram às vezes publicados em antologias, revistas, jornais, edições alternativas. Mas grande parte é de inéditos relegados a empoeiradas pastas dispersas por várias cidades, e que só agora — como pastor eficiente que me pretendo — consegui reunir”, escreveu Caio, intitulando-se “autor-pastor”, na apresentação da obra. Antes do início de cada texto, o escritor comenta quando produziu e o motivo de não ter publicado, o conteúdo, antes. “‘Sagrados laços’, por exemplo, de acordo com Caio, “é um texto escrito no Rio de Janeiro em 1984. Deveria ter sido incluído em Os dragões não conhecem o paraíso, mas acabou não havendo lugar para ele.” Sobre os textos, ainda escreveu: “Remexendo, e com alergia a pó, as dezenas de pastas em frangalhos, nunca tive tão clara certeza que criar é literalmente arrancar com esforço bruto algo informe do Kaos. Confesso que ambos me seduzem, o Kaos e o in ou dis-forme. Afinal, como Rita Lee, sempre dediquei um carinho todo especial pelas mais negras das ovelhas.”