Entrevista | Adriane Garcia

“Sofri a influência de muitos poetas que nunca li”

Adriane Garcia venceu o Prêmio Paraná de Literatura 2013 na categoria poesia com Fábulas para adulto perder o sono, livro de poemas que conversam literariamente entre si. Mineira de Belo Horizonte, nascida em 1973, ela conta que não planejou o livro temático. “É o mesmo eu poético que dita todos eles [poemas]”, afirma a poeta que também escreve contos, dramaturgia e obras infantojuvenis. Adriana fala a respeito de suas leituras, conta que escreve continuamente, e já tem outros livros prontos, além de analisar a cena literária poética brasileira, por onde, a partir desta estreia, ela também passa a circular.


Carlos Magno
Eucanaã Ferraz, jurado e autor do texto de apresentação, afirma que o seu livro surpreende por problematizar questões como sexo, loucura, morte e melancolia e, acima de tudo, por ser uma obra que faz paródia (de contos de fadas, de personagens do cinema por exemplo). De onde surgiu a ideia e durante quanto tempo você elaborou Fábulas para adulto perder o sono?
A ideia do Fábulas para adulto perder o sono surgiu após vários poemas realizados, que escrevi por cerca de dois anos, entre 2010 e 2012. Quando vi que havia algo em comum com um número grande deles, percebi que podiam ser agrupados num único livro. Pessoalmente, gosto muito de livros temáticos. Acho que um poema vai reforçando o outro e reforçando o tema global e, quando percebemos, estamos contando uma história só, uma coesão que pode ser desastrosa, pela repetição; ou um sucesso, se houver variação interna. Mas o caminho foi inverso: o livro temático surgiu por causa do surgimento dos poemas e não o contrário. Até hoje surgem mais poemas que poderiam ser para o Fábulas, sem que haja a menor intenção. Só vejo o que fiz depois que termino de escrever e leio.

Todos os poemas de Fábulas para adulto perder o sono dialogam entre si. Você se inspirou em algum outro poeta que lançou um livro temático?
Os poemas de Fábulas para adulto perder o sono dialogam entre si, na medida em que a mesma visão de mundo os perpassa. Na verdade, é o mesmo eu poético que dita todos eles. A fábula, o conto de fada, a narrativa fantástica encontrada na literatura, no cinema, no teatro, vem dar conta do mundo, recontá-lo. Lembro-me aqui de que “a vida só é possível reinventada”. Não houve uma inspiração que viesse para fazer um livro temático. A inspiração aconteceu poema a poema, misturados com outros que não utilizavam o mesmo recurso. Quando dei por mim — à época, fazia oficina literária com o escritor gaúcho Paulo Bentancur — estava criando vários poemas que se valiam dessas narrativas que ouvi desde criança e pelo decorrer da vida. Uma soma de elementos que passou a compor meu imaginário e que derivou da literatura, mas também da oralidade, de ouvir avó, tia, mãe, professores, de ouvir músicas, assistir filmes. Além do que, fui alfabetizada aos cinco anos e nunca mais parei de ler histórias ditas infantis. Eu mesma me surpreendi quando percebi a recorrência das fábulas na composição de minhas analogias e metáforas.

Quem são os poetas com quem você dialoga? Como e de que maneira esses autores estão presentes, mesmo nas entrelinhas, nos poemas de Fábulas para adulto perder o sono?
Não saberia dizer exatamente com quais dialogo, no sentido de isso ser consciente em minha poesia. Creio que tudo o que lemos, vemos, vivemos vai-nos marcando, forjando o que ainda vamos dizer ou o que não vamos dizer e a maneira como faremos isso. Não que haverá uma cópia ou uma imitação, mas acabamos por utilizar aquilo que ficou em nós como identificação, que nos fez vibrar ou reconhecermo-nos. Por exemplo, li Vinicius durante minha adolescência inteira. Amei o soneto, até por que é extremamente musical e eu sempre ouvi muita música popular brasileira, tenho um envolvimento grande com pulso, ritmo. Vez em quando faço um soneto, muito mais como desafio imposto por mim mesma, uma espécie de culpa pelo verso livre. Mas não o prefiro para eu escrever. Ele me prende. Então, na adolescência, concomitantemente, li muito Drummond, li Bandeira. Estes últimos é que me faziam vibrar com a forma como escreviam. Não era o tema tratado maravilhosamente que mais me encantava, mas a liberdade do poeta que, ao mesmo tempo que soltava amarras, continuava a escrever algo que poderíamos chamar poema. Quando descobri o humor na poesia, com Quintana, fiquei maravilhada. Era tão possível. E fui me encantando com as possibilidades todas: a religiosidade e o cotidiano simples de Adélia, o escárnio de Gregório de Matos, um pessimismo em Augusto dos Anjos, a grandiosidade dos simbolistas, a preocupação social de Gullar numa poesia linda, a palavra polida de João Cabral. Quase não lia poesia de outros países (e ainda leio muito pouco, apesar do desejo de ler mais), acabava centrada na poesia brasileira. Até que descobri a transcendência de Walt Whitman e o inominável que é a poesia de Rilke. Mas isso é, sobretudo, uma experiência de leitora. Não saberia precisar a presença deles nas entrelinhas de meu próprio poema. Um leitor de um poema meu, certamente, pelo distanciamento, fará um reconhecimento melhor. Mas acredito muito no que diz a poeta Leila Míccolis, num poema genial intitulado “Autodidata”: “Sofri/a influência de muitos poetas/que nunca li.”

O que representa para você ter vencido o Prêmio Paraná de Literatura 2013 na categoria poesia?
Ter vencido o Prêmio Paraná de Literatura 2013 é uma grande honra. É o reconhecimento vindo por meio de um concurso literário que, já de início, apresentou-se com a preocupação da transparência. Conheci o vencedor da categoria romance, do ano passado, Alexandre Vidal Porto. Li o livro e pensei: essa obra merecia mesmo esse prêmio. Depois fui conhecer os poemas da Lila Maia: poesia de primeiríssima qualidade. A banca é sempre divulgada e composta de nomes notórios na literatura, por seus trabalhos e pela lisura. Assim, ganhar o Prêmio Paraná de Literatura é algo que a gente pode afirmar que só acontece por mérito. E isso é um orgulho legítimo a ser considerado. Claro, tantas obras excelentes concorrem, até por que esse é exatamente o tipo de concurso a atrair essas obras, mas só um será escolhido. O melhor é continuar tentando. Eu mesma concorri o ano passado, com outro livro.
Fábulas


E o próximo passo? Tem outro livro esboçado ou na gaveta?
O próximo passo é continuar fazendo o que já faço há alguns anos: ler mais, organizar meus livros, candidatá-los nos concursos, enviar os que estão prontos para as editoras, aguardar as respostas, saber receber as que vêm em forma de silêncio, sem perder a alegria de escrever. Pois de tudo, isso é o fundamental: a alegria de escrever. O resto é só importante. Geralmente, escrevo muito e com regularidade. Tenho mais dois livros de poemas prontos, um deles temático também, dois livros de contos, um infantil, um infantojuvenil e três de dramaturgia.

Como você analisa a cena literária brasileira contemporânea, por onde você passa a circular a partir de agora? Destaca alguma tendência ou autores?
A cena literária brasileira contemporânea, vejo-a muito rica, caleidoscópica. Percebo a multiplicidade de vozes e modos. Isso é muito bom, pois não há um direcionamento de “faça assim” ou “faça daquele outro modo”. Na poesia, área a respeito da qual posso falar mais, percebo poetas de estilos diferentes, criando obras originalíssimas, ora no tratamento da forma, ora na temática. Desde os que utilizam a métrica tratando assuntos inusitados, aos do verso livre, explorando, de um modo novo, conteúdos repetidos na literatura universal. Não querendo deixar poetas primorosos de fora, mas obviamente o fazendo, pela impossibilidade de citar todos, dos publicados em livros (papel), lembro-me da leveza de Mariana Ianelli, do oposto contundente de Angélica Freitas, a criatividade de Luís Augusto Cassas, o admirável domínio da palavra de Paulo Bentancur, a secura metalizada da poesia de Ricardo Silvestrin, o lirismo de fôlego de Nuno Ramos, a elegância contemporânea em Maria Lúcia Dal Farra, a arquitetura caprichada de Eucanaã Ferraz, a comunicação como compromisso em Leila Míccollis... enfim, uma cena variadíssima em que sempre sobrariam nomes a serem citados, fora os muitos que, infelizmente, ainda não li. Ainda tenho me surpreendido bastante com as publicações na web, principalmente através dos poetas que mostram seus trabalhos no Facebook e em blogs. É uma poesia variada, muito viva, vibrante. Destaco Líria Porto, Luis Alberto Lins Caldas, Nanda Prietto, Nina Rizzi, Adelaide do Julinho, Wander Porto, mas há centenas bons demais. Um sinal de que a morte da poesia é, ao menos por enquanto, um alarme falso. Cuidemos que as crianças leiam.