Entrevista | Vanessa Barbara

“A literatura não precisa se levar tão a sério”

Vencedora do Prêmio Paraná de Literatura 2014, categoria Romance, Vanessa Barbara fala sobre a concepção de Operação impensável, livro que mistura fatos históricos para falar sobre uma guerra conjugal


Da redação

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Foto: Kraw Penas

Operação impensável, de Vanessa Barbara, venceu o Prêmio Paraná de Literatura 2014 na categoria romance. O título é emprestado de uma operação militar e foi utilizado pela autora para retratar, e definir, uma relação amorosa que vai se transformar em uma guerra conjugal. A autora, nascida em São Paulo em 1982, conta que escreveu a longa narrativa, que apresenta os personagens Lia e Tito, durante dois anos. “Operação impensável tem uma linguagem mais pessoal, íntima. É um romance tão delicado que não quis enviá-lo para publicação pelos caminhos normais — decidi inscrevê-lo num concurso para ver se ele resistia à avaliação de desconhecidos”, diz a escritora que conquistou o Prêmio Jabuti de reportagem em 2008 com O livro amarelo do terminal e é colunista do International New York Times e de O Estado de S. Paulo.
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Em entrevista ao Cândido, Vanessa comenta que Operação impensável, a exemplo de O livro amarelo do terminal, é uma obra que dialoga com a multiplicidade de referências do mundo contemporâneo, repleto de sons, ruídos e novas plataformas de informação. “Gosto de incorporar esse ‘ruído’ ao texto e me valer de referências de múltiplas áreas, sem me ater ao estritamente literário. O resultado fica parecendo um caderno de colagens, um álbum trágico de casamento”, afirma a escritora, que acumula no currículo o romance Noites de alface (2013) e a coletânea de crônicas O louco de palestra (2014) — em 2012, fez parte da edição especial da revista Granta, que escolheu os 20 Melhores Jovens Escritores Brasileiros.

O título do seu livro é o nome de uma operação militar e o romance traz em um dos planos uma relação amorosa que se torna uma guerra conjugal. Como foi a concepção de Operação impensável? Levou quanto tempo para ser escrito? Você dialoga com outros livros (caso sim, quais?) ou encontrou a matéria- prima na realidade?

Levei aproximadamente dois anos para escrevê-lo, mas de forma errática, alternando com os trabalhos cotidianos de crônicas e reportagens. O livro é muito fragmentado e encontra inspiração nas obras citadas e em elementos reais de histórias vividas ou ouvidas. Algumas das obras de referência foram A handful of dust, de Evelyn Waugh, Heartburn, de Nora Ephron, O grande Gatsby, de Fitzgerald, Nada a dizer, da Elvira Vigna, entre outros.
Em Operação impensável há menção a programas de televisão, o texto também incorpora recursos como troca de e-mails, comentários sobre filmes e notas que abrem espaço para trechos ou citações de livros. Essa multiplicidade de referências é uma maneira de dialogar com o mundo contemporâneo, repleto de sons, ruídos e novas plataformas de informação?

Sim. Como em O livro amarelo do terminal, gosto de incorporar esse “ruído” ao texto e me valer de referências de múltiplas áreas, sem me ater ao estritamente literário. O resultado fica parecendo um caderno de colagens, um álbum trágico de casamento.

O par romântico ou, então, a dupla de personagens centrais, Lia e Tito, pode ser, em alguma medida, definida como um casal de nerds. Eles conhecem, de fato, alguns nichos culturais, apreciam cinema por exemplo. Mas não são, necessariamente, adultos: parecem, ao contrário, infantilizados. Ao criar esses personagens, que no livro não transam, você fez uma crítica à realidade brasileira, na qual há um retardamento da fase adulta e não poucas pessoas seguem por muitos anos insistindo em uma permanente adolescência, falando “patati-patatá” e “mep- -mep”, entre outras expressões usadas por Lia e Tito?

Não. E não acho que eles sejam infantilizados. Como todos os casais, ao longo dos anos, eles vão adquirindo um universo de referências em comum que os isola num mundo particular. A ausência de sexo na primeira parte é quase uma delicadeza narrativa, se comparada à violência a que Lia é submetida na segunda e terceira partes. Na primeira parte temos discrição e intimidade (daí a omissão: a vida sexual de Lia e Tito é uma coisa só deles), depois vemos uma escalada de exposição e opressão.

Além da narrativa fluente e bem estruturada, Operação impensável tem como característica o humor. Você considera o humor uma de suas marcas mais evidentes, literariamente falando?

Sim, meu olhar sofre de uma espécie de erro de paralaxe — nunca se concentra nas coisas realmente centrais, mas nos elementos que estão fora do enquadramento e fora de foco. Isso serve para os meus trabalhos jornalísticos e também para os literários. (Provavelmente se eu fosse marceneira, meus móveis também seriam muito engraçados.) Não acho que a literatura precise necessariamente se levar tão a sério o tempo todo.
Você é colunista do International New York Times e de O Estado de S. Paulo. Como divide o tempo e a energia para o jornalismo e para a ficção? Em seu cotidiano, há tempo e rotina diferenciados para cada modalidade de escrita?

Não, vou misturando tudo e variando os estilos. Gosto de mudar de gêneros no mesmo dia, assim como gosto de poder me dedicar semanas a fio a um projeto só.

Você é uma autora reconhecida com prêmio Jabuti de reportagem, em 2008, pela obra O livro amarelo do terminal. Em 2012, foi escolhida pela revista Granta na edição 20 Melhores Jovens Escritores Brasileiros. E agora: o que representa vencer o Prêmio Paraná de Literatura 2014 na categoria romance? O que isso muda e já mudou em sua vida?

Já fui parada na rua três vezes para receber congratulações de mandaquienses por causa do Prêmio Paraná. Isso nunca me aconteceu. Só o que eu quero nesta vida é receber um dia um cheque gigante e tentar descontá-lo na minha agência do Alto de Santana.
Comparando com os seus livros anteriores, por exemplo o romance Noites de alface (2013) e mesmo a coletânea de crônicas O louco de palestra (2014), qual o diferencial de Operação impensável? O que este livro tem que as suas outras obras não apresentavam?

Operação impensável tem uma linguagem mais pessoal, íntima. É um romance tão delicado que não quis enviá- lo para publicação pelos caminhos normais — decidi inscrevê-lo num concurso para ver se ele resistia à avaliação de desconhecidos. Esse livro é como uma pessoa magra demais tentando caminhar no meio de uma tempestade de vento — a Lia é uma heroína forte que a todo tempo parece prestes a se esfarelar. Mas não esfarela. Pelo contrário, sai da narrativa milhões de vezes mais forte do que entrou.

*Na próxima edição, entrevista com Adriana Grinner, vencedora na categoria Contos.